Anunciado ao abrir-se a descarada campanha eleitoreira de "alternância de poder", o novo mínimo surge como um acordo entre os maiores representantes da vigarice política saídos da burguesia mais reacionária, do latifúndio e dos setores que compõem os aparatos ideológicos dessas classes — desde o clero, passando pela social-democracia, chegando aos revisionistas contemporâneos que operam nas mais variadas instâncias.
O aumento do salário mínimo -SM— foi alardeado pela gerência FMI-PT como "fruto de uma negociação entre as centrais sindicais e o Ministério do Trabalho e Emprego, respaldado pelo presidente Luiz Inácio"1, como o "maior reajuste do SM", e "que dá para comprar uma cesta básica e ainda sobra troco".
A gerência FMI-PT cuidou para que o reajuste do mínimo não fosse apresentado como salário propriamente, mas como um ato paternalista, misericordioso, caritativo, devidamente despolitizado, como (na concepção da gerência) cabe fazer quando se trata de atender aos proletários, ou seja, "Lula concedeu aos pobres aumento de 50 reais, maior aumento dos últimos anos".
Claro que a (contra) propaganda do governo vomita demagogia para todos os lados e até os incautos percebem inúmeros "equívocos" em mais essa tramóia. Mas tudo tem prosseguimento em razão da imperiosa necessidade de o "governo" — lídimo representante da burguesia burocrática, da oligarquia latifundiária e do imperialismo — enganar as massas.
A primeira conveniência reside em evitar, a todo custo, a mais simples explicação do que é e como se determina o salário*.
É sabido que o trabalhador não possui para si o trabalho que ele produziu. O produto do seu trabalho pertence aos patrões, dizendo, aos grandes patrões. Os trabalhadores de uma fábrica de geladeiras não têm qualquer direito (nem reclamam esse direito) sobre as geladeiras que eles produziram.
O que cada trabalhador possui, ao final de tantas horas trabalhadas, é um salário. Nada mais que isso. Esse salário compra a sua força de trabalho, isto é, o conjunto das faculdades físicas e intelectuais que ele coloca em movimento para produzir coisas úteis. Pois essa força de trabalho é colocada a serviço do patrão num período de tempo socialmente necessário para produzir.
Significa, então,que o salário é o nome especial com que se designa o preço da força de trabalho.
Mercadoria e preço
Já a força de trabalho — no âmbito das relações de exploração em que vivemos -, é uma mercadoria, simplesmente. O trabalhador mesmo é aquele que nada mais possui de seu. Por isso, é obrigado a vender para o proprietário de grandes importâncias de dinheiro, de fábricas, de bancos etc., exatamente a sua força de trabalho, quer dizer, o conjunto da sua capacidade física e intelectual que, uma vez contratada, o patrão a transforma em força produtiva.
Finalmente, quando algo é posto à venda se transforma em mercadoria. Isso fez o nosso trabalhador com a sua força de trabalho, sem saber, desde o momento em que conseguiu um "emprego".
Como o trabalhador se obriga a vender a sua força de trabalho para não morrer de fome rapidamente, essa força de trabalho se transforma em mercadoria, uma "peculiar mercadoria que só toma corpo na carne e sangue do homem", como explica Marx 2. É também uma mercadoria que produz todas as demais mercadorias.
A força de trabalho é uma mercadoria. O salário nada mais é que o preço dessa mercadoria.
No entanto, como se dá preço a uma mercadoria? A princípio, os preços têm uma correspondência entre si, porque há uma relação de correspondência entre todas as mercadorias.
Por que um televisor custa mais caro que uma caixa de fósforos? Porque é preciso empregar mais trabalho à primeira mercadoria do que na segunda — desde a extração das matérias primas, transporte, fabricação e montagem das peças ao custo final, um televisor custará mais caro que o processo de produção e comercialização de uma caixa de fósforos.
Pois bem: um trabalhador, para sobreviver, necessita de dispor de meios de subsistência, em quantidade e qualidade indispensáveis para seguir vivendo como trabalhador, aquele que produz. Ele precisa repor as suas faculdades físicas e intelectuais sob determinadas condições, também indispensáveis, o que vai incluir sua família.
