Compositora, cantora, instrumentista e poeta, a mineira Milena Torres é mais uma artista que faz um trabalho de música com responsabilidade, ligado à cultura popular e o belo, sem se preocupar com “mercado”. Oriunda do Vale do Jequitinhonha, cidade de Almenara, lugar de muita pobreza e, ao mesmo tempo, riqueza cultural intensa, Milena se preocupa com a expressão, a mensagem, a poesia de suas letras e, também, com a valorização dos ritmos brasileiros.
— Toda minha família é do Vale. Meu pai é de Jacinto e minha mãe de Rubim. Almenara é uma das maiores cidades da região. Sou de uma família bem grande, a penúltima de 16 irmãos, e minha lembrança mais remota da infância são cenas de uma casa com muita música. Durante a semana, eu era acordada para a escola com minha mãe cantando. Já no tanque, deixando roupa de molho, ou na cozinha, terminando o café, ela embelezava a manhã. E quando eu chegava ela ainda estava cantando. Ela é minha maior referência nesse quesito cantar — lembra Milena.
— Meus irmãos tinham gosto musical bem diferenciado e cada um colocava para tocar aquilo que apreciava, só música boa. Isso me proporcionou entrar em contato com uma grande diversidade de gêneros. Tivemos uma educação muito decente e eu, particularmente, tive a música como um instrumento de educação na minha vida — afirma.
— O desejo de cantar começou desde criança, fazendo parte das brincadeiras diárias. Me trancava no quarto, vestia roupas bonitas, arrumava uma enceradeira, ou alguma coisa que pudesse forjar um microfone, e segurava uma vassoura para fazer violão — recorda com alegria.
Milena ganhou seu primeiro violão aos onze anos de idade, presente da mãe, e com ele surgiu a primeira inspiração para compor.
— Na minha rua, sempre se reuniam os amigos para tocar e eu achava que eu era tímida, que eu precisava de um violão para soltar a voz. E foi mais que isso, logo comecei a compor. Primeiramente, observando cenas que aconteciam dentro de minha casa e traduzindo-as em verso. Minhas letras são, basicamente, autobiográficas. Procuro transformar uma vivência em poesia, metaforizando algo que aconteceu e inspirou a escrever — explica.
— A partida do sentimento de compositora que me leva ou é uma experiência pessoal de amor, ou parte muito da experiência dos outros. Às vezes, um amigo, ou uma pessoa que encontramos pela primeira vez, resolve desabafar sobre alguma agonia ou algum dilema e aquilo é transformado em letra, não ficando só para uma pessoa, e sim virando poesia. Há pouco mais de 10 anos, escrevia mais sobre mim. Mas, agora, tudo é motivo — acrescenta.
— Sempre faço letra e música, a maioria ao mesmo tempo. E também tenho me arriscado pelo caminho da poesia. Mas, ainda não editei nada, apesar de ter bastante material. Aconteceu naturalmente: estava escrevendo e, de repente, constatei que era uma poesia e outras foram surgindo — continua.
Raiz cultural influente
Apesar de morar há bastante tempo em Belo Horizonte, Milena diz que Almenara é determinante na formação da sua personalidade e música.
— Trata-se de uma região muito pobre financeiramente falando, mas muito rica pela beleza natural e cultural. É um povo simples que tem um traço de alegria muito bem resolvido. Fiquei muitos anos sem ir a Almenara e quando retornei tive essa certeza, essa sensação gostosa que expressa o quanto foi bom ter nascido lá, reencontrando inspiração em mim — expõe.
— O fato de ser do Vale determina uma força. Tem uma letra que comecei a escrever sobre Almenara dizendo isso: ‘comer farinha pra mim nunca foi miséria, sempre foi diversão, o problema é quando as pessoas dessa terra não têm farinha nem pra comer com a mão’. Então é um povo bonito que entende a vida de uma forma que eu também entendo: simples, mas com sutilezas, bondade e igualdade. Até hoje por lá, se uma pessoa tem dois pratos de farinha ou duas xícaras de açúcar, doa um sem esperar retorno — continua.
— Herdei isso muito forte, além do tipo de voz que é característico do sertão, como definiu meu professor de técnica vocal. Mas, sobretudo a força de viver e o fato de não trazer a pobreza como um tabu, uma barreira para se deixar de ir atrás de sonho. Só faço a música que quero, independente de dizerem que não dá dinheiro. Nunca adaptei minha personalidade e nem minha música para o mercado. Faço de dentro para fora e não pretendo mudar — afirma com convicção.
Milena diz que é difícil definir um gênero para sua música, preocupando-se somente em fazer música com um compromisso com a qualidade.
— Se tiver que definir minhas música então digo que o que faço é canção. E não sou uma compositora que trabalha por encomenda, e sim que faz um trabalho espontâneo onde aparece as muito boas influências musicais que fui ganhando ao longo da vida. Dessa forma faço minhas músicas românticas e também dançantes. É um samba canção, um baião, um maracatu, e muitos outros. Gosto de afirmar que meu trabalho gira em torno da qualidade do texto, e os ritmos nascem naturalmente — comenta.
— Sou uma mulher com definições muito fortes, até abreviei uma palavra para me autodefinir, que é OCANII: Olhos de Caboclo, cabelo de Negro, e Instinto de Índio. São matrizes familiares, que integram esse nosso Brasil — diz.
Em 2008 gravou um CD somente para divulgação, não sendo comercializado, mas que teve grande repercussão. Atualmente está preparando o primeiro disco com distribuição comercial, que deverá ser lançado ainda este ano.
— Atualmente estou com o projeto musical Milena Torres bem acompanhada, que reúne diferentes formações de palco que vai desde o duo de violões a uma grande reunião de amigos músicos que destacam as canções que componho há mais de vinte anos. São diferentes ritmos e sonoridades, aparecendo um pouco da minha vivência e das muitas influências de uma vida inteira de música — comenta, acrescentando que tem se apresentado bastante.
Para contatar Milena Torres: [email protected]