O perigo de ter reservas em dólar

O perigo de ter reservas em dólar

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Além de a receita oficial da exportação do nióbio ser inferior a 0,02% do que deveria ser, o próprio dólar não representa, nem de longe, uma reserva de valor que possa ser mantida em nível próximo de seu presente valor de troca em relação a qualquer bem ou matéria-prima.

A tendência declinante do dólar pode ser ilustrada por sua atual cotação em termos do ouro, a saber, mais de US$ 500,00 a onça. Ou seja: o dólar vale hoje em ouro a metade do que valia em 2001. O que segue leva a crer que essa queda deverá se acentuar, desde que a lógica econômica venha a prevalecer sobre pressões político-militares. De fato, o dólar está supervalorizado em relação a várias moedas, como o iene e o renmimbi chinês, neste caso em mais de 40%.

O presidente do Instituto de Estratégia Econômica de Washington, Clyde Prestowitz, ex-conselheiro do presidente Reagan, é um dos que adverte quanto a um pânico financeiro mundial que poderia ser deflagrado pela repentina venda maciça de dólares. Segundo sua entrevista ao jornal The Australian , de 29 de agosto de 2005: “se isso acontecer, fará a Grande Depressão dos anos 30 parecer um piquenique.”

Diante dessa eventualidade, Warren Buffett e George Soros, dois dos maiores donos e gestores de ativos financeiros do mundo, estão, há tempos, convertendo parte deles em aplicações relativamente seguras, como ativos reais. Prestowitz lembra que os bancos centrais estão abarrotados de dólares, especialmente os asiáticos, e só os mantêm, porque não há grandes alternativas e porque a economia global depende do consumo nos EUA.

Ele citou o caso de um funcionário de nível médio do Banco Central da Coréia, o qual, durante um almoço, falou em ‘diversificação’. Só isso fez a Bolsa nos EUA cair 100 pontos em 15 minutos.

Sustos como esse têm sido contidos por pressões políticas dos EUA, e, ademais, os detentores de grandes reservas em dólares temem perder quantias fabulosas com um movimento incontrolável no mercado de câmbio. Mas a ameaça persiste: se algum desses detentores decidir, finalmente, que é melhor se desfazer de vultosas quantidades de dólares, antes que o prejuízo seja irreparável, nenhum dos demais vai querer ser o último a abandonar essa moeda, pois terá perdido quase tudo.

O processo poderia ser deflagrado até por um erro de cálculo de um fundo de hedge *. Diz Prestowitz: “Existem atualmente oito mil fundos de hedge apenas nos EUA.” A cada dia, 6 trilhões de dólares de derivativos são transacionados nos mercados mundiais .

A dívida externa federal dos EUA, ao final do exercício fiscal de 2005 (setembro), era US$ 7,9 trilhões, e continua crescendo. Ela já aumentou US$ 1,7 trilhão nos últimos três anos. A dívida total estadunidense, incluindo empresas e pessoas físicas, ultrapassa U$ 40 trilhões.

O volume de dólares em bancos estrangeiros e/ou circulando no mercado mundial supera US$ 44 trilhões, isto é, quase quatro vezes o PIB dos EUA, país no qual a riqueza de todas as famílias totaliza US$ 39 trilhões.

Tudo isso é acompanhado da expansão desenfreada dos mercados financeiros mundiais. O Banco de Compensações Internacionais (BIS) estima os derivativos negociados em Bolsas em 280 trilhões de dólares, e os derivativos transacionados “fora-de-balcão” em 220 trilhões de dólares. São US$ 500 trilhões no total, a maior parte denominada em dólares.

Se os titulares estrangeiros desses haveres resolverem retirar uma pequena parte deles dos EUA e do dólar, será detonada uma inflação galopante dessa moeda, acrescida de adicionais emissões dessa mesma moeda na tentativa de conter um turbilhão depres sivo nos ativos financeiros.

Note-se que o Federal Reserve, controlado por grandes bancos privados, a autoridade monetária dos EUA, vem fazendo isso há anos, tendo conseguido postergar o desenlace. Mas essa fuga só tem sido contida em parte e em função das fortes pressões políticas sobre governos com grandes reservas em dólares, como Japão, China, Taiwan, Hong Kong, Cingapura e Coréia do Sul. Esses países, juntos, concentram reservas de 1,5 trilhão de dólares e, por isso, temem sofrer imensos prejuízos com a desvalorização dessa moeda.

Em tal situação, os dirigentes da oligarquia mundial vêm adquirindo ativos reais, inclusive terras, ademais de ouro e outros metais preciosos, o que explica sua valorização nos últimos três anos, bem como as crescentes importações de matérias-primas estratégicas.

Essa é a conjuntura que dizem ser favorável aos países exportadores de matérias-primas e que lhes propiciou expressivos crescimentos do PIB, menos no caso do Brasil, paradoxalmente o país mais rico do mundo em recursos naturais. Imagine-se o que seriam as exportações e o crescimento econômico do Brasil, se elas fossem adequadamente valorizadas. Mas isso só é possível com um modelo econômico autônomo e apreciável desenvolvimento industrial e tecnológico.


*Hedge quer dizer cerca em inglês. Muro, no figurado. No mercado financeiro, designa aplicar numa alternativa de investimento para compensar o risco relacionado com outra operação que está sendo (ou foi) realizada. As operações, no caso, são opostas (compra e venda, a diferentes termos, do mesmo ativo) ou alternativas, i.e., referentes a ativos concorrentes entre si.
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