O teatro é uma das demandas do povo

O teatro é uma das demandas do povo

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Ittala Nandi construiu uma sólida carreira militante num teatro que permite pensar e debater os problemas de peso da sociedade brasileira. Na década de 60, ajudou a fazer a história do teatro Oficina, vivendo a fase mais importante do grupo, com espetáculos arrojados e inovadores. No cinema participou de mais de 20 filmes, trabalhando com diretores como Ruy Guerra e Arnaldo Jabor. Na televisão só fez papéis que tinham a ver com a sua ideologia.
Além de atriz, Ittala é diretora e produtora de teatro, cinema e televisão, e coordenadora do curso de interpretação na Universidade Estácio de Sá. No início dos anos 90, escreveu Teatro Oficina, onde a arte não dormia, revelando um dos mais altos momentos do pensamento do teatro brasileiro. "Vivi nove anos no Oficina, como administradora, atriz e sócia-proprietária, juntamente com Renato Borghi, Zé Celso, Fernando Peixoto e Etty Fraser. Realizávamos um trabalho ligado à situação nacional. Não fazíamos peças para nos promover, mas para promover o nosso povo e o nosso país. Selecionávamos espetáculos e textos na condição de que eles tivessem uma relação social com o Brasil", declara Ittala.

Ítala Maria Helena Pelizzari Nandi, uma mulher alta, esbelta, de fala segura e raciocínio rápido, nos recebeu em seu apartamento, em Copacabana. Dinâmica como o seu teatro, de personalidade marcante e, ao mesmo tempo, extremamente jovial, Ittala Nandi — nome e grafia com que o teatro avançado de nosso povo concordou e adotou — não pára. Inclusive a entrevista nos foi concedida, ainda que de maneira muito atenciosa, sob o risco de interrupção de compromissos.

O livro Teatro Oficina, onde a arte não dormia é uma referência incontornável para quem fala de Nandi, porque ali encontra-se sistematizada parte considerável de uma trajetória onde se formou uma concepção de arte e de teatro, em particular praticada sem economizar coragem ou dedicação ao povo. Por isso, tanto coube recorrer constantemente àquelas páginas, como à narrativa viva de uma atriz que não faz concessões quando se trata de defender os interesses da gente trabalhadora.

Pois essa Ítala nasceu na Granja Nandi ou Piave, na sétima légua, na cidade de Caxias do Sul, RS, no dia 4 de junho de 1942. Aos sete anos, mudou-se com a família para o centro da cidade para frequentar um colégio. A menina Ítala, a mais velha de três irmãs, deveria ser preparada para assumir os negócios de seu pai, proprietário de uma empresa vinícola.

A pressão convincente

Ittala fala que a sua vocação artística não foi influenciada por nenhuma herança familiar, e mesmo entre eles não havia um único artista. Tampouco imaginava que essa carreira acontecesse na sua vida. Mas o teatro apareceu em seu caminho e nele, democraticamente, foi compelida a entrar. Uma amiga, Yara Montana, fazia teatro amador e os seus insistentes convites para visitar o grupo eram respondidos com desinteresse por Ítala, até que, perdendo a paciência, sua amiga praticamente a carregou para dentro do teatro num dia de ensaio.

"Estavam todos sentados em roda lendo um texto quando entramos. O diretor Nilton Carlos Scotti, um dos componentes do Teatro Universitário de Porto Alegre, que era dirigido por Antônio Abujamra, recebeu-me cheio de carinho e, no meio do papo, como quem não quer nada, me pediu que fosse até o palco, e, atrás das cortinas, desse uma risada", conta Ittala no seu livro.

No palco, sozinha em uma semi-escuridão, Ítala sentiu uma sensação ridícula e começou a rir sem parar. Logo percebeu que todos também estavam rindo, que seu riso havia contaminado os outros. "Quando paramos, era como se nos conhecêssemos há 50 anos. Scotti me deu um personagem na peça Um gesto por outro, de Jean Tardieu", e acrescenta que a partir daí passou a amar o teatro. A cantora careca, de Ionesco, foi a segunda peça montada pelo grupo com participação de Ittala. Um dia, durante um intercâmbio cultural entre o grupo e o Teatro Universitário de Porto Alegre, conheceu o jornalista e crítico de teatro, Fernando Peixoto — na época do jornal gaúcho Correio do Povo — com quem se casou poucos meses depois, em abril de 1961. O detalhe é que Fernando estava noivo, de aliança no dedo, da sobrinha preferida do escritor Érico Veríssimo. Acabou se casando com Ittala, um casamento que durou apenas três anos, mas que preservou uma amizade duradoura.

