O presidente Saddam e a resistência

O presidente Saddam e a resistência

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AND nesta oportunidade, publica trechos das falas de Marcelo Ferreira, presidente da Federação das Entidades Árabes do Brasil (Fearab-Brasil), e da professora Yasmin Anukit, museóloga e estudiosa da história e das questões que envolvem os países árabes, além de autora do livro Da Mesopotâmia ao terceiro milênio: Iraque, a ressurreição de um povo, publicado pela editora Fissus e que vem alcançando grande repercussão desde o seu lançamento, no Rio de Janeiro. 

Mais representativo ainda se tornou o evento devido a que, naquela data, o presidente do Iraque, Saddam Hussein, completava 68 anos de idade. Proibida de ser comemorada nas ruas pelo povo iraquiano, a data foi lembrada, no Iraque e internacionalmente.

Assistiram o debate diversos representantes de organizações sociais, a imprensa, pessoas e instituições interessadas em apoiar politicamente a resistência do povo iraquiano, que vem dando mostras de vigor e força na justa guerra que trava contra os agressores imperialistas, inflingindo-lhes, diariamente, uma derrota tão humilhante, talvez, como a que sofreram no Vietnã e na Coréia.

Seguem as intervenções — aqui apresentadas de maneira alternada—, de Marcelo Ferreira e da professora Yasmin Anukit, profundamente marcadas pelo íntimo conhecimento da situação política e cotidiana dos países e povos árabes.

Contra a visão unilateral

Yasmin: Nós sempre ouvimos a história de um lado só, do vencedor. O Iraque é um país praticamente desconhecido. Se observarmos, veremos que o Egito é um país muito mais conhecido que a antiga Mesopotâmia, a civilização da Babilônia.

Ao passo que se você estudar as fontes autóctones, genuínas da Mesopotâmia, vai obter uma outra versão.

A civilização sumeriana, da Babilônia, dos caldeus, dos acadianos nos deram a base de todas as formas de lei, de ciência, de arte, de mediação poética, de inspiração literária, inclusive todas as fontes da cultura judaica. Os épicos da Mesopotâmia foram a primeira versão do Antigo Testamento.

Na Idade Média, temos Bagdá como centro da civilização universal. O Islã, entre os séculos VIII e XII, era o centro da civilização. E Bagdá era uma capital magnífica arquitetonicamente, fascinante, riquíssima de palácios e mesquitas, onde foram criadas as primeiras grandes universidades da história. Onde se criou a primeira grande casa de sabedoria, que traduzia para o árabe todo o conhecimento do Oriente e do Ocidente. Os livros dos grandes autores clássicos greco-romanos, tanto quanto da Pérsia e da Índia, em várias áreas, tudo isso foi compilado em Bagdá. E foi através das traduções feitas em Bagdá que o Ocidente, no Renascimento, redescobriu a cultura greco-romana.

Em Bagdá também surgiu a compilação de uma das maiores obras poéticas e literárias de todos os tempos, que são As mil e uma noites. Não se trata de uma fantasia galante, nem uma criação arbitrária, mas um livro que expressa a profunda alma do mundo. É um tesouro. Depois que os mongóis destruiram Bagdá em 1250, a cidade foi devastada, os livros queimados e jogados no rio Tigre, a cidade não mais recuperou seu antigo status. Seguiram-se o domínio do império otomano, do império inglês e, durante esse domínio britânico, surgiu a semente da resistência iraquiana à opressão estrangeira. Em 1924 os britânicos lançaram armas químicas no Iraque, assassinando muitos árabes e curdos.

E que democracia

Marcelo: Nós temos alguma liberdade porque ainda entregamos nossas riquezas para os americanos. No dia em que nos recusarmos de entregar também, eles nos matam e falam que somos terroristas. O USA é um dos únicos países do mundo onde não há democracia. Lá o povo não tem direito de saber de nada e nem de opinar nada, porque senão pegam…

Ainda assim, a guerra no Brasil é muito pior que no Iraque, porque aqui a gente morre de fome; morre de desemprego; vai para a cadeia e eles nos matam lá também. Já tomaram a Amazônia de nós. Eles declaram, para quem quiser ouvir, que aquilo lá é área internacional. Tomam tudo, nos matam e se fazem de vítimas.

A ONU

Marcelo: Quantas resoluções da ONU são descumpridas por três países: USA, Inglaterra e Israel? Tantas que já se ignoram números. Nada vale para eles. A democracia que nós vivemos é a que eles querem.

