O trabalhismo do capital burocrático

O trabalhismo do capital burocrático

Neste agosto de 2004, o imperialismo e seus lacaios comemoram cinqüenta anos da morte de Getúlio Vargas. Estas mesmas forças já renderam homenagens em 1o de abril aos quarenta anos da derrubada de João Goulart e, mais recentemente, saudaram o falecimento do doutor Leonel Brizola. As subsidiárias brasileiras do monopólio dos meios de comunicação se esmeram em destacar aspectos curiosos e episódicos de suas vidas, em conformidade com a estúpida doutrina do livre-arbítrio. Cuidadosamente se abstêm de fazer qualquer análise a respeito do contexto em que atuaram ativamente. Criam, assim, sem muito esforço, uma versão que tem o propósito de confundir principalmente os mais jovens que desconhecem inteiramente o papel que desempenhou cada uma dessas personalidades.

Não foram poucos os estudiosos que se esforçaram para dar uma correta interpretação do papel que cumpriu e a trajetória desenvolvida pelo trabalhismo no Brasil. Dentre estes estão Nelson Werneck Sodré —Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, Moniz Bandeira — O Governo João Goulart e René Amand Dreifuss — 1964: A Conquista do Estado, em quem podemos buscar elementos para realizar uma análise da teoria e da prática do trabalhismo.

Os fundamentos do trabalhismo

Antes mesmo de ingressar na sua etapa imperialista, o sistema capitalista, inicialmente na Inglaterra e depois no continente europeu, busca desagregar o movimento operário através da cooptação de suas lideranças para a ilusão parlamentar e para as benesses da burocracia sindical.

Nesta época, Marx e Engels já denunciavam o oportunismo dos chefes das Trade Unions inglesas, ávidos para ingressar no parlamento. Numa carta a Sorge, de 4 de agosto de 1874 Marx, se referindo aos chefes das Trade Unions afirma: “No que diz respeito aos operários urbanos (aqui na Inglaterra), é de lamentar que todo o bando de chefes não tenha entrado para o Parlamento. Seria o caminho mais seguro para nos vermos livres desta canalha.”

Para o trabalhismo, ter um partido político burguês como complemento dos sindicatos bem comportados era fundamental na busca de domesticação do proletariado. O saque permanente das colônias e semicolônias compensaria o investimento da burguesia com pequenas concessões quanto às condições de vida e trabalho da classe operária. O trabalhismo surge, então, com o objetivo de atuar nestes limites, sem questionar os fundamentos do sistema capitalista, tornando-se confiável para gerenciar o governo da burguesia depois de obter uma maioria parlamentar. No final do século XIX e início do século XX, muitos partidos operários adotavam o marxismo como guia, chegando a fundar a II Internacional como Associação dos Partidos Operários Sociais Democratas. Dentro dela surge uma ala revisionista que, nos anos que antecedem a Primeira Grande Guerra Mundial (1914 -1918), apoia as burguesias de seus países, aprovando no parlamento os créditos de guerra, transformando a classe operária e o campesinato em carne de canhão.

Esta traição levou Vladimir Ilitch Lenin a anunciar a falência da Segunda Internacional, afirmando, categoricamente, ser inócuo combater o imperialismo sem combater, simultaneamente, o oportunismo e o revisionismo.

Liquidação ou reestruturação

A Revolução de 1917 na Rússia e a construção da União Soviética modificam profundamente a correlação de forças entre a burguesia e o proletariado no mundo inteiro. E, após a Segunda Guerra Mundial, com o vertiginoso crescimento do campo socialista e do movimento comunista internacional, se fortalece na Europa o Estado de Bem Estar Social como tentativa de frear o avanço do campo socialista. Ele vai vigorar até o início dos anos 90, após a investida “neoliberal” de Margareth Tatcher e Ronald Reagan e quando Bush ,pai, dita as bases da “Nova Ordem” mundial.

Na primeira metade do século XX, no Brasil, as aspirações democráticas contagiavam as classes oprimidas levando-as à confrontação com o poder das oligarquias rurais, pela via militar. Canudos, Contestado, Caldeirão, Pau de Colher, a Coluna Prestes, o movimento militar da Aliança Liberal e o heróico levante dirigido pelo Partido Comunista, em 1935, são os exemplos mais notáveis.