O casal foi morar em Porto Alegre e Ittala passou a integrar o grupo Teatro de Equipe, atuando na peça O despacho, de Mário de Almeida. Em 1963, mudou-se com Fernando, convidado para o Teatro Oficina, fixando residência em São Paulo, deu um ponta pé na idéia de fazer faculdade de Administração de Empresas e passou a se dedicar inteiramente ao teatro.

Ittala havia se identificado com o Oficina desde o primeiro momento. "O espírito do ‘risco’, um pensamento nada burguês, mas completamente revolucionário, arrojado, o verdadeiro espírito do ‘saltimbanco’ das origens do teatro, estava neles", fato que também revela no livro.

Nas trincheiras do Oficina

O Teatro Oficina surgiu em 1958, quando dois estudantes da Faculdade de Direito, no Largo de São Francisco, em São Paulo, Renato Borghi e José Celso Martinez Corrêa, organizaram um grupo de teatro amador, juntamente com Carlos Queiroz Telles, Amir Haddad, Moracy do Val, dentre outros. O início das atividades do Oficina foi a estréia de A ponte, de Carlos Queiroz Telles, e Vento forte para um papagaio subir, de Zé Celso. Também Antônio, de Zerbini, O guichê, de Jean Tardieu e Geny no pomar, de Charles Thomas.

Em dezembro de 1959, o grupo apresentou As moscas, de Sartre. Em 1960 encenou A engrenagem, também de Sartre. No início do mesmo ano, em co-produção com o Teatro de Arena, o Oficina montou Fogo frio, de Benedito Ruy Barbosa. Em 1961 estreou A vida impressa em dólar, de Clifford Odetts, que devido a perseguições da censura rendeu uma passeata do elenco amordaçado pelas ruas de São Paulo.

Em dezembro de 1961, o Oficina estreou José, do porto à sepultura, de Augusto Boal. O espetáculo seguinte, em 1962, foi Todo anjo é terrível, de Ketti Frings. Ainda em 1962, surgiu Quatro num quarto, de Katáiev, na época em que Ittala se integrou ao grupo. A princípio, a atriz começou a trabalhar no Oficina meio por acaso, como uma espécie de tesoureira e auxiliar de escritório. Um dia, durante a ausência da atriz Rosamaria Murtinho, que ficou doente, Ittala assumiu seu personagem, Ludmila, em Quatro num quarto, e acabou ganhando o papel.

A peça seguinte foi Os pequenos burgueses, de Gorki, em agosto de 1963. "O Oficina representava, naquele momento, a síntese de todos os meus desejos. Acreditávamos num homem melhor, numa sociedade mais justa e igualitária. Havia uma familiaridade enorme entre os personagens gorkianos e nós. A peça parecia escrita por um autor nacional, tal a semelhança entre a vida daqueles tipos russos e a do homem brasileiro", escreve.

Conta Ittala que, em 3 de abril de 1964, três dias após o golpe militar, já não foi possível fazer Os pequenos burgueses: o espetáculo foi suspenso pela censura quase na hora ir à cena. A todo momento chegavam notícias alarmantes de perseguições e prisões de artistas e intelectuais. Como Zé Celso, Renato e Fernando Peixoto estariam numa lista de perseguidos, o grupo optou por escondê-los no sítio da família da atriz Célia Helena, entre São Paulo e Rio.

A solução para que o Oficina não parasse de funcionar foi montar uma comédia e não deixar o teatro desativado por um minuto sequer, a fim de impedir uma possível invasão do prédio pela polícia política. Isso foi resolvido com os cursos de interpretação dados pelo ator russo naturalizado brasileiro, Eugênio Kusnet, que ocupava o teatro durante o dia e com os ensaios da comédia à noite. Ittala era a primeira a chegar e a última a sair. Ela, desde que começou no Oficina, cursava com Kusnet, o Método Stanislavski de Interpretação.