Yasmin: Quando, em 1991, os americanos atacaram virulentamente Bagdá, jogando sobre a cidade o equivalente a várias bombas atômicas, iniciou-se uma verdadeira hecatombe que durou mais de uma década. Uma coisa única na história da humanidade. Ao mesmo tempo a ONU decretou um embargo brutal que durou mais de dez anos, visando botar abaixo um país que desejava se erguer, um país laico, que aspirava uma liderança no Oriente Médio.

A ONU se utilizou dessa forma de assassinato silencioso e mentiroso, que foi o embargo. Eles fizeram uma combinação de embargo e ataque, porque durante o governo Clinton, o Iraque era bombardeado a toda hora. Treze anos de bombardeio e embargo simultâneo. Mas o Iraque renascerá. Marcelo: O USA precisava atacar de qualquer jeito, contra todo mundo — porque a ONU não existe como gerente do mundo, uma vez que ele tem dono — e não tem uma sanção sequer contra o USA.

O vil imperialismo

Marcelo: É triste ouvir hoje que o Iraque, além de não ter as armas de destruição em massa também não se vendeu para ninguém. Esse governo americano é tão safado e covarde que só atacou o Iraque no dia em que eles tiveram certeza absoluta que o Saddam não tinha arma nenhuma.

Há pouco tempo atrás nós assistíamos os filmes de bang-bang. Aqueles colonos chegavam nas terras dos índios e matavam todo mundo e nós ainda torcíamos pelos americanos. O índio é que era culpado. Eles estavam dizimando um povo. Eles conseguem fazer isso com a gente.

Os americanos disseram que os filhos do Saddam estavam numa casa e ao invés de prenderem eles foram lá e mataram. Eles são assassinos, esse império que está aí é assassino.

O Bush mostrou para o mundo que eles é que são terroristas. São assassinos. Que eles é que não tem democracia, que eles é que são ditadores. Tenta não cumprir uma ordem deles e ver o que acontece. Isso não é ditadura? Eu gostaria só que conseguíssemos ter dentro do nosso coração a vontade de exercer o sagrado direito de resistência.

O direito de resistir

Marcelo: No Iraque, a resistência tem o direito (segundo a carta da ONU) de resistir e de matar os soldados e todos aqueles que apoiam a invasão.

No Iraque há três grupos de resistência. Não existe na resistência iraquiana a prática da degola. O caso desse brasileiro, João José Vasconcelos, ele não foi sequestrado por nenhum grupo de resistência. Ele pode ter sido roubado, atacado, tal como acontece aqui no Brasil. Nós investigamos no Iraque, através de nossos contatos, mas, infelizmente, acreditamos que ele tenha morrido no dia do assalto.

Yasmin: A resistência se dá o direito de atacar os soldados estrangeiros que estão lá a serviço da destruição de seu país, mas não tem nada a ver com ataques a inocentes. Quem faz isso são terroristas infiltrados pelo USA e por Israel para dar um aspecto de pandemônio à resistência iraquiana, deslegitimar a resistência e criar uma Al-Qaeda lá dentro, que nada mais é que um braço do governo americano. Inclusive durante o governo de Saddam Hussein, Bin Laden e Al-Qaeda jamais penetraram no Iraque.

O fundamentalismo islâmico é contrário ao espírito laico e secular do governo do Iraque e suas propostas.

Sem dúvida, o povo tem direito a resistir.

Marcelo: Nós aprendemos que o pessoal que resistia na Europa eram resistentes e heróis da resistência francesa, italiana. Não é isso que estudamos e ouvimos falar? Portanto, a resistência iraquiana também é heróica.

Mentiras sobre Saddam

Marcelo: A Guerra Irã-Iraque ocorreu foi por questões de fronteira. O tratado que delimitava as fronteiras entre Irã e Iraque foi celebrado pelo xá Reza Pahlevi, que era aliado do USA. Quando o Khomeini entra não quer respeitar esse tratado. A guerra foi patrocinada pelo USA. Saddam não era aliado deles, mas precisava de armas e foi municiado pelo USA também. Em troca, o Kuwait seria devolvido ao Iraque — o Kuwait já tinha pertencido ao Iraque, sendo inclusive governado por parentes de Saddam. Nada disso foi cumprido. O gás que mata os curdos, que todo mundo acusa o Saddam de ter jogado lá, vaza involuntariamente do Irã. Aí o Saddam vai e toma o Kuwait no peito. Depois de dez, quinze dias, que o exército iraquiano entra no Kuwait, diante de tanta pressão, o Saddam admite sair de lá, mas impõe como condição a saída dos israelenses da Palestina. Ele ainda tentou fazer essa pressão. A ONU impõe as sanções e mete bomba lá dentro. Na televisão parecia fogos de artifício, mas embaixo dos mísseis tinha gente morrendo.