As transformações operadas na base econômica da sociedade brasileira exigiam uma correspondência na super estrutura.

A caducidade do velho Estado feudal-burocrático, que consegue resistir incólume ao advento da República, exigia uma revolução que o liquidasse definitivamente.

Objetivamente, a situação estava amadurecida. Faltavam, porém, as condições subjetivas, ou seja, a direção revolucionária.

Neste período despontam dois setores que estarão no centro de todas as pugnas travadas neste século: a burguesia (industrial emergente) e a classe operária. Aparece também o que se convencionou chamar de camadas médias urbanas, cujo núcleo é formado pelo funcionalismo público.

1930: revolução ou golpe

O Movimento Tenentista, com o seu principal desdobramento, a Coluna Prestes — espetacular página da história militar brasileira— desprovido de um programa revolucionário, concentrava seus ataques a aspectos morais da prática oligarca, como o processo eleitoral corrupto. Fracassou, apesar de sua invencibilidade nos combates que travou.

O recém criado partido do proletariado (PCB) sem absorver o conteúdo do programa elaborado pela Internacional Comunista para os países coloniais e semicoloniais, ainda não dispunha das condições subjetivas para se alçar como dirigente do processo revolucionário.

Aqui é necessário deter-nos numa questão teórica que é fundamental para a justa compreensão do problema brasileiro, que é a questão do capitalismo burocrático — questão que a maioria dos estudiosos não compreendeu até hoje. E este está determinado pela época e condições em que se opera no capitalismo sua passagem da fase de livre concorrência à dos monopólios, ou seja ao imperialismo. Este fenômeno, que se dá nos finais do século XIX, modifica por completo o desenvolvimento do capitalismo no mundo e de forma particular nos países dominados, em que o processo desse desenvolvimento se acha bastante atrasado em relação aos grandes centros industriais (Europa e USA). A ação da burguesia no mundo estará doravante determinada não mais pela simples busca do lucro e a exportação de mercadorias. À exportação de mercadorias não somente se adiciona a exportação de capitais como esta passa ser principal e a busca passa a ser pelo lucro máximo. Para tal empreendimento nas condições monopolistas a política colonial de dominação torna-se uma premissa da ação da burguesia.

Assim, ao contrário do papel que jogou nos séculos XVIII e XIX, em que liquidou-se o feudalismo e todas as formas pré-capitalistas de produção, bem como as instituições que as correspondiam, a burguesia passa a agir sobre os países atrasados, não no sentido de destruir as relações arcaicas e feudais, senão que para as conservar e se apoiar nelas para impulsionar o desenvolvimento do capitalismo ali. Isto engendrará um processo deformado, dando origem a um capitalismo de tipo burocrático que se nutre exatamente do atraso e submetimento da nação sobre a qual exerce sua ação.

Nesse processo de dominação e exploração se conformará uma burguesia lacaia e servil, visceralmente atada ao imperialismo. Essa burguesia nativa (grande burguesia), em função de sua base de acúmulo, da origem de suas atividades e do desenvolvimento da luta política pelo poder se diferenciará em duas frações. Uma compradora (principalmente comercial e financeira) e mais antiga, e a outra propriamente burocrática (principalmente industrial), ambas atadas ao latifúndio, internamente, e ao imperialismo, externamente. Além disso, surge e se desenvolve uma média burguesia, bastante débil economicamente, submetida à grande burguesia e ao imperialismo, esta sim, genuína burguesia nacional.

A burguesia industrial (fração burocrática), submissa e associada ao imperialismo, dependente dele, tanto em capital como em tecnologia — principalmente dos EUA, que após a primeira Grande Guerra avança sobre o velho domínio inglês —, não tem nem disposição e nem interesse de fazer uma revolução. No entanto, necessita de urgentes transformações que possibilitem uma recomposição do núcleo dirigente do Estado. Tomar o Estado como instrumento para alavancar seus capitais. É isto que a faz lançar-se numa luta de frações em busca da hegemonia do aparelho de Estado, surgindo daí o movimento da Aliança Liberal que, golpeando a fração da burguesia compradora— que juntamente com as oligarquias rurais centralizavam o poder de Estado—, dividindo as forças do latifúndio, recebendo o apoio do imperialismo ianque e pronunciando um discurso populista, toma o poder tendo à frente Getulio Vargas, ex-ministro da fazenda do governo oligarca derrubado.

