O sistema prisional do Estado criminoso

O sistema prisional do Estado criminoso

As cenas vistas no Vicente Piragibe, um dos 14 presídios que compõem o Complexos Penitenciário de Bangu, na zona Oeste do Rio de Janeiro, com presos utilizando livremente o celular e usando o pátio como boca-de-fumo, são parte integrante do cotidiano carcerário no Brasil. Aos menos avisados pode parecer uma falta de controle do Estado sobre a situação mas se buscarmos respostas para as seguintes perguntas: quem prendeu? quem fez o inquérito? quem julgou? quem guarda o condenado?, vamos encontrar o Estado atraves de seus agentes. Anos passam e nada muda, estes agentes que deveriam cuidar dos detentos, ora torturam para obter informações, ora se corrompem para facilitar a vida e os negócios daqueles que podem pagar.

Em 1995, o Brasil tinha 95,5 presos por 100 mil habitantes e hoje tem 173,5 por 100 mil —um aumento de 81,7%. Na carceragem da Polinter, no Rio de Janeiro, onde 1.400 pessoas se amontoam cabem no máximo 300. Muitos podem pensar que o problema é a superlotação dos presídios, mas segundo o historiador e estudioso da questão carcerária, Marcelo Freixo, o problema não é a falta de vagas nas penitenciárias, essas têm vagas suficientes e não têm problema com excessos de presos.

— O que temos hoje no Brasil é uma super lotação nas carceragens, nas delegacias e não nos presídios, isso é um mito. O que não quer dizer que temos poucos presos, temos a maior população carcerária da América Latina. O que temos atualmente é uma indústria de presos, destinada ao extermínio das classes mais baixas, pois o que observamos é mais de 80% da população carcerária formada por negros, analfabetos, moradores de rua e de favelas — diz Marcelo.

Marcelo, faz uma observação importante.

— A lei de execução penal é anterior à nossa Constituição, mas prevê por exemplo que deve existir um espaço mínimo para o preso. Aqui isso não é cumprido, todas as prisões são ilegais.

No Rio de Janeiro, onde o problema de falta de espaço para presos nas delegacias é gravíssimo, Marcelo aponta mais um fator. A criação das “Delegacias Legais”, informatizadas que deveriam melhorar o atendimento ao público, por falta de planejamento agravou o problema da super lotação de outras carceragens. Nas novas delegacias não se tem mais a presença dos presos, que passaram para outras delegacias, enquanto não estão prontas as casas de custódia. Seguiu-se uma lotação absurda, com criminosos passando de três meses a um ano em pé na carceragem da Polinter, devido a falta de vaga, o que gera danos irreparáveis.

Marcas do Fascismo

O preso passa por uma punição que não está prevista na pena. O castigo vai além da pena, o que é grave, pois dá início a um processo de punição da pobreza. É a marca do fascismo deste Estado submisso aos interesses da grande burguesia financeira e do latifúndio serviçais do imperialismo. Primeiro punem as massas trabalhadoras, tirando-lhes qualquer possibilidade de trabalho no campo e na cidade, jogam-lhes nas mais cruéis condições de vida, animalizam-nas e depois dão-lhes o tratamento pior que o dispensado às feras e às bestas.

O sistema penitenciário é sempre um reflexo da sociedade que o produz, um espelho das nossas contradições mais sólidas e perversas. Não se pode cair na armadilha de julgá-lo sem analisarmos as transformações ocorridas em nossa economia e sociedade nos últimos anos. Vivemos numa grande desigualdade, desigualdade esta acompanhada de uma forte imobilidade social sistêmica, onde parte da população se torna uma massa inimpregável de cidadãos. Nasce uma nova “classe perigosa” originada dos que sobram. Segundo Zigmunt Bauman, “a pobreza não é mais um exército de reserva de mão de obra, tornou-se uma pobreza sem destino, precisando ser isolada, neutralizada e destituída de poder”. O perfil do preso no Brasil caracteriza, com precisão, algumas de nossas mazelas sociais. Um estudo recente realizado pelo centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes mostrou um retrato das contradições sociais do Brasil, caracterizando a ausência de expectativa de uma geração, vítima da profunda desigualdade social do país. É interessante observar que é uma população cada vez mais jovem que chega ao sistema prisional.

