Milton Rodriguéz, membro do Grupamento Estudantil Antiimperialista — GEA, em visita ao Brasil para conhecer os movimentos populares e a experiência brasileira na luta pela terra, fala exclusivamente à AND. Esse jovem uruguaio, estudante de Ciência da Educação (equivale à Pedagogia, em nosso país) afirma que, como no Brasil, o Uruguai também enfrenta uma forte dominação imperialista nas universidades, que se aprofunda com o aparecimento do projeto de “reforma” universitária ditada pelo Fundo Monetário Internacional — FMI.
Em 1997, o Grupamento Estudantil Antiimperialista Ibero Gutiérrez nasce como uma organização democrática de estudantes universitários dentro da Faculdade de Humanidades da Universidade da República. Ibero Gutiérrez foi um mártir do movimento estudantil revolucionário do Uruguai, na década de 60. Por isso, o grupamento leva seu nome.
A Universidade da República do Uruguai é totalmente gratuita e a única universidade estatal do país. Desde 1958 há uma lei que permite à Universidade ter uma certa autonomia em relação ao Estado, em suas decisões e na eleição de autoridades através do co-governo, onde participam professores, estudantes e demais funcionários.
A Faculdade de Humanidades oferece os cursos de História, Filosofia, Letras, Antropologia e Ciência da Educação. Essa Faculdade, até 1997, era uma base importante da direção política oportunista da Federação de Estudantes Universitários do Uruguai — FEUU, entidade que congrega os estudantes universitários do país. Em 1997, o GEA foi criado em oposição a este grupamento. Os oportunistas previram que o GEA se apresentaria com uma chapa combativa nas eleições para o Congresso estudantil e então, impediram sua participação.
Apesar de não estar presente no Congresso Estudantil, o grupamento participou das eleições de co-governo. Nessas eleições, os estudantes da Faculdade de Humanidades votaram majoritariamente no GEA, o que gerou uma crise e uma mudança na direção do movimento estudantil universitário. Esta vitória foi importantíssima porque nesta faculdade o oportunismo era muito forte.
Somos democráticos
O GEA tem primeiramente um caráter democrático. No decorrer de sua construção tem tomado definições políticas populares, democráticas antiimperialistas e participou em dois acontecimentos importantes na luta universitária.
Em 2000 e 2001, participa de uma greve estudantil contra o orçamento que o Estado impunha para a universidade, reivindicando um aumento das verbas. Esta luta evoluiu para a forma de greve com a tomada do prédio da Faculdade de Humanidades que ficou sob o controle dos estudantes por 62 dias. Também foram tomados outros edifícios da universidade, simultâneos às manifestações de rua com cinco mil e dez mil estudantes. A greve resultou num aumento considerável do orçamento.
O GEA está composto majoritariamente por estudantes que afirmam ser o caminho do Uruguai o mesmo da Revolução, que não admite o movimento estudantil ficar atado ao oportunismo eleitoreiro. O grupamento tem necessariamente um profundo caráter antiimperialista e luta para que a educação universitária seja cada vez mais científica, democrática e popular. A partir destes três princípios, em 2001, ocorreu uma depuração e também uma mudança. O GEA cresce com a luta estudantil e houve outra greve, em 2002, na qual se tirou grandes lições. O GEA aprendeu que os centros e grêmios acadêmicos são espaços democráticos de luta política e ideológica.
Em 2003 e 2004, o GEA ganhou as eleições do Centro Acadêmico da Faculdade de Humanidades com representação no co-governo e na FEUU, desfechando a luta combativa contra a direção oportunista da entidade.
Essa direção oportunista é representada principalmente por dois partidos, um é o pseudo Partido Comunista do Uruguai — PCU, e outro é o chamado Movimento de Participação Popular — MPP, ligado aos partido da Frente Ampla, que governa o Uruguai hoje.
Os estudantes combativos que buscam fazer da FEUU uma entidade que sirva aos interesses do povo, têm se aproximado muito do grupamento.
Para servir ao povo
Nos anos de 2003 e 2004, o GEA apresentou seu programa, no qual defende a luta por uma universidade científica, uma universidade que não seja controlada pelos monopólios imperialistas, tampouco pela grande burguesia. A luta por uma universidade democrática e popular é resultante da perspectiva de libertação nacional revolucionária.