Num jogo de pressões e contra- pressões a burguesia burocrática assume a hegemonia do Estado brasileiro dividindo-o com a burguesia compradora e com o latifúndio, mantendo assim o caráter semicolonial deste Estado.

Trabalhadores do Brasil…

A industrialização do Brasil é mais o resultado de um processo exógeno do que o desenvolvimento interno de uma burguesia industrial, cujas poucas iniciativas foram reprimidas, nos tempos de domínio inglês. Como exemplos, são bem conhecidos, os episódios de Delmiro Gouveia e de Mauá. Getúlio atua como um quadro da burguesia burocrática, empregando todas as suas habilidades para tirar proveito de situações como a depressão de 1929, as contradições entre Inglaterra e USA e de ambos com a Alemanha hitlerista.

Enquanto acenava para os trabalhadores com a CLT, enaltecida em seus discursos sempre iniciados com o bordão “Trabalhadores do Brasil…”, simultâneamente, reprimia as lutas classistas combativas e o Partido Comunista, através do sanguinolento Filinto Müller.

Alternando as frações

A admiração do mundo inteiro diante das proezas dos comunistas no enfrentamento da besta nazista apavora os reacionários. Como estratégia contra-revolucionária surge, então, a “guerra fria” e o “perigo vermelho”.

Os generais do Pentágono usam os generais aliados para impor governos militares ou militarizados. Assim, derrubam Getúlio e a fração burguesa burocrática, impondo a hegemonia da fração compradora de forma a facilitar mais a aplicação das políticas que melhor lhes atendia no período imediato à guerra. Esta atitude do império se explica pela necessidade de escoar os saldos de guerra e toda uma sorte de quinquilharias, justamente quando o Brasil tinha um grande superávit na balança comercial com o USA. Dutra e Café Filho se prestaram bem a este papel. Rapidamente foram liquidadas as nossas reservas.

A volta de Getúlio como presidente eleito (1950) se dá numa situação mundial bastante agitada: vitória da Revolução Chinesa, avanço das forças populares na Coréia e no Vietnã e, por outro lado, o auge do macarthismo* nos USA. Tudo isso tinha a sua repercussão nos dois lados da luta de classes no Brasil. Enquanto o movimento de massas crescia e colocava na mesa as suas reivindicações, o império pedia sangue. O trabalhismo entra em crise porque as exigências do imperialismo não deixavam nenhuma margem de manobra para que Getúlio fizesse uma média com os trabalhadores e a nação. Cada vez mais criava-se o fosso entre o seu discurso e a sua prática. Ao tão propagado título de “pai dos pobres” foi adendado “e mãe dos ricos”.

A criação da Petrobrás com a entrega do “filé” da distribuição para as “sete irmãs”; a nomeação de Jango para ministro do trabalho e, depois, a sua destituição a pedido de oficiais do exército, são exemplos que muitos, ainda hoje, atribuem, ora à esperteza, ora à vacilação. Esta postura, por outro lado, não servia ao imperialismo, ao latifúndio, à burguesia compradora, nem à parte da burguesia burocrática que lhe “puxou o tapete”, abrindo caminho para o golpe ao qual respondeu com o suicídio.

Seus defensores dizem que o suicídio adiou o golpe por dez anos. O que é apenas parte da verdade, pois o que o suicídio evitou foi uma tomada de posição mais radicalizada contra o imperialismo e as classes reacionárias no país. Getúlio vacilava, não estava disposto a favorecer as classes populares. Ele poderia ter entrado para a história liderando um movimento pela independência nacional, armando o povo para a resistência e castigando severamente os traidores da Pátria. Bom, mais aí não seria mais o trabalhismo, seria outra coisa…

Ao imperialismo só interessa o serviçal por inteiro. Juscelino cumpriu todo o seu mandato e o império coloca Jânio na presidência trazendo consigo a marca da vacilação. Sendo, portanto, descartado por uma tentativa de golpe que só será barrado pela ação firme e decidida de Leonel Brizola, que lidera um movimento cívico-militar, convocando a nação, através da Cadeia da Legalidade, a resistir, garantindo, assim, a posse de João Goulart.

