Minas, Norte de Minas. A construção de uma ponte entre as localidades Para Terra I e Nossa Senhora Aparecida, localizadas na divisa entre municípios de São João da Ponte e Varzelândia, movimenta doze áreas de camponeses pobres. A idéia, nascida de uma conversa entre dirigentes da Liga dos Camponeses Pobres – LCP e o “Velho Gaspar”, um senhor que, no auge dos seus 78 anos, transborda vigor e entusiasmo durante os trabalhos, se transformou num significativo marco de decisão, de construção coletiva e de governabilidade das massas trabalhadoras.
Desenho da ponte feito pelos operários da costrução civil de Belo Horizonte
Parece que as coisas começaram quando de uma conversa entre o velho Gaspar — antigo posseiro da região, conhecedor de tudo e de todos por ali, também uma autoridade do povo — e os dirigentes locais da Liga dos Camponeses Pobres. Durante a gerência militar, o senhor Gaspar havia perdido parte das suas terras. Reconquistou-as com o apoio da Liga. De lá para cá, tornaram-se grandes aliados.
O problema se arrastava há vários anos, com o ribeirão Arapuim, afluente do rio Verde Grande, a separar as duas localidades. Sobre ele, apenas uma traiçoeira pinguela, feita de cordas e tábuas, servia de ligação entre as margens.
— O ribeirão permanece seco durante meses, mas na época das águas sua correnteza arrasta árvores, animais e até pessoas. Há história de crianças que morreram levadas pelas águas. Um verdadeiro risco atravessar aquele trecho de quase dez metros que separa as localidades Para Terra I e Nossa Senhora Aparecida — informou José Luiz, operário da construção civil, um dos coordenadores dos trabalhos de construção da ponte.
Os moradores da região sempre reclamaram da falta de uma ponte ligando as duas áreas. As crianças corriam os riscos dessa travessia todos os dias, para ir à escola. Além disso, a dificuldade para escoar a produção tornava desesperadora esta demanda para toda a região. Mas as prefeituras de Varzelândia e São João da Ponte nunca apresentaram solução para o problema. Nada realizado, sequer realizável. O assunto da ponte ressurgia sempre, nos anos eleitorais. Tergiversavam, prometiam e prometiam.
— Toda véspera de eleição, a mesma coisa. Os candidatos, para aumentar ainda mais a expectativa do povo quanto às suas promessas, chegavam a mandar depositar pedras perto do local onde hoje estamos trabalhando — denunciou José Luiz.
O senhor Gaspar comentou o fato com a Liga dos Camponeses Pobres. A liderança consultou os camponeses sobre a possibilidade de eles mesmos erguerem a ponte — um trabalho sequer imaginado pelos lavradores da região, para os quais a solução do problema demoraria muitos anos ainda. Mas a Liga dos Camponeses Pobres, após ter discutido o problema com os moradores das áreas vizinhas, dirigiu-se aos operários do Sindicato da Construção Civil de Belo Horizonte e Região. Pediu-lhes a elaboração de um projeto. Um grupo de operários sensibilizados com os seus irmãos camponeses deslocou-se imediatamente para o norte de Minas, examinou atentamente o trecho do ribeirão e, mais uma vez, pôs em prática seus estudos de edificação promovidos pelo sindicato. O projeto foi presenteado aos camponeses.
Súbito, toda a região — Quilombolas, Araruba, Para Terra I, Nossa Senhora Aparecida, Conquista da Unidade, Brilho do Sol, Boa Vista, Modelo, Furado Seco, São Vicente, Orion e Limeira — se mobilizou. Espalhou-se rápido a notícia de que os camaradas operários tinham feito um projeto para que os camponeses pudessem lançar uma ponte sobre o rio. Corria ainda a informação de que os operários ajudariam e ensinariam os camponeses a forma de construir a ponte. Havia também um plano da mais alta confiança. Coisa da Liga. Nada de governo, de prefeitura ou de movimento dirigido pelos oportunistas.
