Veja a que ponto de desfaçatez a dobradinha entre a ONU e o imperialismo chegou: o grupo de trabalho das Nações Unidas sobre a utilização de mercenários quer agora que os países-membros aprovem uma legislação internacional para regularizar o "trabalho" das firmas de assassinos que atuam mundo afora a serviço principalmente do USA e da Grã-Bretanha, chamadas pelos doutores da ONU de "empresas de segurança".
Há algo de novo nesta história. Até pouco mais de um ano, os membros deste mesmo grupo de trabalho não se referiam às firmas de recrutamento de mercenários através de eufemismos. Muito pelo contrário: denunciava-se seus assassinatos, torturas e abusos cometidos principalmente no Iraque e no Afeganistão e a serviço da ofensiva de aniquilação movida pelo USA contra os povos destes países.
A mudança de linguajar – assim, talvez, como a do presidente do grupo de trabalho da ONU – acompanhou a mudança de atitude, que passou da denúncia das "tropas que por dinheiro servem na guerra a um poder estrangeiro" à tentativa de regularização das "empresas de segurança" ianques e britânicas.
Hoje, o atual presidente do grupo, o russo Alexander Nikitin –que substituiu o espanhol José Luis Gómez del Prado – alega o seguinte para justificar o esforço para transformar os mercenários em combatentes legítimos perante o Direito Internacional: "Temos que ser realistas, estas empresas existem e são uma expressão da sociedade atual. Simplesmente devemos definir quais são as linhas que não devem ser atravessadas, para prevenir as violações dos direitos humanos".
A conversa de que "temos que ser realistas" não cola. Fosse assim, seria o caso de a ONU tentar regulamentar também a atuação das milícias assassinas que tomaram conta de determinados bairros do Rio de Janeiro, por exemplo.
A nova disposição da ONU não é uma questão de mérito jurídico. Esta mudança de postura quanto à atuação internacional de firmas de mercenários reflete a importância que elas vêm assumindo para o empreendimento imperialista, cujos exércitos vêm enfrentando profundas dificuldades nos campos de batalha em que se meteu ultimamente.
À bem da verdade, a atuação dos mercenários só começou a suscitar comentários condenatórios por parte das Nações Unidas quando, no dia 16 de setembro de 2007, assassinos de aluguel contratados pela firma ianque Blackwater chacinaram 17 iraquianos em Bagdá. Mesmo assim, as reprimendas da ONU seguiram a linha de sempre: a do falatório inconsequente, impotente e demagógico.
Mais tarde, no final do ano passado, começou em Washington o julgamento dos cinco mercenários que abriram fogo numa região movimentada de Bagdá. Pesam sobre eles as acusações de homicídio e tentativa de homicídio. Merecem ir em cana, mas não se pode perder de vista quem colocou as armas automáticas em suas mãos. Afinal, estavam fazendo o trabalho para o qual foram contratados, ou seja, atividades contra-insurgentes. Mesmo assim, até agora não pesa acusação alguma contra a Blackwater e a administração ianque.
Enviados para a América Latina
No entanto, é graças a este esmero da ONU para atender os interesses do imperialismo que algumas informações importantes agora vêm à tona, principalmente para nós, latino-americanos.
Está aumentando a área de atuação destas firmas de mercenários na América Latina. Elas chegam a ser contratadas para fazer seu trabalho de intimidação e assassinato em cidades mineiras, em fronteiras, prisões e até a pretexto de ajuda humanitária. É a soberania dos países do continente descendo pelo ralo.
O caso mais crítico é o da Colômbia. São 25 empresas estrangeiras de "guardas de segurança", como gostam de dizer os senhores da guerra do USA, que é seu verdadeiro patrão – em dobradinha com a administração de Álvaro Uribe. São 800 mercenários atuando em território colombiano sob comando do imperialismo, ainda que de forma terceirizada, por assim dizer. Na Colômbia atua até mesmo um comando de mercenários israelenses, formado por ex-soldados do exército sionista.
Tudo sob o pretexto do combate à fabricação e ao tráfico de drogas, mas não apenas. Outra variante dos serviços prestados por mercenários estrangeiros na Colômbia é o trabalho de guarda-costas de empresas multinacionais de petróleo e mineração, às quais o governo Uribe vem entregando de mão beijada os recursos naturais que pertencem ao povo colombiano. Este tipo de atuação das firmas de mercenários também acontece no Peru e no Equador.
Um outro aspecto da presença destas firmas na América Latina diz respeito ao recrutamento que vêm fazendo entre os povos da região para atuação em outras partes do mundo. A maioria das companhias de mercenários – 80% – são ou ianques ou britânicas, mas grande parte dos seus contratados vêm de países pobres. Há três mil latino-americanos fazendo este trabalho sujo no Iraque, a maioria chilenos, peruanos, colombianos e hondurenhos. Só de colombianos, são 500.
A utilização de mercenários pelo imperialismo dá algumas vantagens aos países agressores. A primeira delas é que eventuais baixas entre estes assassinos de aluguel passam despercebidas pela chamada "opinião pública", evitando assim para as administrações beligerantes o contratempo dos clamores populares provocados pela morte de jovens recrutas das suas forças armadas.
Em segundo lugar, os países imperialistas não precisam responder pelos atos dos funcionários de "empresas de segurança". O USA vai além, e chega mesmo a garantir a total impunidade das companhias de assassinos que lhe prestam serviços no exterior.
Na Colômbia, por exemplo, os assassinos terceirizados por Uribe e pelos ianques têm imunidade diplomática, o que os exime do alcance das leis colombianas.
A ONU aprovou em 1989 a "Convenção Internacional contra o Recrutamento, a Utilização, o Financiamento e o Treinamento de Mercenários". O USA não está entre os 30 Estados que ratificaram o documento. Agora, instrumentalizada pelos poderosos, a própria ONU está prestes a legalizar as "corporações militares privadas". Uma vergonha que o povo deve tomar conhecimento e denunciar.