Jango era um burguês-latifundiário esclarecido, formado na escola getulista e seu herdeiro político com o trabalhismo, havendo, portanto, criado profundas raízes no movimento sindical pelego, sendo eleito, em 1955, Vice-Presidente da República na chapa de Juscelino, comprovando sua popularidade e o prestígio que granjeara principalmente junto às massas urbanas. Para manter o seu vínculo com os trabalhadores e com a herança getulista, Jango procura se diferenciar de JK, apoiando greves e até mesmo elencando um conjunto de propostas já apresentadas ao Congresso Nacional e pressionando por sua aprovação. Estas proposições giravam em torno das relações de propriedade, controle do capital externo, relações trabalhistas e distribuição de renda, sendo que Jango as complementaria com duas propostas de alteração na Constituição para a realização da Reforma Agrária e para redistribuição dos recursos da União com estados e municípios.

Derrotado o parlamentarismo, Jango ensaia os primeiros movimentos para implementação das Reformas de Base, implantação da Eletrobrás, criação do Conselho Nacional de Telecomunicações e da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Ao mesmo tempo reabre relações diplomáticas com a União Soviética e com a República Popular da China e, para completar um quadro de política externa independente, se nega a apoiar as medidas punitivas de Kennedy contra Cuba. Vale salientar que a Revolução Cubana provocou profundas repercussões nos dois lados da luta de classes, tanto a nível internacional como dentro de cada país, principalmente os da América Latina, como o Brasil, cujas classes exploradas passaram a ver no modelo cubano a possibilidade de sua libertação. Isto exigiu do imperialismo ter que reforçar sua guarda e partir para uma política de exigência de fidelidade canina a todos os governos da esfera de seu domínio. Eis, então, o quadro que se desenhava naquele momento:

As Ligas Camponesas tomavam as terras, principalmente no nordeste e no centro-oeste, exigindo a Reforma Agrária na “lei ou na marra”; a classe operária atropelava os pelegos e, organizados no CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e no PUA (Pacto de Unidade e Ação) partia para greves cada vez mais massivas na defesa de sua reivindicações; os estudantes com a União Nacional dos Estudantes e o CPC — Centro Popular de Cultura — colocavam as ciências e as artes como instrumento de politização, esclarecimento e de agitação, transpondo os muros da universidade e se juntando aos operários, aos camponeses e ao povo em geral: a luta de classes chegava aos quartéis mobilizando soldados, cabos e sargentos. Brizola, buscando cada vez mais levar o PTB para a esquerda, fazendo de seu governo o pólo avançado da luta antiimperialista, tomava a iniciativa e encampava a subsidiária da American Foreign Power (Bond & Chare), desapropriava os bens da subsidiária da ITT no Rio Grande do Sul e ainda as terras das Fazenda Sarandi e Camaquã.

Pelo lado da contra-revolução o latifúndio se armava com armas trazidas pela CIA; O IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas Estudos Sociais) montavam a mais espetacular estrutura de corrupção, chantagem, suborno e desinformação que se tem notícia na história do país. Parlamentares, técnicos, jornalistas, empresários e lideranças operárias, camponesas, estudantis, femininas e comunitárias foram alvos da investida destes órgãos que não regateavam ofertas de dinheiro desde que a finalidade fosse enfraquecer as forças progressistas em movimento no país.

A alta oficialidade das forças armadas, através da Escola Superior de Guerra, estava em ligação direta com os generais do Pentágono, recebendo instruções de como levar adiante o plano de derrubada de Jango, plano este que passava pela infiltração de pelo menos cem mil “boinas verdes” em regiões estratégicas para a ação golpista. Os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de São Paulo, Ademar de Barros, também em linha direta com a embaixada americana, conspiravam abertamente contra o governo, usando os chavões da “guerra fria” do “perigo vermelho”, do “ouro de Moscou”, da “república anarco-sindicalista”, do “ateísmo”, numa propaganda contumaz para a qual além dos dólares do USA (governo e empresas) se faziam coletas entre os latifundiários e o empresariado, seja da burguesia compradora, seja da burguesia burocrática.