A autoridade das massas
No dia 22 de julho, a Liga convocou uma grande reunião. O plano foi revelado. Ao saber da mobilização do povo, os prefeitos de São João da Ponte e Varzelândia rapidamente se mobilizaram com o intuito de esfriar os ânimos e manter os discursos de promessas vazias.
Pinguela oferecida pelo Estado
Durante a reunião, os camponeses foram taxativos, ressaltando a necessidade e a importância da construção da ponte. Os prefeitos prontamente se manifestaram. Tradicionalmente reticentes, prometeram construí-la. Mas… “não sabiam quando poderiam iniciar as obras”. Talvez, dentro de um mês, ou dentro de 5 anos; quem sabe?
E se havia um plano, os camponeses decidiram:
— Pois então, se as prefeituras não fazem, faremos nós! — recordou, animado, o operário Joaquim Pereira. Apresentada a decisão, as palmas estouraram na assembléia.
Pressionados e vendo frustrada sua tentativa de prosseguir postergando a obra, os prefeitos viram-se impotentes para interferir na decisão dos camponeses. Tiveram que ceder o cimento, as ferragens e a brita.
Antigo ajuste
A Assembléia Popular serviu também para o ajuste de uma conta antiga dos camponeses da área Para Terra I. O projeto Para Terra foi implementado em Varzelândia no final dos anos 90, na tentativa de frear o crescente número de tomadas de terra na região. O projeto é uma das derivações da política agrária do governo, sem a interferência do INCRA, mas através da atuação direta do Banco da Terra.
— Após a primeira experiência de tomada de terras coordenada pela Liga dos Camponeses Pobres, um forte aparato de repressão foi montado. Lideranças foram perseguidas e a área desocupada. Em seguida, veio o Para Terra, que assentou e deu casas para algumas famílias. Na época, a Liga alertou e denunciou a política de reforma agrária do governo, a ação nefasta do Banco da Terra, o caminho inevitável do endividamento e a miséria. Muitos, iludidos pelas promessas de terra fácil, resolveram arriscar — contou Pedrão.
Após a Assembléia, todos prontos para o trabalho. Quatro dirigentes do Para Terra I procuraram a coordenação da Liga.
— Fomos enganados, prometeram a terra e apoio, nos deram uma casinha, agora estamos nesta situação miserável. Vamos trabalhar juntos e construir a ponte — disse um camponês que se adiantou dos demais.
Forças fundamentais
No entanto, a tática comum adotada pelos trabalhadores da construção civil de Belo Horizonte e os camponeses do norte de Minas Gerais, particularmente nas áreas onde atua a Liga dos Camponeses Pobres, vem de longa data. Os operários haviam participado de diversos congressos e seminários da Liga e há alguns anos elaboraram projetos semelhantes, como a construção de casas na mesma Varzelândia.
Camponeses comemoram a finalização do enchimento dos dois pilares principais
— Mas, desta vez, tanto nós como os companheiros das áreas percebemos se tratar de algo maior. A ponte não servirá somente para uma área ou uma família. Esta obra servirá para todo o povo da região. É uma reivindicação antiga e, com a Liga dos Camponeses Pobres e o apoio do sindicato operário, com o trabalho e colaboração de todos, estamos provando que o povo deve acreditar na força da sua organização, que é capaz de tudo — explica José Luiz.
Os operários entraram com o projeto e as instruções para armação das ferragens, mistura do concreto, medidas e toda coordenação técnica dos trabalhos. Para isso, foram destacados pedreiros, marceneiros, armadores, mestres de obras que durante a edificação da ponte estão vivendo e trabalhando com os camponeses.
Com o auxílio da Liga e dos operários, os moradores das áreas buscaram entre a população ferramentas e alimentos suficientes. Os pequenos comerciantes, confiantes no projeto — por se tratar de trabalhadores de fato e porque também muito os beneficiariam —, doaram materiais de construção e forneceram recursos diversos para o apoio logístico.
