Independentemente das manobras eleitoreiras sob a forma de "ocupações de advertência" ou "como forma de pressão" para a liberação de créditos e desapropriações, as massas camponesas, apesar de anos de direção oportunista, não cessam sua luta. O Pontal do Paranapanema é um terreno onde se confrontam, permanentemente, a grilagem do latifúndio secular e a resistência indômita das massas.
Uma breve retrospectiva histórica*
"Grande parte das terras do Pontal do Paranapanema começou a ser grilada desde a segunda metade do século XIX, com a formação do grilo fazenda Pirapó-Santo Anastácio, com área de 238 mil alqueires. Até a década de 90, com exceção das lutas de resistência de posseiros e de movimentos sociais isolados, os grileiros não encontraram maiores problemas no processo político de assenhoreamento das terras devolutas do Pontal.
(…) Na década de 40, foram criadas três reservas florestais. (…) Todavia, tais iniciativas não foram suficientes para evitar a voracidade dos grileiros, que praticamente destruíram a Grande Reserva do Pontal. Essa realidade começou a mudar, de fato, com as ocupações de terras. (…) No período 1990-2000, (…) milhares de famílias organizadas no MST realizaram centenas de ocupações de terras no Pontal.
(…) Durante um século, os latifundiários mantiveram as terras devolutas sob seus jugos, grilando quase um milhão de hectares. De 1990 a 2000 os sem-terra executaram 335 ocupações, conquistando quase cem mil hectares, desentranhando um dos grilos mais famosos do estado de São Paulo. Esse longo e amplo processo de grilagem terminou com o confronto entre latifundiários e sem-terra, que na década de 90 transformou o Pontal em uma das regiões com o maior número de conflitos por terra do Brasil".
‘Carnaval Vermelho’
A disposição de luta das massas é inabalável. Tomada a decisão de ocupar a terra, as famílias vão, enfrentam, resistem e, na maioria absoluta das vezes, são frustradas por uma direção oportunista que faz acordos e negociatas de todo tipo à revelia dos seus anseios, mesmo que custe seu sangue e a segurança de suas famílias.
Mas o fato é que o ‘Carnaval Vermelho’ convocado no Pontal do Paranapanema, cuja liderança e "culpa" foi atribuída a José Rainha Júnior, culminou em 24 tomadas de latifúndios no Pontal. Em vários casos, como no latifúndio Balneário, na madrugada de domingo, 1º de março, em Paraguaçu Paulista, as famílias foram cercadas por viaturas da Polícia Militar que bloquearam o acesso à área impedindo a chegada de mais famílias, mas a persistência dos camponeses furou o cerco e efetuou a tomada.
E mais uma vez as massas camponesas foram traídas pela política de ocupar apenas com o fim de negociar e não de conquistar a terra. Mesmo antes de se consolidarem os acampamentos, a direção do "Carnaval" já havia anunciado a decisão de desocupar as áreas "como um gesto de boa vontade" para com o gerente de turno José Serra.
A boa vontade do velho Estado semifeudal veio a galope com a declaração do Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, Luiz Antonio Marrey, que decidiu suspender o diálogo com a direção das áreas tomadas e cancelou uma reunião que teria na quinta-feira, 26 de fevereiro, com José Rainha Júnior e representantes de outras organizações.
MST rifa a cabeça de José Rainha
Sem perda de tempo, a direção estadual do MST em São Paulo declarou aos quatro ventos, no 25 de fevereiro, em plena "quarta feira de cinzas vermelha", que aquelas tomadas nada tinham a ver com o seu movimento e, de lambuja, deram sua cota de carne aos leões:
"Como já é de conhecimento público, José Rainha Júnior não compõe nenhuma instância organizativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e, portanto, não está autorizado a falar e agir em nome dessa Organização". Na clara tentativa de isolar e ‘queimar’ a liderança ‘dissidente’, fizeram questão de deixar, e muito bem claro, que nada tinham a ver com aquelas tomadas de terra. Assim concluíram que "a reunião com o secretário de Justiça de São Paulo agendada para hoje, e divulgada pela imprensa, não era com a direção estadual do MST, portanto, não temos nada a declarar sobre esse assunto. Assinado: Direção Estadual do MST-SP".
O Pontal se faz lembrar mais uma vez. Novamente as massas camponesas são rifadas pelas direções oportunistas. Muito em breve esses homens e mulheres encontrarão uma organização que realize seu intento de conquistar a terra e destruir o latifúndio, e o caminho certamente se tornará mais claro após mais esse amargo ensinamento.
*Trecho extraído do trabalho Luta pela terra e desenvolvimento rural no Pontal do Paranapanema (SP) do geógrafo e professor dos cursos de graduação e de pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente, e coordenador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA), Bernardo Mançano Fernandes; e da geógrafa pós-graduada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente-SP, Cristiane Barbosa Ramalho. 2001.