O povo aprende a governar

No Brasil imenso, cruzar os seus vastos sertões é topar com a miséria e injustiça do Brasil real que as vitrines das capitais escondem, das quais suas favelas e periferias são pequenas amostras.
Acampamento Tiago dos Santos (RO). Foto: Reprodução
Acampamento Tiago dos Santos (RO). Foto: Reprodução
Acampamento Tiago dos Santos (RO). Foto: Reprodução

O povo aprende a governar

No Brasil imenso, cruzar os seus vastos sertões é topar com a miséria e injustiça do Brasil real que as vitrines das capitais escondem, das quais suas favelas e periferias são pequenas amostras.

No Brasil imenso, cruzar os seus vastos sertões é topar com a miséria e injustiça do Brasil real que as vitrines das capitais escondem, das quais suas favelas e periferias são pequenas amostras. Ao contrário do que diz a Globo que o “agro é pop”, no campo brasileiro persistem, ao lado das máquinas importadas, as relações de servidão; o desmando impune dos coronéis (os latifundiários), que se faz cumprir à bala se é contestado; a monocultura para exportação, que transforma mesmo as terras mais férteis em desolados desertos verdes de soja, cana e eucalipto.


Contudo, sob as barbas do latifúndio secular e em luta de vida e morte contra ele, cresce a grande revolução dos camponeses.


No acampamento, as bandeiras vermelhas tremulam ao vento. No barracão da fazenda tomada, a Assembleia Popular dos posseiros é quem agora manda, discutindo os rumos da sua organização e luta. Crianças da Escola abrem os trabalhos, com o canto em coro da “Internacional”, para assombro dos adultos, que na meninice nunca tiveram escola que ensinasse esse canto, nem política e nem as coisas mais simples, como ler e calcular para transformar o País e o mundo.


Após a salva de rojões, a definição das Responsabilidades e a votação da Pauta, passa-se à ordem do dia. As questões são muitas: como resolver o problema da produção? A alfabetização dos que não leem? A construção daquela ponte? O acesso à saúde?


Uma mulher com as mãos calejadas, o rosto sulcado de passadas fadigas, pede a palavra. Pioneira no acampamento, fala com a autoridade do Movimento Feminino. A mesa concede-lhe: – “Pode falar, dona Zelita”:


– Como nois divide os lotes? – Ela começa, com voz rija. – Vocês sabem, o Comitê de Defesa da Revolução Agrária já cubou a área, propôs os mapas, já discutimos e votamos. A Assembleia deliberou de acordo com a vontade da maioria e, de acordo com a maioria, cumpriu. Como é o nome disso?


Um silêncio curioso se sucede à pergunta. Ao fundo, um homem de bigodes grossos fala, tímido como um garoto:


– Centralismo democrático.


A dona Zelita sorri satisfeita, mas se faz de desentendida:


– Fala mais alto, Zé Reinaldo. Ninguém te ouviu direito.


–Centralismo Democrático!


Ao lado do homem, uma jovem ri, e fala:


– Que complicação! O nome é mais simples: trabalho coletivo.


A oradora esclarece, por fim:


– Oxe!, as duas coisas são o mesmo! Significa que, aqui, a vontade do povo é quem manda. Do mesmo jeito como resolvemos a questão dos lotes, vamos resolvê-los todas as outras!


A assistência da Assembleia Popular cochicha. Como se diz, não adianta só reclamar dos problemas, é preciso arregaçar as mangas e resolver. Para cada setor do acampamento – saúde, produção, educação, segurança – nomeia-se uma comissão encarregada de apresentar um Plano. No começo, os presentes ficam tímidos, mas, depois, se inscrevem nas comissões, cujo trabalho começa desde já.


Qual a sede deste governo?


Toda a área tomada.


Qual o seu orçamento?


O pão que se ganha com o suor do próprio rosto.


Qual o seu lema?


Um por todos, todos por um.


Ao término da Assembleia, o grito ecoa, uníssono, ao longe:


“Conquistar a terra, destruir o latifúndio!”.


*Baseado em diversas experiências e depoimentos reais.

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