Na universidade de hoje, somente uma pequena parte dos filhos do povo — e, menos ainda, dos próprios trabalhadores produtivos — conseguem ingressar e permanecer estudando. O GEA pensa que o ensino deve seguir o modelo das revoluções proletárias do passado, onde todo o ensino universitário era acessível ao povo. Não é possível ter uma universidade assim sem revolução, mas pensamos que, na situação atual, é possível desenvolver uma grande luta ideológica pelo caminho da revolução, para que a universidade possa estar a serviço do povo.
A universidade ministra um ensino totalmente apartado da realidade do povo uruguaio. O imperialismo quer impor a política de que a ciência pertence aos ianques e que somente eles podem desenvolvê-la, que o resto do mundo é ignorante e que o povo nada sabe e nada pode conhecer. Muito pelo contrário, o conhecimento produzido pela prática social é um conhecimento verdadeiro e o povo, quando tomar as fábricas, os campos, as universidades e o poder para si, há de socializar todo o conhecimento.
A maioria dos estudantes que compõe o GEA são filhos de trabalhadores, e propriamente trabalhadores. O grupamento é constituído por estudantes que têm que ganhar seu pão todos os dias e alguns estudam e trabalham. Isto é muito significativo porque a organização é composta por elementos que representam a maioria dos jovens do país: os jovens proletários.
Reforma universitária
O projeto político da educação no Uruguai foi todo traçado pela reforma da educação do Banco Mundial, implementado formalmente a partir de 1995 no ensino secundarista. A partir de 1997 se inicia uma reforma universitária. Esta reforma desencadeia um grande movimento de resistência dos estudantes combativos, mas a direção majoritária da FEUU apóia tanto esta reforma quanto a do ensino secundarista. E mais, muitos intelectuais da Frente Ampla também estão apoiando esta reforma da “educação”. Atualmente, os monopólios imperialistas têm o controle do ensino e da ciência em nosso país.
Os monopólios cooptam os professores e muitos acadêmicos que, depois, defendem a reforma universitária.
O que quer esta reforma? Quer formar os estudantes sem um currículo específico que possa ser usado em benefício da nação. Esta reforma universitária prega ciclos iniciais de dois anos, ciclos básicos sem nenhuma especificidade, o mesmo para qualquer estudante, independente da profissão que ele quer seguir.
Além disso, tem o problema de que no Uruguai a produção de conhecimento está atada a uma economia dependente, uma economia capitalista com desenvolvimento desigual nas várias partes do país, porque em várias regiões predomina o latifúndio. E assim mesmo, por ser a única universidade pública do país, tem produzido quase todo o conhecimento científico nacional: cerca de 80%. Os outros 20% estão concentrados nos laboratórios privados . Mas a pergunta é até onde vai a produção científica do país? O GEA acredita que a produção científica tem que estar voltada para os interesses do povo, para a investigação da cura das doenças que proliferam nas favelas, para a investigação da melhoria do plantio entre os camponeses pobres, para combater a fome, etc.
Dominação imperialista
Os tratados imperialistas são um grande problema para um país pequeno como o Uruguai. Em 1990, com a entrada no Mercosul, ingressam no Uruguai monopólios de várias áreas, principalmente europeus. Eles se aproveitam de nossa riqueza, do trabalho do nosso povo, condenando o Uruguai a uma profunda desindustrialização e a uma grande exploração do proletariado.
Não é possível para o Uruguai ter uma capacidade industrial, ser um país produtivo, sendo monocultor e comprador de produtos industrializados. Estão querendo converter o Uruguai em uma espécie de paraíso fiscal, com algumas atividades vinculadas aos bancos e também como um porto da região para transações financeiras. Isto faz com que grandes fortunas venham se acumulando no país. Em 2002 ocorreu uma grande crise bancária e financeira no Uruguai que acabou com a metade dos fundos acumulados. De 14 bilhões de dólares, que havia nos bancos do Uruguai, ficaram somente cerca de 1 bilhão.