A divisão dos trabalhos se fez rápida, na medida em que as necessidades apontavam as etapas da obra. As frentes da produção deparavam-se com as comissões de finanças, de segurança e higiene do trabalho, de alimentação, limpeza e conservação, ou com a de cobrança nos órgãos públicos. Não levou mais que dois dias para que toda a região fosse mobilizada.
— Na manhã do dia 24 de julho, uma reunião geral explicava todos os procedimentos para as etapas da obra. Sucediam-se as perguntas, trocas de opiniões e os mais experientes a todos esclareciam. Eram trabalhadores que decidiam como seria erguida a ponte, quais dificuldades teriam para construí-la. Naquele momento, a todos era conferido o mandato de trabalhadores e autoridades — explicava José Luiz.
Os destacamentos, foi decidido, se articulariam num sistema de rodízio. Enquanto uma unidade trabalhava com o concreto, outra armava as ferragens. Uma brigada de mulheres organizou a cozinha que passou a funcionar em um prédio próximo à obra.
— São 80 companheiras, divididas em grupos que se revezam para garantir o fornecimento do café e do almoço. A cada dia um desses grupos atende à escala. Mas elas não querem simplesmente cozinhar. Insistem em trabalhar efetivamente na obra. Além do mais, a presença das mulheres vem sendo cada vez mais decisiva na construção da ponte. A Liga dos Camponeses e o Movimento Feminino Popular estão discutindo uma forma de realizarmos um dia de aprendizagem das mulheres, para que elas possam fazer o concreto, as armações e desempenhar todas as funções do canteiro de obras, sem que haja interrupções da obra. Muitas companheiras compõem a coordenação das áreas e participam diretamente nas decisões da Liga. Como elas reivindicam, deve ser dado o direito de também decidir e trabalhar na ponte — destacou Pedrão.
A reunião geral culminou com os trabalhadores entoando o hino Conquistar a Terra, cujas estrofes traduzem todo o espírito da causa, plena de realizações coletivas:
(…) Quem gosta de nós somos nós,
e aqueles que vêm nos ajudar,
por isso confia em quem luta,
a história não falha, nós vamos ganhar!
Os que administram
— Das marcações para a escavação dos tubulões à conclusão da estrutura, cerca de 300 pessoas estavam diretamente envolvidas nas obras — calculou Joaquim apontando nas fotos o desenvolvimento da construção.
Camponeses preparam o cimento
A cada explicação de Joaquim fatos surpreendentes se revelam. Normalmente não se empregam tantas pessoas para uma obra daquele vulto. Mas o fato é que todos exerciam outras atividades para manterem suas famílias. Portanto, após (ou antes) de se dedicarem ao trabalho de onde tiravam o seu sustento aqueles trabalhadores colaboravam na construção, revezando-se em turnos. E ainda, em nenhum momento a obra teve o ritmo diminuído ou foi interrompida em razão do revezamento. Há mais: não se registrou um único acidente de trabalho, desde o início da obra.
Outra: havia mestres de obras, operários experientes, que trabalhavam e ensinavam os demais, sem preocupação de concorrência. Porém, nenhum capataz. Tudo isso representa vários ganhos técnicos. Mesmo assim, mais do que ganhos técnicos, ficou demonstrada que as relações de colaboração são superiores à maneira de produzir sob o regime de exploração do homem pelo homem. A prática das massas revelou como as forças produtivas tendem a se libertar imediatamente quando o processo de colaboração entra em cena. Aí é possível realizar o princípio de que devem administrar os que de fato trabalham.
A ponte foi tomando forma. Ainda em outubro, dizia o senhor Joaquim:
— A face da ponte voltada para a cidade de Varzelândia já está pronta, enquanto há comissões empenhadas em conquistar o material necessário para concluir a outra extremidade. Aí sim, ela começará a ficar com “cara de ponte”, mas basicamente toda a estrutura está montada.