O grupo escolheu montar Toda donzela tem um pai que é uma fera, de Gláucio Gil, dirigido por Benedito Corsi. No elenco, Ittala Nandi, Cláudio Marzo, Eugênio Kusnet, Célia Helena, Miriam Mehler e Raul Cortez, mais tarde substituído por Tarcísio Meira. Depois dos ensaios, Ittala e Cláudio Marzo iam levar mantimentos para os clandestinos Zé Celso, Renato Borghi e Fernando Peixoto. Segundo Ittala, o grupo Oficina recebia muitos telefonemas de ameaças, e camburões da polícia estacionavam em frente ao teatro.

Alguns meses depois, a lista negra, que incluía os nomes desses "foragidos", foi momentaneamente suspensa. Os três puderam sair do esconderijo e pensar em retomar a montagem de Os pequenos burgueses. Mas isso só aconteceu após dois meses de luta contra a censura, menciona Ittala em Teatro Oficina…, passado o instante em que grupo teve de pagar "uma bela quantia à censura". Mas a sua interpretação em Toda donzela… acabou lhe rendendo o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante, dado pela Associação de Críticos Paulistas naquele ano Os pequenos burgueses voltou em cartaz contendo uma sabotagem do sistema contra-revolucionário implantado em abril: os censores proibiram a execução da Internacional, hino que encerrava o espetáculo, sendo substituído pela Marselhesa. Mas como a peça tratava da vitória proletária, o sucesso entre o público resultou estrondoso de qualquer maneira. Se o hino do proletariado foi proibido, o conteúdo revolucionário de A Marselhesa ali ficou muito evidente.

Em Andorra, de Max Frisch, o espetáculo seguinte apresentado pelo Oficina, Ittala não atuou, ocupando-se da parte administrativa e participando das discussões sobre ensaios, enfoques filosóficos, encaminhamentos do espetáculo e das interpretações.

Oficina invulnerável

O trabalho seguinte foi Os inimigos, de Gorki, indicada para mostrar um painel social que se assemelhava ao momento presente. Trata da questão de luta de classes: patrões versus operários e a repressão, mostrando a impossibilidade de existir o "patrão bonzinho". O cartaz para a divulgação do espetáculo mostrava uma enorme bota militar esmagando os personagens da peça. Os inimigos estreou em janeiro de 1966 e, óbvio, a censura não deixou o Oficina em paz durante toda a temporada. Numa apresentação, no Rio de Janeiro, se encontrava o ditador de turno, general Castelo Branco, que no final do espetáculo foi cumprimentar o elenco.

"Nessa versão, eu fazia a viúva Helena, cheia de alegria de viver e com muita simpatia pelo movimento social de esquerda, inquilina de Bessêmenov, um homem muito reacionário, contrário às forças proletárias que ascendiam na Rússia, na peça representado pelo personagem Nil, filho adotivo do autoritário Bessêmenov", descreve Ittala em Teatro Oficina … .

"Quando ele (o general Castelo Branco) chegou diante de mim, perguntei: ‘O senhor, presidente, identificou-se com algum personagem da peça?’ Ele esboçou um sorriso irônico, como quem havia entendido exatamente a pergunta, e respondeu: ‘Sim, mas não com aquele que a senhorita está pensando’. Acrescentou: ‘Mas tenha cuidado para você não se identificar com o seu personagem’. E olhou bem no fundo dos meus olhos, enquanto beijava minha mão", continua a atriz. No dia 31 de maio de 1966, um grande incêndio destruiu, quase que por completo, as instalações do Oficina. O laudo do incêndio dizia que um pedaço de madeira em chamas atravessou o forro do teatro e caiu na platéia. Rapidamente tudo foi destruído. Mas isso não desanimou o pessoal do Oficina, que saiu em busca de empréstimos e depois de um ano e meio, reinaugurou a sede reformada.

Durante o período das obras, o Oficina se apresentou em outras casas e viajou pelo Brasil com remontagens. Ainda em 1966, Ittala participou de um trabalho fora do Oficina: Senhor Puntilha e seu criado Matti, de Brecht, sob a direção de Flávio Rangel — desempenho que lhe proporcionou uma bolsa de estudos, por seis meses, em Paris, oferecida pelo governo francês.