A sociedade brasileira é induzida a enxergar as prisões como locais de pessoas violentas que cometeram crimes terríveis contra inocentes, daí a banalização das violações dos direitos do povo dentro das prisões. O crescimento prisional deve-se a um judiciário conservador, um executivo marcado pela violência contra o povo e um legislativo que endurece a legislação penal para os pobres. Todos tem como traço comum a corrupção. Preventivamente, criam fóruns especiais e privilegiados para os grandes gatunos da nação, pois nuca se sabe quem será atingido pelo próximo escândalo.

A responsabilidade do Estado

As penas alternativas, permitidas no Brasil desde 1984, hoje só beneficiam 8% dos condenados. Estes dados espelham uma situação de classe. Porque só 8% tem direito a penas alternativas? Ora, procuremos sua origem de classe e está esplicada a situação.

Sem dúvidas o Estado é o único responsável pelo condenado, deveria, pelo menos, cumprir suas próprias leis. Mas aqui no Brasil as coisas são diferentes. Num país movido à corrupção, o Estado se torna o primeiro a descumprir suas próprias leis. Enchendo o bolso de quem controla e administra as penitenciárias, com dinheiro público. “Cadeia é um instrumento caro de punição” afirma Julita Lengruber, ex-diretora do Desipe, no Rio, e responsável pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. Julita revela que o custo médio de um preso para o Estado é de R$ 700, dez vezes mais do que um aluno de ensino fundamental. Com base nessa informação e sabendo da situação vivida nas carceragens, nos perguntamos: aonde vão parar os R$ 700 pagos por cada preso?

Delinqüência carcerária de Estado

Os que lucram com o caos planejado criam mitos sobre organizações criminosas acima das possibilidades do Estado; divisões entre grupos rivais; etc.. Contando sempre com o monopólio das comunicações que alimenta a indústria do medo.

Fruto da corrupção, uma prova da política de Estado, a delinqüência carcerária é apresentada como um problema do lado de dentro das grades, quando sua base principal está no lado de fora das grades. É comum ser apresentado na televisão, “líderes criminosos presos, que transformam suas celas em verdadeiros escritórios de seus negócios, repetindo a divisão territorial do lado de fora” ou o bombástico anúncio de que “o Comando Vermelho do Rio aliou-se ao Primeiro Comando da Capital, que domina os presídios de São Paulo, e ambos disputam espaço com o terceiro Comando”. Sempre estes anúncios são acompanhados pela solicitação de mais verbas que alimentam os insaciaveis planejadores do caos carcerário.

É visível também aqui o tratamento diferenciado entre as classes. quando um pobre é detido em uma batida policial, é chamado de bandido e traficante pela grande impressa, sem que sequer uma investigação tenha sido feita. Enquanto isso, o Juiz Nicolau dos Santos é, até hoje, tratado por “suposto envolvido em superfaturamento de obras”.

O Estado é responsável pelo preso, tem que garantir o cumprimento de sua pena em condições condignas. Se existem escritórios, facções e divisões, tudo é permitido e deve ser cobrado, em primeiro lugar, dos “reponsáveis” pelo sistema.

— Hoje no Rio de Janeiro todas as prisões são dominadas por um grupo. A primeira pergunta que a polícia faz a um preso que acaba de chegar a qualquer carceragem carioca é a qual facção ele pertence. Caso não pertença a nenhuma, ele é obrigado a optar na hora por uma. Nesses casos, geralmente o criminoso opta pela facção que controla a sua comunidade, ou seu bairro —, e está feita a afiliação, revela Marcelo Freixo.

Segundo o próprio historiador, existe um mito muito grande em torno dessas facções de traficantes. O tráfico de drogas é um comércio internacional, altamente lucrativo e muito complexo, imaginar que essa movimentação de milhões de dólares seja feita por pessoas humildes, muitas delas analfabetas, chega a ser uma tolice. Como não se tem investigação séria, o que é feito é a repressão ao varejo das drogas, o nível mais baixo do comércio.

O tráfico de drogas é um comércio altamente inserido no capitalismo, sendo um dos maiores do mundo, depois do comércio de armas. Valendo ressaltar que boa parte deste está diretamente ligado ao problema das drogas. Traficantes e polícias do mundo inteiro precisam se armar e fica a pergunta, se a Colt (fabricante do AR-15), por exemplo, seleciona seus clientes entre uns ou outros.

Os milhões de dólares deste mercado não estão nas favelas e guetos, mas sim no capital estrangeiro, na bolsa de valores e nos “poderes” do Estado por isso não se tem uma investigação profunda, completa, que vá até a raiz do problema.

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