Quando o exército do Bush pai entrou no Iraque os soldados iraquianos que se renderam foram enterrados vivos. O general que comandou isso disse que eles iam morrer mesmo, então ia economizar munição. Hoje, os ianques estão desenterrando esses corpos e acusando Saddam de tê-los matado. E os árabes é que são terroristas!

Essas barbáries não são cometidas só contra o povo iraquiano, mas contra a toda humanidade. O Iraque é o berço da civilização. Esses retardados desses soldados americanos entraram lá e destroçaram tudo pelo simples prazer de destruir.

A verdade sobre o Iraque

Marcelo: O povo iraquiano é muito instruído. Se houve analfabetismo foi por causa desse embargo, mas o Saddam havia acabado com o analfabetismo dentro do Iraque. O povo palestino é o mais instruído da região, o mais culto. Qualquer pessoa fala duas, três línguas. Na região, é o único lugar que os curdos encontraram guarida. Os curdos tinham seu próprio parlamento. Tinham dois representantes do parlamento deles dentro do parlamento iraquiano, mas o que se informa no mundo é justamente o contrário.

Porém, mesmo com todas essas calúnias, é incrível, esse povo consegue resistir.

Yasmin: O século XX marca o surgimento do partido Baath, em 1947, com uma proposta inovadora, vanguardista, que era totalmente desconhecida no Oriente Médio. Baath quer dizer renascimento, ressurreição. A essência do Baath era fazer renascer o Iraque como centro de civilização. Para isso empenhou-se financeira, intelectual e politicamente em restaurar grande parte do patrimônio, em re-edificar aquela civilização e, realmente, o governo de Saddam Hussein reedificou Babilônia. Houve escavações e descobertas arqueológicas fascinantes. Grande quantidade de tábuas cuneiformes foram reveladas. O Iraque brotava com a força desse patrimônio.

Os fundamentos da civilização do Iraque, se pensados como o partido Baath queria, promoveriam uma revolução cultural. O Festival da Babilônia, que tinha lugar no equinócio do outono, atraía o mundo inteiro. Artistas e intelectuais iam lá para analisar a origem da nossa civilização.

Saddam Hussein é apresentado em meu livro como um líder nacionalista.

Marcelo: No Iraque, era eleito o parlamento com 250 membros, sendo o Baath o partido mais forte, tanto no Iraque como na Síria. Elege-se o parlamento, esse parlamento indica o presidente e esse nome indicado vai a referendo popular.

Em outubro de 2002, os iraquianos não deram 100% de votos para o presidente Saddam, mas os 4 ou 5% que eram contra o Saddam, também eram contra a invasão. Como já havia a iminência do ataque, todo mundo apoiou o presidente Saddam.

A gente saía nas ruas de Bagdá e o povo aclamava Saddam de todo jeito. E ele não andava na rua com guarda-costas. Esse negócio de ele ter sósias, isto é história aqui para o Ocidente. Ele ainda é um grande líder do povo iraquiano.

O genro dele era um mentiroso, que dizia para o mundo que o Iraque tinha armas de destruição em massa. Como não decobriram nada, ele teve que correr para a Jordânia. Não o aceitaram lá e ele teve que voltar para o Iraque onde foi julgado e executado. Não era o presidente Saddam que matava, eram as leis do país.

Yasmin: Pouca gente sabe que alguns anos antes da ocupação ianque estava acontecendo um movimento em direção ao aprofundamento da democracia. Os partidos políticos no exílio, tinham anteriormente rompido com o governo de Saddam Hussein, mas estavam fazendo uma aliança com o governo de Saddam. Eles queriam voltar, como voltaram alguns, para a implementação de uma democracia mais autêntica. Marcelo: Saddam Hussein é o grande líder do povo iraquiano, kuwaitiano e jordaniano. No Kuwait ele deve ter mais de 60% de apoio do povo. Na Jordânia, mais de 80%. No Iraque não se pode falar em 100% porque lá existiam três partidos de oposição. Um deles é a Aliança Patriótica Iraquiana, da qual recebemos um representante aqui no Brasil recentemente. Todavia, o povo iraquiano está unido na sua luta de independência nacional, hoje mais ainda do que na época do estrondoso apoio do povo, que foi a eleição de Saddam.

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