Todas essas manobras imperialistas na política econômica do Uruguai têm a interferência, nos últimos anos, única do USA. Com a crise econômica em 2002, a dívida externa do Uruguai praticamente duplica. Diante disso, o comércio exterior sofre danos importantes, transformando o USA no principal comprador das exportações uruguaias, com 80 %. Antes da crise econômica, o grande comprador era a Europa. Agora a Europa tem menos de 10% das exportações.
O mesmo entreguismo
Com o governo Tabaré Vázquez inicia-se um domínio maior do imperialismo ianque. Ocorre que a organização Frente Ampla, que se chama Esquerda pela Grande Esperança, pregava que o Uruguai iria mudar ao nível de Lula, Kirschner, ao nível de toda a América Latina. O problema é que esta “esquerda”não tem promovido nenhuma mudança.
Tabaré Vázquez, já na primeira semana de seu governo assinou um tratado com o FMI, concordando que o país vai pagar todas as dívidas, todos os compromissos firmados pelas gerências anteriores e que, por sua vez, vão organizar a economia do país para assegurar um superávit primário de quase 4%.
Em novembro de 2005, em meio à Cúpula de Mar del Plata, Vázquez firmou um tratado com o USA beneficiando os monopólios ianques, colocando o país sob a mesma legislação do USA. Esta legislação diz que, se há uma greve nas empresas ianques, o Estado uruguaio deve responder por essa greve. Esse tratado é tremendamente imperialista e se soma a outras ações pró-imperialistas que esse governo oportunista realizou no ano de 2005. Ele impede o comércio do Uruguai com outros países, colocando um cerco à economia. Tais ações são: o envio de tropas ao Haiti; a realização de manobras militares em conjunto com o USA no oceano Atlântico Sul; o pronunciamento de Tabaré Vázquez na Conferência das Nações Unidas contra a resistência antiimperialista dos povos; apoio às manobras políticas de Uribe — por ocasião da visita oficial que Tabaré Vázquez realizou à Colômbia, dentre outras.
Em se tratando do Fundo Monetário Internacional, o país nunca destinou tanto dinheiro ao pagamento de dívidas. Esse governo dizia que ia fazer um governo do povo, do trabalhador, e se revela profundamente imperialista, e pró-ianque. Agora está discutindo um tratado de livre comércio entre Uruguai e USA, por fora do Mercosul.
Movimento feminino
No Uruguai, as mulheres são a maioria dos estudantes universitários nas cidades. São as que mais ingressam no ensino superior e as que mais se formam. Mas quanto mais importante o cargo na universidade, menor o número de mulheres.
O movimento estudantil enfrenta as mesmas dificuldades que as demais organizações no que concerne à participação e projeção de lideranças femininas. Percebe-se que a maioria das lideranças são homens, e o GEA acredita que as mulheres também podem e devem ser lideranças, participar em todas as etapas e em todos os níveis das lutas populares.
O Brasil — no que diz respeito às organizações consequentes — está bastante adiantado em relação a isto, mais que o Uruguai. Hoje, pode-se ver mulheres que são lideranças camponesas, estudantis e operárias muito importantes. O GEA acredita que a experiência brasileira deve ser observada muito bem.
No último ano, no Uruguai, o movimento de mulheres combativas recebeu uma grande quantidade de mulheres do povo. Este movimento tratou de potencializar a participação, a politização e a combatividade destas mulheres e, hoje, já se podem ver os resultados: muitas mulheres surgindo como líderes combativas, disciplinadas e consequentes.
Revolução agrária
Na perspectiva da Revolução Agrária pensamos que é fundamental que tanto os camponeses estejam na universidade quanto os estudantes no campo. O GEA está construindo uma relação de apoio com os movimentos de luta no campo do Uruguai, está apoiando política e materialmente.
Em 13 de janeiro de 2006, os camponeses pobres do Uruguai realizaram, pela primeira vez, uma ocupação de terras, um marco na luta no Uruguai. As terras ocupadas são terras devolutas, ou seja, pertencem ao Estado. O governo de Tabaré Vázquez havia prometido terras aos camponeses pobres e diante do não cumprimento, eles, a exemplo do que ocorre no Brasil com as Ligas de Camponeses Pobres e outras organizações independentes, começam a expropriar as terras dos latifundiários.