O juiz Átis Araújo de Oliveira não descansa de seu afã de perseguir o movimento camponês da região do Pontal do Paranapanema. Até junho de 2003, 23 prisões decretadas por ele contra lideranças camponesas da região haviam sido derrubadas por instâncias superiores, o que não o impediu de dizer aos representantes do Movimento dos Sem Terra (MST) que, quantas prisões fossem revogadas, outras tantas seriam decretadas.
Em sentença proferida pelo juiz no dia 10 de setembro, são condenados 11 camponeses: Diolinda Alves de Souza, Roberto Rainha, José Eduardo Gomes de Moraes, Manoel Messias Duda, Zelito Luz da Silva, Sérgio Pantaleão, José Rainha Junior, Valmir Rodrigues Chaves, Felinto Procópio dos Santos, Márcio Barreto e Cledson Mendes. As condenações são por formação de bando e quadrilha e a pena para todos foi fixada em dois anos e oito meses de prisão, ficando os camponeses impedidos de recorrer do julgamento em liberdade.
O texto da sentença é revelador de que as prisões tem caráter político, apesar das declarações do sr. juiz de que se utilizou de critérios técnicos. Na sentença, o juiz condena os camponeses por terem algum parentesco com José Rainha ou por comporem a Cocamp (Cooperativa dos Assentados em Reforma Agrária do Pontal). Não são apontados na sentença os supostos crimes cometidos pelos camponeses ou atos que implicassem a participação em algum crime.
No trecho referente a Roberto Rainha, por exemplo, lê-se: “O réu Roberto Rainha é o irmão de José Rainha (líder máximo), sendo que de nada adiantaria tal acusado negar qualquer vinculação com o movimento, pois é óbvio que as têm. Vive junto com o líder máximo. É claro que esse esforço, tanto desse réu, quanto do principal líder José Rainha em lhe dar suporte material é para ter a seu lado pessoa de mais estreita confiança (irmão) e devidamente instruída.”
Referindo-se a Sérgio Pantaleão, o juiz diz: “O réu Sérgio Pantaleão, apesar de negar ter qualquer ascendência no movimento, é desmentido por ele mesmo quando concede entrevista como coordenador regional e responsável pela mudança do acampamento de um local para outro. Informando, contudo, que está nas fileiras do movimento há cerca de três anos.”
“O réu Valmir Rodrigues Chaves faz parte do MST há dez anos e é o presidente da Cocamp.” Como se ser presidente de uma cooperativa de produção fosse um crime. Para os latifundiários e esse juiz seu servidor deve ser, pois, uma vez organizados e produzindo, os camponeses ameaçam a existência do latifúndio.
Segundo Patrick Mariano Gomes, um dos advogados que defendem os camponeses, a promotoria e o juiz lançam mão da teoria alemã (que não é usada no Brasil) chamada do “domínio dos fatos”, segundo a qual os líderes são considerados capazes de controlar a ação das massas e, portanto, são responsáveis pelas mesmas. Daí, não importa que o suposto crime não tenha sido cometido pelos “réus”: estes são responsáveis pelas ações de outrem. Com certeza os acusadores pensam que criminalizando e encarcerando as lideranças camponesas estarão também aniquilando os movimentos de luta pela terra. Não suspeitam que a tendência é de crescimento dos movimentos e sua radicalização, uma vez que, cada dia mais, se agudizam as contradições entre latifundiários e camponeses.
Como José Rainha, sua esposa e seu irmão, Roberto Rainha, estão presos, existe a preocupação de que o juiz, em sua perseguição desenfreada, determine que seus filhos, João Paulo e Sofia, sejam enviados à Febem, ainda mais depois que João Paulo declarou à imprensa ter orgulho de seus pais.
Antes da condenação de 10 de setembro, José Rainha já havia sido condenado a iguais dois anos e oito meses de prisão por porte ilegal de arma. Rainha foi preso em 2002, acusado de estar portando uma espingarda calibre 12. Na ocasião, o motorista do carro em que Rainha viajava de carona disse ser o dono da arma, mas o líder do MST é que foi preso e, agora, condenado pelo “crime”.
Esta sentença se soma à de 10 de setembro e Rainha ainda aguarda o julgamento de cerca de oito processos em Teodoro Sampaio. A julgar pela disposição do sr. juiz, será condenado em todos. Entretanto, o responsável por atirar em José Rainha em 2002 continua solto.
Presos desde 11 de julho deste ano, Rainha e Felinto Procópio permaneceram, primeiro, na Penitenciária II de Presidente Venceslau. Depois, sob pretexto de que estariam sendo ameaçados por outros presos, foram transferidos para o Centro de Reabilitação Penitenciária de Presidente Bernardes, o presídio de maior segurança do país, onde ficaram separados e praticamente incomunicáveis. Não podiam portar objetos de uso pessoal, como livros e textos, e circulavam no presídio com pés e mãos algemados, além de não receberem visitas.
A ameaça, segundo o departamento jurídico do MST, tinha procedência, mas isso não justifica que os camponeses tenham sido “protegidos” dessa maneira.
Por último, os camponeses foram transferidos para o presídio de Dracena, também no interior de São Paulo, onde permaneciam até o fechamento dessa edição.