Grupo de dança teatralizada, o Cavalo Marinho da Paraíba reúne, há 80 anos, pessoas em torno dos tradicionais folguedos populares, que são festas do povo repletas de dramaticidade e descontração. Formado por pedreiros, carpinteiros, artesãos, homens do campo, entre outros, manifesta-se através da música e da dança, sempre envolvidos com a preservação das verdadeiras expressões da cultura popular da região.
— Somos todos trabalhadores, que amam a arte e as manifestações populares. Para sobreviver fazemos, paralelo às apresentações do grupo, as ocupações que aprendemos na vida. Eu, por exemplo, sou artesão e dou aulas sobre o cavalo marinho — diz José Bento, coordenador do grupo.
Situado na cidade de Bayeux, região metropolitana da grande João Pessoa, ligada a capital pela Ponte do Baralho, o Centro de Tradições Populares ‘Cavalo Marinho da Paraíba’ foi criado por brincantes do folguedo, com a intenção de unir e apresentar as manifestações da cultura popular local.
— São anos de atuação dentro do folclore da nossa terra, que já faz com que muitos misturem a história do grupo com a própria história do cavalo marinho, esse importante folguedo popular, que é uma variante do bumba-meu-boi — comenta Zé Bento.
— A dança cavalo marinho surgiu primeiramente na Paraíba. Existem muitas manifestações em Pernambuco, mas depois é que foi para lá. As primeiras aparições constatadas desse folguedo são de aproximadamente 1550. Ele é considerado como a primeira dança de roda, popularmente chamada reisado — continua.
Segundo José Bento a tradição do cavalo marinho começou em Bayeux através do Major Ciraulo, um forte agitador cultural que residia na cidade nos anos de 1920. Ele costumava levar grupos culturais do interior para se apresentar em Bayeux e na capital, sempre com muita animação e interação de toda a comunidade.
Esses grupos trouxeram a dança, e fez tanto sucesso que o povo da cidade e da capital resolveram imitar os passos. Alguns desses, contagiados pela dança, foram indo em frente até se organizarem para desenvolver os passos e apresenta-los em público, formando assim o Cavalo Marinho da Paraíba.
— Estou no grupo desde criança, e posso dizer que aprendi tudo que sei com o mestre Gazoza, que para mim foi o maior ícone da cultura popular nordestina. Ele era um homem simples, cambiteiro, que é o nome que se dá ao carregador de cana. O cavalo marinho em si tem uma ligação forte com os cortadores de cana — comenta Zé Bento.
Mestre Gazoza foi um dos nomes mais importantes para o Cavalo Marinho da Paraíba. Sempre animado e disposto a passar todo o seu tempo no meio dos brincantes, Gazoza, dedicou sua vida ao grupo.
Prêmios e ameaça de extinção
— A estrutura do cavalo marinho é repleta de lendas, contos populares. Para teatralizar tudo isso é divida em: humanos, fantásticos e animais. Os humanos são: o mestre, líder do grupo, contra-mestres galantes, damas pastorinhas, mascarados, que são o Mateus, Birico e Catirina, diferente do cavalo marinho de Pernambuco, que fala do Mateus, Bastião e Catirina, que são os dois vaqueiros e a catirina — explica Zé Bento.
— Os fantásticos são: o Índio Oberdan, o Abana Fogo, o Valentão, o retirante, e muitos outros. Os animais também são muitos: o boi, o bode, a burra, a Ema, o Urubu, etc. Tudo isso com muita música, dança e alegria. São cerca de 50 brincantes, de todas as idades, que dançam mascarados, fantasiados, com cores fortes. Dançamos xote, xaxado, danças sapateadas em geral, algo muito contagiante — continua.
O grupo tem também uma orquestra com: rabeca, triângulo, pandeiro, zabumba, viola, reco-reco e ganzá.
— Já recebemos muitos prêmios e fomos elogiados pelo nosso trabalhado. Temos disco no museu do folclore e tudo, e já fomos homenageado em várias cidades, em encontro diversos. Mas, sobreviver por aqui está difícil, porque não temos apoio governamental, e de espécie alguma, para podermos levar nosso trabalho adiante — declara Zé Bento.
Segundo José Bento, o grupo corre o risco de desaparecer no próximo ano, por falta de apoio.
— Estamos trabalhando há tanto tempo e vemos que não somos valorizados, a não ser pelo povo. Normalmente nos apresentamos em janeiro, no período da festa de reis, também no carnaval, e em outras manifestações durante o ano. Mas depois parece que esquecem que nós existimos e ficamos muito tempo parados e isso desmotiva o pessoal — fala.
— Por causa desse descaso, falta de apoio e respeito com o nosso trabalho, estamos pensando em fazer uma grande festa neste ano de 2010 e queimar o boi em definitivo. Sabemos que isso é prejudicial ao povo, mas é que já estamos cansados — desabafa.
José Bento e outros companheiros, muitas vezes têm que tirar dinheiro do próprio bolso para conseguir manter o grupo, conservar os figurinos e instrumentos musicais.
— É uma dureza, uma luta árdua que até agora temos travado pela sobrevivência do grupo. Para nós é muito importante a preservação dessa tradição cultural, e para isso estamos resistindo com toda a força. Só vamos parar se realmente não tiver mais jeito — diz.
Entre outras, em 1998 o Cavalo Marinho ganhou o prêmio Manoel Diegues Jr, na categoria Antropologia Visual, e em 2002, recebeu o título de menção honrosa das mãos do poeta paraibano Ariano Suassuna.
— Devido ao descaso, parece até que não somos importantes para a cultura local. No entanto vemos nos olhos do povo que o grupo tem um grande poder de mobilização na nossa comunidade, e ao longo desses anos, se nos falta patrocínio, nos sobra reconhecimento do povo, e o respeito de pessoas como o mestre Ariano Suassuna.