Cerca de 10 metros de comprimento e erguida a 4 metros de altura do leito do ribeirão, a pequena ponte de alvenaria, capaz de suportar caminhões de carga idênticos aos que circulam pelas rodovias do país (carretas com carga totalizando 40 a 50 toneladas), se eleva sobre o limite dos dois municípios. O projeto, as definições das etapas e demais orientações para a edificação, desde a escavação, tudo é revisto em reuniões de planejamento antes do início dos trabalhos e avaliados no fim de cada empreitada.
O dia a dia no canteiro de obras é puxado. Inicia bem cedo e não há trégua, mesmo sob o sol escaldante. Não há deserção, mas elevado espírito de coletividade e companheirismo. Em geral, as equipes, todas voluntárias, excedem em trabalho ao que foi estabelecido para todos.
O operário Joaquim Pereira descreve:
— O trabalho pesado não quebra o nosso ânimo. Nem o dos operários, nem dos camponeses. Vez ou outra o senhor Gaspar inspeciona o trabalho, entre um e outro caso engraçado que não deixa de contar. Cisma até de pegar no batente, mas a gente não deixa o pesado para ele. A juventude é a força principal do nosso trabalho. São os jovens que ditam o ritmo das obras.
Não se deixa enganar
O trabalho marchava de vento em popa quando, de repente — apesar das informações precisas sobre o estoque — o cimento terminou antes da reposição prometida à obra. A paralização, sem dúvida, visava desmoralizar o movimento. Mas o que é isso? O que fazer?
Estudantes de São João da Ponte e professoras em visita à obra
Uma assembléia de emergência, uma comissão para exigir o que a prefeitura prometeu. Decidido: trazer o material, porque nada há que esperar. Inadmissível interromper a obra. Com quem os burocratas e vigaristas políticos pensam que estão tratando?
Uma dezena de pessoas se pôs em marcha para a prefeitura. A administração municipal protelou, mas a missão de não voltar sem o cimento seria cumprida pelos camaradas, de muito bom grado. Aliás, eles sabiam como fazer isso.
— As ponderações dos burocratas, sempre dispostos a sabotar acordos, foram respondidas com as ordens do povo. Logo chegou à obra um caminhão abarrotado de cimento. Nosso ânimo fez redobrar os trabalhos — descreveu Joaquim Pereira.
Simultaneamente ao desenrolar dos trabalhos da ponte, acontecimentos de grande impacto tiveram lugar em algumas áreas, com conquistas de considerável envergadura. A área Orion é uma das 12 que trabalha na ponte. Lá, a exemplo de várias outras localidades do norte de Minas, não existia rede de água para a população. A prefeitura de Varzelândia havia prometido a instalação da rede e todos esperavam até o limite da paciência.
Com a parte hidráulica a ação foi semelhante. As famílias da localidade se dirigiram à prefeitura exigindo a imediata instalação da rede. Movimentando-se já não estavam apenas as famílias de Orion, mas agora as de 12 áreas que conviviam juntas num projeto muito significativo. Têm todas a mesma causa, bem mais do que a construção de uma ponte. São a mesma gente, não apenas trabalhadores oprimidos. Resolveram se manter unidos por uma razão bem acima das suas desditas.
— Os camponeses cobraram, a prefeitura não cumpriu com a palavra empenhada. Então não restava mais nada senão tomar a obra em suas mãos também. Responderam ao prefeito: “Se vocês não fazem, a Liga faz” — narrou Joaquim Pereira.
E realmente fez. Os camponeses armaram toda a instalação da rede hidráulica na área Orion.
— Serviu de exemplo para todos da região. Nesta época de eleições, quando os políticos prometem mundos e fundos para nada cumprirem, o povo demonstrou que é capaz de realizar qualquer obra. Essa iniciativa serviu para dissipar as últimas ilusões de que as mudanças na vida do povo virão pela orientação dos “políticos” — ressaltou José Luiz.