De quem o povo gosta

Em 29 de setembro de 1967, O rei da vela, de Oswald de Andrade, reinaugurou, ao som de Yes, nós temos bananas, de Lamartine Babo, cheio de deboche e irreverência, o Oficina. A peça, escrita em 1933, ainda não havia sido encenada por ninguém.

O espetáculo rendeu muitos telefonemas de ameaças, mas foi sucesso absoluto de público, com uma receptividade maravilhosa da platéia, que aplaudia em cena aberta. " O rei era nosso melhor resultado, da produção à criação. Agora, era aguentar corajosamente os ataques da sociedade conservadora e da imprensa reacionária, além das investidas do CCC — comando de caça aos comunistas — e da polícia política em geral", escreve Ittala.

Um mês e meio depois da estréia, Ittala partiu para Paris com o objetivo de cumprir a bolsa de estudos que ganhara do governo francês, sendo substituída por Dina Sfat. Mas não ficou muito tempo afastada do Oficina, porque foi justamente nesse período que o grupo foi apresentar O rei da vela no IV Rassegna Internazionale dei Teatri Stabili, em Florença, Ítália, e no Festival Internacional des Juenes Compagnies, em Nancy, França, e ela atuou como Heloísa de Lebos, sua personagem na peça.

De volta ao Brasil, em junho de 1968, começou a ensaiar Poder negro, de LeRoy Jones, onde fazia o papel de uma prostituta que pertencia, segundo Ittala, a um desses clubes fechados de caça a alguma coisa. Ela era treinada para matar negros. Ficava em uma estação de metrô à espera de um negro para seduzi-lo e matá-lo. Isso, na frente de todos os que estavam na estação. Para essas pessoas foram feitas máscaras.

A peça estreou em agosto de 1968, mas ficou em cartaz somente por quatro meses. Foi escolhida por ser uma produção de custos baixos e assim, angariar fundos para montar Galileu Galilei, de Brecht, que estreou em dezembro de 1968.

Em Galileu…, Ittala fez Virgínia, a filha do cientista. Ela conta que uma das cenas mais aplaudidas é a da abjuração de Galileu. Nessa, Virgínia, no centro do palco, vestida de freira, reza a Ave Maria em latim, para que, ao lado, o pai renegue sua teoria. No mesmo instante, sob um outro foco de luz, os amigos de Galileu torcem para que ele seja forte e não renegue. A Ave Maria vai aumentando de volume, a tensão aumenta e culmina com o toque dos sinos, dizendo que Galileu renegou.

Aparece então o desespero dos amigos de Galileu e a alegria de Virgínia que, sem entender o fato histórico que vivia, vê o pai somente como um homem que se livrou de torturas. "Por ter sido alienada do processo histórico (pelo pai que demonstra preferir um filho homem e por isso divide suas experiências com o filho da governanta e não com ela. Ele não a considera inteligente), Virgínia passa a ser um alvo fácil do cardeal Inquisidor, e torna-se inocentemente espiã do próprio pai. Quando o cardeal percebe que a filha do grande cientista está ‘por fora’ do momento que o pai vive, encontra a presa inocente-útil. Brecht quer demonstrar que se a mulher for alienada do processo social, ela fatalmente se transformará em uma arma do poder", escreve Ittala em seu livro.

Palavras, gestos, canções e barricadas

Ittala explica que há dois tipos de tirania contra o povo: a violência e a alienação social, produtos do mesmo sistema divisório de uma sociedade classista, e isso é demonstrado por Brecht. "Galileu é uma peça que, além de falar do obscurantismo, fala de repressão, violência, interesses de cúpula, invasões e tudo isso que nós estávamos vivendo. O teatro é colocado como reflexão crítica da sociedade", continua.

Para se defender de um possível ataque do CCC, a turma do Oficina inventou uma grade de madeira ocupando todo o palco, que descia no fim da peça. Além de fazer parte do cenário, ela defendia os atores contra o CCC e dava o sentido da prisão de Galileu, que era, de certa maneira, a mesma do grupo. Ittala acrescenta que o CCC era uma das mais raivosas facções da época, à direita da burguesia, e que certamente seria defendida pela polícia, no caso de agressões. Durante o período em que Galileu viajou para ser apresentado no Rio, Ittala se afastou da peça, para fazer América do sexo, um filme composto de quatro episódios, cada um com um diretor: Luiz Rosemberg, Flávio Moreira da Costa, Rubens Maya e Leon Hirszman. Durante as filmagens conheceu André Faria, diretor de fotografia e ator, com quem viveu nove anos e teve seu único filho, Giuliano.