Portanto, já que força de trabalho é mercadoria a ser trocada por outras (gêneros de primeira necessidade, indispensáveis para a reprodução social de suas energias e as de sua família) etc., etc., é preciso estabelecer quais mercadorias (e em que quantidade) são indispensáveis a esse trabalhador e à sua família.
Esses meios de subsistência constam na aprovação do salário mínimo e nas comissões que trabalharam no conceito do salário mínimo. Eles aparecem, respectivamente, na Lei n. 185, de 14 de janeiro de 1936, e no Decreto-Lei n. 399, 30 de abril de 1938 — no primeiro governo de Vargas — instituindo as comissões de salário mínimo e estudo de métodos, critérios etc. O Artigo 2°, do Decreto-lei 185, estabelecia:
"Denomina-se salário mínimo a remuneração mínima devida a todo trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço e capaz de satisfazer, em determinada época, na região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte" (grifo da redação).
No seu Artigo 6° diz: "O salário mínimo será determinado pela fórmula Sm= a+b+c+d+e, em que a, b, c, d, e e representam, respectivamente, o valor das despesas diárias com alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte necessários à vida de um trabalhador adulto".
Para tanto, se estabeleceu uma quantidade mínima de produtos, correspondentes ao ítem alimentação, especificadas as suas quantidades e calorias, proteínas, cálcio, ferro e fósforo que, mais à frente, em 1940, representavam 40% do salário mínimo. A essa quantidade mínima e específica de produtos dava-se o nome de Cesta Básica, mais rica em calorias do que significando propriamente uma alimentação adequada.
Veja Tabela 1, original da cesta básica, publicada em AND 5 .
|
Tomando a mesma cesta básica, com preços oficiais coletados pela Fecomércio-RJ , em 28 de fevereiro de 2006 temos a Tabela 2.
|
Mesmas mentiras
Deduz-se claramente que: 1) o valor do salário mínimo (R$350,00) sequer compra uma cesta básica (R$596,59), segundo os preços coletados pela entidade patronal Federação do Comércio, em fevereiro. 2) A cesta básica, se correspondesse a 40% do mínimo, como na década de 40, exigiria um salário mínimo de R$1.491,47. Ainda assim, resulta que essa média de preços não pode ser adotada como instrumento prático por nenhuma família, muito menos proletária, uma vez que para ela é impossível comprar um quilo de carne em Caxias, um quilo de arroz na Tijuca, feijão no morro da Providência, etc.
Se a gerência FMI-PT, a exemplo de quando a direção do PT fazia oposição de discurso, preferisse o Dieese, em dezembro último, quando foi anunciado o mínimo, deveria estabelecer R$1.607,11. Porém, nem ao menos os R$380,00, propostos pelo Senado, em 2005, foram acatados na época, porque a resposta da gerência foi o mínimo estabelecido em R$300,00 e, agora, os R$350,00.
Observa-se que os salários mínimos estabelecidos pela gerência FMI-PT foram impostos através de Medidas Provisórias, em que nem mesmo o Congresso é ouvido -, embora concorde, lógico.
Os mínimos estabelecidos, sobretudo desde abril de 1964 até hoje, contrariam os princípios da economia vigente no próprio capitalismo, são inconstitucionais e, por fim, caracteristicamente fascistas.
Já na década de 30, se dizia que a fixação do salário mínimo servia como método de distribuição de renda, o que dissimulava a real natureza do salário como fruto da exploração do proletariado. O problema não está na distribuição da renda, mas na contradição entre produção social e o monopólio da apropriação privada.
Hoje, o discurso da distribuição de renda, que já era leviano, foi substituído pela "tese" de que o salário mínimo não pode comprometer a distribuição orçamentária do governo, argumento que justifica a política de arrocho salarial para gerar superávit primário (obrigação de haver mais arrecadação do que despesas no orçamento do governo para saldar compromissos à revelia do povo), cumprindo as exigências do imperialismo.
