Para entender a quem interessa a propagação da falsa imagem de um sistema de Seguridade Social inviável, basta ver a lista das entidades que encomendaram ao ex-ministro da Previdência de Fernando Henrique, José Cechin, e ao economista Fabio Giambiagi (ex-funcionário do BID, atualmente no IPEA) um projeto de reforma previdenciária que acaba com a maioria dos direitos atualmente existentes: Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg), Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima), Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp), Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp) e Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec).
Este projeto foi elaborado no âmbito do Plano Diretor do Mercado de Capitais (PDMC), que aglutina, sob a liderança do setor financeiro, entidades patronais diversas. O PDMC centraliza o trabalho de lobby desses segmentos junto ao governo. Para cuidar do tema da Previdência, foi constituído um grupo de trabalho para atuar junto às instâncias oficiais.
A proposta encomendada a Cechin e Giambiagi foi entregue ao Ministério da Previdência em dezembro por uma delegação do PDMC encabeçada pelo presidente da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), Gabriel Jorge Ferreira. Seu conteúdo expressa as ambições de bancos e corretoras em relação ao dinheiro do INSS.
O sistema previdenciário brasileiro é estruturado no regime de repartição, o que significa que, ao descontar para o INSS, o trabalhador ativo paga as aposentadorias da geração anterior — de seus pais —, com a expectativa de que seus filhos façam o mesmo por ele amanhã. O setor financeiro quer substituir este sistema pelo de capitalização, no qual o trabalhador entrega seu dinheiro a um banco para que este disponha dele como quiser em troca da promessa de devolvê-lo sob a forma de aposentadoria décadas depois. Quer, em outras palavras, financiar-se com o dinheiro dos trabalhadores, obrigando-os a contribuir para fundos de capitalização.
Trabalhadores x rentistas
O outro pilar da Previdência Social é a vinculação de suas receitas — isto é, o dinheiro das contribuições destinadas a ela não pode ser usado para nenhum outro fim. Esta diretriz é reforçada pela separação entre o orçamento da Seguridade Social (Previdência, Assistência e Saúde) e os demais gastos do governo — uma das maiores vitórias das forças democráticas na Assembléia Constituinte de 1987-88.
Na prática, o desvio continua através da Desvinculação das Receitas da União, DRU, e outros mecanismos, mas sofre limitações.
Primeiro, a Constituição obriga o Tesouro Nacional a cobrir qualquer insuficiência da arrecadação do INSS — o que significa que o Estado, mesmo deixando de contabilizar adequadamente as receitas da Previdência e mesmo desviando parcela significativa delas, tem que devolver pelo menos uma parte do que desvia (é por isso que o governo e o lobby financeiro dizem que o INSS consome recursos do tesouro, quando o que ocorre é o contrário).
Segundo, os benefícios previdenciários não podem ser menores que o salário mínimo — ou seja, o governo pode aplicar reajustes irrisórios a este e ainda menores aos proventos até reduzi-los quase todos ao piso, mas não pode tirar da Previdência mais do que o necessário para cobrir o pagamento de aposentadorias e pensões vinculadas a ele.
O interesse do setor financeiro no fim da vinculação de receitas e no desatrelamento entre salário mínimo e aposentadoria mínima é permitir a livre manipulação da totalidade do orçamento federal — o que acabaria com os limites ao desvio de recursos da Seguridade para pagar juros. Isto tem como preço o comprometimento da sobrevivência de milhões de trabalhadores idosos e doentes, que teriam sua fonte de renda subtraída.
A conta do PAC
O setor financeiro não é o único interessado na destruição da Previdência pública. Entidades da burguesia burocrática, como a Fiesp e as confederações nacionais da Indústria, Transportes e Comércio, também integram o PDMC e o lobby pela “reforma".
Para financiar a universalização da Previdência, a Constituição taxou os ganhos das empresas por meio da Cofins e da CSLL. Sufocado por um conjunto de fatores adversos — juros altíssimos, câmbio desfavorável, contenção do consumo — que não podem ser questionados sem o rompimento do quadro de predomínio do setor financeiro, o patronato busca compensar suas perdas transferindo-as aos trabalhadores. Assim, em vez de ir contra as taxas de juros cobradas pelos bancos, opta por aliar-se a eles para acabar com as contribuições à Seguridade Social.
Além disso, setores que sempre viveram de parasitar o Estado — por exemplo, as empreiteiras — anseiam por uma retomada parcial de sua capacidade de investimento após a constrição produzida nos anos Cardoso e institucionalizada na Lei Complementar 101, a mal chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. A maneira de atendê-los sem tocar no quinhão dos rentistas é compensar a ampliação do gasto estatal em infra-estrutura com restrições na Previdência — daí sua oposição à vinculação das receitas. É este o espírito do Plano de Aceleração do Crescimento, PAC, da gerência FMI-PT.
O que eles queremMedidas propostas pelo capital financeiro:
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