Trabalhismo, Brizola e burguesia

Com o movimento de 30, fracassa a via militar com a qual a aspiração burguesa nacional esperava estabelecer o Exército Nacional como seu partido político para realizar as transformações econômicas e políticas que almejava. O PTB e o trabalhismo, criado por Getúlio, vão cada vez mais se firmar como o caminho político para a burguesia nacional, que revela todo o tempo as vacilações e tibiezas próprias da sua natureza. Aqui é necessário esclarecer que a burguesia nacional (média burguesia), que como assinalamos acima, é débil, tem uma natureza dualista, o que a torna extremamente vacilante. Tal natureza tem origem na situação de ser oprimida pelo imperialismo e toda a grande burguesia e por outro lado, temer a classe operária, a quem também explora, e a revolução popular. A burguesia nacional no Brasil oscilou sempre entre a posição de se aproximar das massas populares e a de se comprometer e se envolver politicamente com a grande burguesia. Suas lideranças mais expressivas serão expressão desta oscilação revelando, ao longo do processo histórico-político, posições de direita, centro e esquerda.

Incapaz de assumir um caminho de aliança sólida com a classe operária, os camponeses e a pequena-burguesia, o que implicaria em adotar um programa que, ainda que reformista, tratasse de responder a fundo os problemas democráticos chaves e pendentes, como a questão agrária e a independência nacional expressos numa forma estatal democrático-popular que assegurasse essas transformações, optou em todas as oportunidades surgidas entre a renúncia à luta e a posição de se submeter aos projetos do imperialismo, manejados internamente pela grande burguesia (principalmente se aliando ás promessas ilusórias de “desenvolvimentismo” da fração burocrática). Isto a caracteriza como uma trajetória de vacilação que se traduz como rendição à teoria da subjugação nacional, segundo a qual, para a nação se livrar do domínio de uma determinada potência, deve aliar-se a outra. Donde se conclui que entre as diferentes potências há más e boas. Aquelas a quem devemos nos opor e as que devemos nos aliar, o que significa submeter-se às mesmas.

A burguesia nacional — enquanto fenômeno na época do imperialismo, como demonstra todas as experiências dos países dominados —, dado a sua natureza e sua conduta política, no processo de luta política, se divide em três alas: uma ala de direita, uma de centro e outra de esquerda. Caracteriza-se assim por uma trajetória pendular, que no fundamental tem servido mais à reação toda vez que não existe um forte movimento popular — particularmente do campesinato — vertebrado e dirigido pela classe operária através de seu partido revolucionário. E desde que este partido seja verdadeiramente revolucionário. Já Lenin afirmava em 1905 que era preciso que a classe operária tivesse uma ação firme na revolução democrática, capaz de atrair o campesinato para seu lado e paralisar a instabilidade da burguesia. Posteriormente, o Presidente Mao Tsetung confirmou, com a revolução chinesa que, na época do imperialismo, a revolução democrática só pode ser levada a cabo sob a direção da classe operária através de uma frente única revolucionária, baseada na aliança operário-camponesa em união com a pequena e a média burguesia, particularmente sua ala esquerda e através da luta armada.

No caso brasileiro correspondia a estas três alas as lideranças de Getúlio à direita, de Jango ao centro e de Brizola à esquerda. Getúlio oscilou entre a direita e o centro, inicialmente serviu à fração burocrática da grande burguesia, se submetendo ao imperialismo. Posteriormente lançou mão do nacionalismo e desenvolvimentismo para retornar ao poder de Estado e vacilou na hora do confronto chave, suicidando-se e renunciando à luta em defesa de posições nacionalistas. Jango, ao centro, atravessou e venceu as primeiras dificuldades, aliando-se mais com o movimento popular, acenando com reformas mais profundas. Terminou vacilando na hora decisiva do embate, renunciando à luta.

O Dr. Brizola, como representante mais destacado da ala esquerda, foi sempre mais afirmativo e mais firme. Suas posições sempre foram de levar a luta até o fim como demonstrou nos anos 60, por isto granjeou mais respeito da classe operária e das massas populares brasileiras e se tornou um dos mais odiados inimigos da reação e do sistema imperialista no Brasil. Mesmo não assumindo mais posições revolucionárias, seguiu sendo combatido, vide a perseguição e bombardeio que sofreu por parte do arqui-reacionário Roberto Marinho. Mas, não fugindo à regra, por efeito talvez dos longos anos de reação e por falta de referência revolucionária, dado à carência da ação de um verdadeiro partido revolucionário da classe operária, por final, perdeu a perspectiva de aliança com ela no sentido de aceitar sua direção política e ideológica. Brizola se rendeu às armadilhas do imperialismo e suas vias “institucionais e democráticas” para a conquista do poder de Estado para o povo e a libertação nacional. O Dr. Brizola foi um patriota e democrata, sem sombra de dúvidas. Até então, o representante mais coerente da burguesia nacional genuína no Brasil; expressou suas virtudes mas também seus pecados.