Outra observação necessária está em que, mesmo considerado o valor atual da cesta básica, calculada na tabela abaixo (R$596,59), as condições impostas de alimentação ao povo brasileiro estão muito abaixo da que vigorava em 1940. Sob o imperialismo, o desespero por aumentar a taxa de lucro faz piorar cada vez mais a qualidade das mercadorias, ao que não escapam aquelas destinadas à alimentação, implicando numa dieta alimentar miserável (fome oculta) que de fato abastece o organismo humano, porém de toda sorte de doenças. Tornam-se constantes as fraudes sobre a composição nutricional dos alimentos: leite com água, sebo de boi na margarina, agrotóxicos nos produtos vegetais — só para exemplificar.
Ainda assim, as despesas mensais dos trabalhadores foram multiplicadas na medida em que, impulsionadas pela irrefreável necessidade do imperialismo criar sempre novas exigências de consumo para remediar a crise de superprodução, surgem outros produtos "imprescindíveis" no conjunto dos elementos previstos em 1938 (alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte), impossíveis de serem atendidos nos limites da própria sociedade onde prevalece as relações de exploração e, pior, na sua fase mais decadente.
É de se considerar também que a desnacionalização dos serviços públicos essenciais — crescente desde a gerência militar, (1964 — 1988), e ininterrupta na atual gerência oportunista (1988 — 2006) — acrescentou gastos com os serviços (muitos até então gratuitos) de saúde, educação e previdência social, além dos avassaladores aumentos de tarifas públicas, tributos e serviços de uma maneira geral.
Mente e não engana
O "maior aumento do mínimo", como diz a gerência FMI-PT, é uma afirmação tão mentirosa e desavergonhada quanto a de que "desde o descobrimento do país ninguém fez mais pelo povo na Bahia do que esse governo". O maior aumento do mínimo ocorreu há mais de quarenta anos, sendo que esse, foi superior na sua própria administração, na do FMI-PSDB etc., em termos numéricos. Afinal, essa gente não tem vergonha de, sucessivamente, decretar mínimos abaixo da linha da pobreza ???
Aí está o que fizeram com o salário mínimo os maiores partidos representantes do imperialismo para as próximas eleições: FMI-PSDB (preposto Cardoso) 01/05/96, R$112,00; 01/05/97, R$120,00; 01/05/98, R$130,00; 01/05/99, R$136,00; 03/04/00, R$151,00; 01/04/01, R$180,00; 01/04/02, R$200,00.
FMI-PT (preposto Luiz Inácio): 01/04/03, R$240,00; 01/05/04, R$260,00; 01/05/05, R$300,00. Para o final de abril (programado): R$350,00.
Vale lembrar:
O tradicional aumento geral dos preços continua preenchendo o espaço entre a informação oficial da gerência petista e o dia em que começa a vigorar o novo salário.
O cartel oportunista da gerência selou compromisso com o cartel oportunista das centrais sindicais (CUT, Força Sindical etc.) — confessaram publicamente os megapelegos nessas áreas.
As classes que, de fato, dirigem o sistema de Estado e de governo não se manifestaram contrárias a um tão grande aumento.
É preciso notar que o "aumento" do salário mínimo, há muito, não é acompanhado do aumento dos demais salários. Significa que os salários, de uma maneira geral, baixam continuamente.
*Deixamos de abordar neste artigo a parte referente ao valor das mercadorias criado pelo trabalho não pago dos operários, acima do valor da sua força de trabalho, que é apropriado gratuitamente pelos grandes patrões (conhecida cientificamente por mais-valia). Esse valor é arrancado das faculdades físicas e intelectuais dos operários no processo industrial de produção. Os ideólogos fascistas (os sacerdotes da reação, do oportunismo e do revisionismo irmanados) se apressam a dizer que a classe operária não mais existe e que, portanto, não há mais exploração do homem pelo homem. Seguindo esse raciocínio, talvez nem mesmo as fábricas existam mais… 1 — Jornal Zero Hora, 02/02/2006. 2 — Karl Marx, Reprodução das Classes, 1847.