Tamanha foi a força desse exemplo, que os camponeses da área Boa Vista, tal como os seus companheiros de Orion, trouxeram um caminhão de tubos para a instalação da rede hidráulica e em breve terão também água encanada.
Trabalho livre
Foi assim que Pedrão, coordenador da Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas, classificou o significado do trabalho na ponte:
— A ponte é o grande desafio para todos os camponeses; um salto. É a continuidade do trabalho iniciado com a expulsão dos latifundiários, desses ladrões de terra e do trabalho alheio. O povo está decidindo como irá construir uma nova economia, uma nova política; a democracia das massas trabalhadoras, sua nova vida — destacou o dirigente camponês.
Esta nova vida que surge nas áreas camponesas no Norte de Minas floresce sob a forma de trabalho sem patrão. Um trabalho feito pelas massas organizadas, onde todos decidem, operam e executam; traçam normas e as instituem. Os camponeses elevam sua consciência, aprendem e ensinam que os seus interesses individuais não são nada e de nada valem o seu lote e sua luta individual, sem a unidade da classe dos camponeses pobres. Foi dessa maneira que os camponeses desenvolveram o princípio superior do trabalho, aquele que combina o trabalho coletivo com o individual.
— Salta aos olhos como todos produzem muito mais quando não há um patrão, aquele sujeito que se apropria da parte do trabalho dos outros. Como tudo é diferente quando todos trabalham para todos! — destacou José Luiz.
Ao seu comentário entusiasmado e transbordante de orgulho, ele acrescentou um relato:
— As pedras que utilizamos na construção permaneciam empilhadas próximo ao local da obra, há mais de quatro anos. Foram colocadas lá, numa dessas vezes que a prefeitura prometeu construir a ponte e não cumpriu. Quando o estoque de pedras acabou e precisamos de mais, partimos para uma serra próxima. De lá arrancamos pedras que vieram em seis caminhões. Aí estão as pedras! Em que outra obra se vê uma coisa dessas?
E concluiu:
— Essa ponte construída pelos camponeses é de primeira qualidade. Tem capacidade para suportar entre 40 e 50 toneladas e, até agora, não foi utilizada nenhuma máquina na construção. Tudo foi feito manualmente. Mas o povo vai ter máquinas também e construirá obras maiores ainda. É questão de tempo…
A ponte é do povo
O maior impedimento para o desenvolvimento do campo em nosso país é a existência do latifúndio secular que oprime e explora as massas camponesas. Quando a Liga iniciou seu trabalho no município de São João da Ponte, em 1998, não se podia imaginar a possibilidade da construção de uma obra nessas dimensões de volume e técnica.
— A construção de uma ponte por uma empresa de engenharia, de porte grande ou mesmo média, pode resultar num trabalho simples e rápido. Mas para estas 12 áreas de camponeses livres e, para o povo da região, em geral, a ponte é o maior acontecimento dos últimos tempos. Desde o projeto até o trabalho, tudo partiu do povo trabalhador. Aí reside a enorme diferença desta obra para as demais — fundamentou o operário José Luiz.
A Liga dos Camponeses Pobres havia descoberto, em uma das assembléias, o orçamento da prefeitura para a construção da ponte: 49 mil reais. Um engenheiro de confiança foi procurado e solicitaram que ele refizesse o orçamento, que foi reduzido para 11 mil reais, descontando a mão de obra, um problema resolvido pelos próprios camponeses.
O prazo para a conclusão da obra é final de novembro. O material restante já se encontra disponível, sendo que vários camponeses chegaram a vender pertences para disponibilizar verbas para a conclusão da última etapa. Três perfis, pesando 5 toneladas cada um , estão sendo instalados com a ajuda de uma retroescavadeira. Em seguida, virá a concretagem final.