O Populismo

A expressão “populismo” tem suas origens históricas em movimentos de caráter pequeno burguês na Rússia e no USA, na segunda metade do século XIX. Provavelmente, o caso russo seja o que mais contribuiu para o surgimento do termo, pelo fato de que os intelectuais da cidade vestiam-se de camponeses e iam ao campo levantar as massas camponesas contra o czarismo. Tanto na Rússia quanto no USA a base econômica do populismo era uma reação à penetração do capitalismo e do sistema financeiro no campo.

Os populistas combatiam o capitalismo, mas, na medida em que propugnavam um socialismo idílico, de base camponesa, caíam na utopia.

Vladimir Lenin apontou a falta de base científica deste tipo de socialismo, embora tenha ressalvado que a disposição de luta dos camponeses sob a direção do proletariado seria fundamental para a construção de uma verdadeira sociedade socialista.

Na década de trinta do século passado surge na américa latina um fenômeno que, nos seus aspectos aparentes, se caracteriza pelo surgimento de lideranças carismáticas com forte apelo popular, conquistado mediante “concessões”, principalmente às massas urbanas. Este fenômeno, porém, é, em essência, uma política da burguesia imperialista em geral e, particularmente, da fração burocrática da grande burguesia nativa, engendrada nos países semi coloniais para atuar como serviçal do imperialismo.

A necessidade de acelerar a exportação de capitais, ampliando mercados, se apoderando das fontes de matérias primas, aumentando a extração de mais valia para obtenção de super lucros, leva o imperialismo a decidir transferir as plantas industriais para as semi colônias. Por outro lado, a consolidação do socialismo na União Soviética era uma ameaça que precisava ser enfrentada pelo sistema capitalista com uma política que atraísse a classe operária, impedindo a sua polarização pelo modelo socialista.

Surge, então, o fascismo, caracterizado pelo forte apelo à mobilização das massas, pela demagogia e pela mistificação, organizando a sociedade em bases corporativas, com a imposição de regimes de governo autoritários (nazismo).

Estas foram as condicionantes das quais se extraíram os elementos para uma política a ser aplicada pela burguesia burocrática, seja no caso brasileiro, argentino, mexicano ou de qualquer outra semi colônia, implicando no aumento da dívida externa, principalmente diante da desenfreada remessa de lucros que, lógicamente, só poderia ocorrer sob um regime de forte repressão sobre a organização sindical e partidária da classe operária.

Com o final da II Guerra Mundial e a vitória sobre o fascismo surge uma tendência que vai entrar em contradição com a política traçada pelo imperialismo para as semi colônias: o nacional reformismo.

Isto, porque o proletariado e as massas urbanas passam a ocupar um espaço cada vez maior na cena política, levando a burguesia burocrática a, em determinados momentos e de forma vacilante, fazer a defesa de interesses nacionais e democráticos.

Denominar de populismo ao período histórico de 1930 a 1964 é, portanto,comparar situações de natureza diferente, pois o getulismo de 30 a 45 era a política do império para as semi colônias (fascismo), já o getulismo/janguismo/brizolismo do pós-guerra era a resposta possível da burguesia burocrática à mobilização crescente das massas (nacional reformismo).


*Macarthismo: Movimento iniciado no USA em 1951 pelo senador Joseph McCarthy (1908-1957), caracterizado pela perseguição a pessoas acusadas de ser simpatizantes do comunismo e de realizar atividades anti-ianques. Essa perseguição atinge cerca de 6 milhões de estadunidenses. Entre eles destaca-se o casal Julius e Ethel Rosenberg, que, acusado de passar o segredo da bomba atômica aos soviéticos, é executado em 1953 na câmara de gás.
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