Após esse período Ittala voltou para Galileu … e já começou a ensaiar Maria Gargal, sua personagem em Nas selvas das cidades, de Brecht, a peça seguinte do grupo, em 1970. Falava da exploração do homem pelo homem e mostrava uma família inteira, os Garga, completamente desestruturada, quando tenta viver na selva das cidades.

"O cenário foi concebido para ser destruído todas as noites. O programa da peça era um jornal colocado dentro de um saco plástico, junto com serragem e lixo. O espectador, desde sua chegada ao teatro, sentia que não iria ver nenhum enlatado clean e bem acabadinho. O espetáculo foi um escandaloso sucesso", descreve Ittala em Teatro Oficina.

Naquele instante, o clima de perseguições aos intelectuais e artistas comunistas, e aos democratas de uma maneira geral — todos igualmente considerados malditos —, continuava pesadíssimo. "Em toda nação aprendia-se a ser cada dia piores, desconfiados, dedo-duros, falsos e mais pobres culturalmente. O medo da inteligência instalava-se como um vírus", escreveu. Durante a exibição de Nas selvas…, Ittala se afasta para filmar em Santos, SP, Juliana do amor perdido, de Sérgio Ricardo, com fotografia de Dib Luft, mas logo está de volta. Em excursão ao Rio, a peça deveria ficar somente quinze dias em cartaz, mas devido ao sucesso ficou dois meses. De volta a São Paulo acontece um grave acidente interno, que resultou na expulsão de um ator, e na interrupção do trabalho do grupo por três. Cada um foi para um lado.

… e os que prosseguem

Durante uma exibição de Nas selvas…, dois atores que deveriam pegar Maria Garga, personagem de Ittala, pela perna, fazendo-a girar, utilizaram uma tal violência que a atriz foi lançada na terceira fila do teatro, no meio da platéia, que a ajudou a se levantar. Com um imenso arranhão nas costas — uma cicatriz, bem menor, permanece até hoje — Ittala se dirigiu ao Zé Celso. Ele achou o fato natural, que Ittala era "fresca". Vendo que não tinha defesa, começou defender-se por si só, fazendo imenso escândalo.

Passado esse tempo, o grupo voltou, mas Ittala teve que ficar mais tempo ainda afastada dos palcos, porque aceitou filmar Os deuses e os mortos, de Ruy Guerra e Pindorama, de Arnaldo Jabor, ambos na Bahia. Além disso, sugeriu que o Oficina fizesse um filme, levando a "linguagem Oficina" para o cinema. André, seu companheiro, tinha um argumento cinematográfico já pronto, que o grupo leu e aprovou. Começaram a filmar Prata Palomares, mas, durante as filmagens, aconteceram desentendimentos entre Ittala e Zé Celso, o que culminou na saída de Ittala do grupo.

A situação já não vinha muito bem há algum tempo. Desde Galileu… Ittala estava insatisfeita com atitudes de Zé Celso. Eram divergências ideológicas e de comportamento. A gota d’água aconteceu durante as filmagens, porque — conta Ittala em seu Teatro Oficina — ele se comportava de maneira tirana no set de filmagem, não aceitando o combinado, de ser diretor dos atores, querendo ser diretor geral. A tensão aumentou, culminando com uma greve da equipe, situação apenas superada com a saída de Zé Celso do ambiente das filmagens.

Além disso, Zé Celso tomou uma decisão que não foi aprovada por Ittala: "Antes de iniciar as filmagens de Pindorama, ele nos comunica que havia convidado o Living Theather (grupo americano de teatro) para vir ao Brasil e trabalhar conosco. Todos acharam ótimo, e eu também, mas queria saber sob que condições eles viriam. Zé nos adianta que eles receberiam comida e estadia durante um mínimo de três meses, para se familiarizarem com a língua e o país. Eu fui contra. Não tínhamos condições de ter isso assegurado para nós, quanto mais criar essa infra-estrutura para outro grupo, formado por sete, oito pessoas. Eu me neguei a trabalhar para o Living, por mais geniais que fossem", escreve Ittala.