A ponte não visou simplesmente beneficiar o escoamento da produção entre as duas localidades separadas pelo ribeirão, mas estabelecer um marco de governo nos negócios públicos (porque esse é o nome) pelas massas trabalhadoras. Também uma clara demonstração de que a futura aliança entre os operários e camponeses é possível, necessária e inevitável. Por essas razões, uma grande placa será confeccionada para a inauguração da ponte.
São tamanhos o orgulho e admiração da população local, que a ponte se transformou em ponto de visitação pública. Enquanto as equipes estão trabalhando, é comum chegarem camponeses de outras regiões oferecendo-se como voluntários para trabalhar um pouco. Todos querem trabalhar e ver a ponte.
Athaíde, um senhor muito estimado nas redondezas, promoveu uma festa de casamento em sua área. Eram muitos os convidados procedentes de várias outras cidades. A cerimônia se realizou no sábado. Mas todos ficaram, porque, no domingo, iam visitar e conhecer a famosa ponte construída pelos operários e camponeses.
AND acompanha com entusiasmo a edificação da massa camponesa do norte de Minas, muito pobre, mas mobilizada e decidida. Breve, a ponte ligará os municípios de Varzelândia e São João da Ponte. Certamente, em uma edição próxima, traremos o relato da sua inauguração pelos camponeses e operários, uma pequena e compacta ponte que se transformou numa grande obra que precisa ser noticiada para todos os trabalhadores do país.
E seguem lutando
O município de Varzelândia possui uma população estimada em 20.264 habitantes e está situado na região norte do estado de Minas Gerais. Sua população é composta fundamentalmente por descendentes de trabalhadores africanos, trazidos para o nosso país na condição de escravos que, mais tarde, se rebelaram e constituíram quilombos* nos mais recônditos rincões do interior do nosso país. Esses trabalhadores desbravaram a terra e instalaram-se como posseiros naquela região. Durante décadas, resistiram às investidas dos latifundiários e aos ataques do Estado, propriamente.
A luta dos camponeses ganhou impulso, particularmente a partir de 1964. Em 1967, o coronel Georgino Jorge de Souza atacou os posseiros, que resistiram bravamente. O episódio conhecido como a Batalha de Cachoeirinha (localidade hoje pertencente ao município de Verdelândia) culminou com o assassinato de 15 posseiros e 62 crianças. Esta luta foi retomada com heroísmo pelos posseiros na década de 80, até a conquista da terra em 2002, já sob a bandeira da Liga dos Camponeses Pobres.
O norte de Minas é uma região onde pululam oportunistas ligados as mais diferen-tes instituições, procurando minar a organização dos camponeses através de projetos fascistas onde esbanjam considerações racistas no estilo “étnico” e “afro-descendente”, ou apelando para as tramas de “reforma” agrária — arquitetadas pelo imperialismo e suas gerências federais no Brasil que se subs-tituem a cada cinco anos. A intervenção des-ses pelegos aprofunda o quadro de miséria, agravado por um altíssimo índice de analfabetismo, de sonegação de água tratada, energia elétrica, saúde etc.
Retomando a história deste bravo povo, se percebe que a luta pela libertação da terra nunca foi interrompida. Sofreu revezes, teve seus altos e baixos, mas manteve-se acesa. Nessa mesma Varzelândia, a Liga dos Camponeses Pobres organizou sua primeira expulsão de latifundiários no norte de Minas. Todavia, a Liga não se restringiu a expulsar o latifúndio e devolver a terra aos camponeses. Ultrapassou essas fronteiras com um movimento camponês combativo erguendo a produção agrícola, construindo casas nas áreas, ou incentivando as massas a adotarem uma série de medidas econômicas e de administração políticas.
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* Área libertada, de consideráveis proporções e valor estratégico, que acolhia, na sua maior parte, negros fugidos do cativeiro, índios (e mesmo brancos, ainda que em menor parte), perseguidos pelas classes dominantes da época. Foram incontáveis os quilombos —grandes ou pequenos — espalhados pelo território nacional que, muito antes do Brasil institucionalizar a República, a criaram e exerceram honrosamente.