Além do Living Theather veio também o Grupo Lobo, da Argentina. Ittala disse que ninguém sabia onde eles ficariam e o grupo, que tinha seis componentes, acabou ficando em seu apartamento enquanto ela filmava na Bahia. Mas quando retornou, Ittala teve uma surpresa nada agradável: "Os Lobos haviam destruído meu apartamento; o Living estava destruindo o Oficina e Zé Celso ficava todo servil ao americano. Eu não gostava de ver isso", narra Ittala.

"Dei adeus definitivo ao grupo: coloquei um cartaz na porta do apartamento — Yankee, go home! (Ianque, volte para casa!) — e numa semana André e eu nos mudamos definitivamente para o Rio, a fim de dublar, montar e editar Prata palomares. Fernando, o segundo a deixar o grupo, saiu um ano e pouco depois de mim, Renato permaneceu com Zé mais três ou quatro anos", continua. Os três filmes — Os deuses e os mortos, Pindorama e Prata palomares — foram exibidos no Festival de Cannes, de 1971, sendo que Prata palomares teve o visto da censura para exportação negado. Mesmo assim, foi exibido em sessões privadas, o que lhe rendeu popularidade imediata: todos queriam ver o que o governo do Brasil proibiu.

Elevar e popularizar

Nos anos seguintes ao Teatro Oficina, Ittala continuou seu trabalho, nunca abandonando seus princípios, o de um teatro engajado, e diz que não saber fazer outro: "Me divirto muito com bons musicais, eu gosto de todos os tipos de peças, mas quando busco alguma para produzir, volto a minha temática, digamos que sou coerente com ela."

No momento, Ittala está em fase de produção do espetáculo DNA nossa comédia, falando de uma maneira engraçada sobre o que está acontecendo no momento com relação aos produtos geneticamente modificados e o desenvolvimento da ciência e a biotecnologia, em particular, englobando toda a política governamental e invasão imperialista. "Quando se fala em ciência, em desenvolvimento biotecnológico, se fala nisso tudo, porque está interligado", diz Ittala. Ela vê no teatro uma arma social. "É um lugar para fazer as pessoas pensarem. Não é para o espectador chegar e deixar a ‘cabeça na portaria’. Ele tem de entrar e pensar. Isso é o que está acontecendo com o DNA nossa comédia. É uma peça social no sentido em que faz as pessoas pensarem e conhecerem o que significa a biotecnologia. Semelhante, em certo sentido, a Galileu Galilei, do Brecht, porque revela que quando é opressiva uma sociedade, uma verdade científica tem que renunciar e ser renegada. Ela mostra que sem diálogo há uma intransigência e a população paga por isso", declara Ittala.

"Ja apresentei essa peça, no ano passado, em várias capitais brasileiras. Agora chegou a vez de Rio e São Paulo. Vou fazer primeiro no Rio. A peça foi escrita por Thiago Santiago e a cientista PHD em microbiologia, Leila Óda, nos deu os subsídios científicos", explica. Ittala tem o orgulho de dizer que nunca precisou mudar sua temática para trabalhar, até mesmo em novelas. "Faço somente quando tem um sentido interessante para mim. Em O direito de amar, meu personagem, Joana, a louca do sobrado, era muito intrigante. Tive que investigar muito a psicologia deste personagem. Depois, quando fiz Que rei sou eu?, meu personagem era uma cigana, dona da taberna, revolucionária. Posso dizer que fiz teatro, cinema e televisão com a mesma conotação e isso está ligado a mim", diz Ittala.

Uma outra alegria da atriz — que ganhou Notório Saber de Artes Cênicas — é trabalhar na área de educação. Durante vários anos ela coordenou o departamento de teatro da Faculdade da Cidade, hoje, UniverCidade. Agora reedita esse trabalho na Universidade Estácio de Sá: "Me interessa muito trabalhar na área de educação, inclusive estou lançando um livro, em agosto próximo, sobre a minha experiência na área educacional ligada ao teatro, chamado Teatro, começo até … ", finaliza.

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