Metalúrgicos de São Paulo e do Paraná vão à greve contra a exploração e em defesa de seus direitos. Mesmo à revelia de alguns dirigentes sindicais, operários lutam e radicalizam suas posições.
Protesto na Renault: cerca de 2.500 metalúrgicos paralisaram suas atividades por quatro dias
Seis anos depois de inaugurada, a fábrica de componentes da General Motors de Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo, teve — pela primeira vez — suas máquinas paradas. Os metalúrgicos dali realizaram greve de quatro dias objetivando um aumento salarial de 10%, a título de reposição de perdas com a inflação.
Mesmo tendo data-base fixada para o mês de novembro, os trabalhadores deflagraram o movimento porque sentiram-se prejudicados pelo último acordo coletivo assinado com a empresa, no qual receberam 10,26% de reajuste. Segundo declararam à reportagem de AND, valores como este são mera reposição salarial, e não aumento efetivo.
A partir dessa reinvidicação inicial, o Sindicato dos Metalúrgicos de Mogi, filiado à Força Sindical, convocou a greve, anunciando à empresa as propostas da categoria. No entanto os empresários, sentindo que poderiam “enrolar” os trabalhadores, resistiram às negociações — fato que revoltou uma grande massa de operários da fábrica. O Sindicato, seguindo as orientações da central a que é filiado, procurou apaziguar as partes. Porém, o comportamento dos trabalhadores não foi o esperado.
Espírito de luta
Para surpresa de alguns, a combatividade que tomou conta dos operários da GM foi muito grande. Esta unidade até hoje, não havia parado, fazendo pensar que o movimento dos metalúrgicos não mais se levantaria fora das permitidas épocas oficiais. No entanto, a situação em que se encontram estes trabalhadores os empurrou, literalmente, para este movimento, e quiçá para muitos outros, apesar da greve ter sido julgada ilegal pela Justiça do Trabalho — a mesma que julgou procedentes as mesmas reivindicações de outros sindicatos.
Ainda no estado de São Paulo, explodiram também outros movimentos grevistas, que revelam a real situação da categoria: salários constantemente arrochados, ameaça de desemprego e níveis de exploração altíssimos, agravados pelo sistema conhecido como “Banco de horas”. Neste, os operários que trabalham além do seu expediente normal não recebem horas-extras, mas têm acrescentado a um banco de dados o número das horas trabalhadas a mais, que são posteriormente convertidas em folgas.
Os dirigentes sindicais ligados às centrais mais conhecidas do país têm adotado uma política de distanciamento e manobra com relação às greves que vêm ocorrendo. Quando chamam para o movimento, defendem sem muita dificuldade as propostas das empresas. Quando os operários sustentam o movimento por mais tempo que o previsto por conta própria, eles se afastam, apontando os trabalhadores como responsáveis por tumultos e badernas. O caso recente das agitações na Fábrica “Anchieta”, em São Bernardo do Campo, São Paulo, ilustra bem essa situação.
Terceirização na Volkswagen
Nos últimos dias de abril, na fábrica de automóveis alemã Volkswagen de São Bernardo do Campo — conhecida como “Anchieta” — uma ação da direção pôs os trabalhadores em alvoroço. Sob a alegação de que precisavam terceirizar três mil postos de trabalho para ganhar uma concorrência interna, os dirigentes locais da Volks — que tem filiais em vários países — lançaram esta proposta aos 12 mil operários que lá trabalham. Assim que isto ocorreu, a primeira iniciativa dos operários foi paralisar o serviço, o que só não aconteceu porque o Sindicato convocou a todos para uma Assembléia. Nesta, os sindicalistas — ligados a CUT (Central Única dos Trabalhadores)— apresentaram a proposta da montadora e realizaram a votação, de modo a manobrar a assembléia e aprovar a vontade patronal.
Assim feito, a revolta tomou conta de grande parte dos trabalhadores, que chamavam o futuro presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopes Feijó, de traidor. Feijó teve de sair do carro de som — depois de mais de 30 minutos, entre vaias e tumultos — escoltado pela polícia. Ele deve assumir em breve o comando da entidade, pois seu atual presidente, Luiz Marinho, passará à direção nacional da CUT.
O processo de terceirização contra o qual se levantaram os trabalhadores já é um velho conhecido da categoria, mas não é o único problema. “A terceirização é o primeiro passo para mandar o sujeito para rua”, diz um metalúrgico da Ala da Pintura, que preferiu não se identificar. “Serão mais três mil colegas ameaçados, sem saber do futuro”, continua. Os mais antigos conhecem bem a situação: na Volks, há 20 anos, trabalhavam 27 mil pessoas. Hoje, esse número não passa de 12 mil, caindo agora ainda mais, com a recente proposta de terceirização, que reduziria o quadro de funcionários a 9 mil pessoas.
O desemprego é um grande problema enfrentado pelos trabalhadores, que têm de se deparar com situações muitas vezes absurdas, como no caso do imposto CPMF. Por decisão judicial, os trabalhadores da Volks do ABC não pagavam o chamado imposto do cheque. Porém, de alguns meses para cá, uma nova decisão judicial revogou esse beneficio e os valores foram cobrados de uma só vez. Há casos de pessoas devendo 3, 4 mil reais. E o sindicato não faz nada, mesmo sendo ele o responsável pela entrada na justiça da ação coletiva contra o imposto do cheque.
Luta no Paraná
No estado do Paraná, onde está localizado o chamado “Pólo Metalúrgico”, também houve, no final de abril, agitações e greves em fábricas automobilísticas, notadamente na subsidiária da Volkswagen, a Audi, na sueca Volvo e na francesa Renault. Nestas montadoras os operários puseram-se de pé reivindicando reajustes salariais e fim das demissões, que atingem muitos trabalhadores todos os anos.
Na Audi, localizada na cidade de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, os metalúrgicos, dirigidos pelo sindicato da categoria, filiado à Força Sindical, realizaram assembléia e ameaçaram parar as máquinas caso suas reivindicações não fossem atendidas. A direção da empresa, percebendo que a intenção dos trabalhadores era de ir à greve — mesmo contra a posição do sindicato, que estava (como sempre), ao lado da firma — decidiu acatar parcialmente as decisões dos operários.
Na Renault, cerca de 2.500 metalúrgicos paralisaram suas atividades por quatro dias, em protesto contra as constantes demissões e na luta por melhores salários e condições de trabalho. Já na Volvo — indústria instalada na CIC (Cidade Industrial de Curitiba) -, depois da pressão dos operários, a direção da filial no Paraná fechou acordo com os representantes sindicais dos trabalhadores, evitando neste momento uma greve, mesmo que o acordo não tenha agradado à maioria da categoria.
Montadoras em crise.
Quem paga são os trabalhadores
Para Ricardo Carvalho, presidente da Anfavea (Associação de Fabricantes de Veículos Automotores), e para representantes do Sindipeças (Sindicato dos Fabricantes de Autopeças), a indústria automobilística não pode conceder aumento nenhum aos trabalhadores neste momento, porque já sofre uma pressão considerada insuportável em vista de seus custos. Um possível aumento de salários, diz Carvalho, poderia implicar em reajustes nos preços dos automóveis.
Porém, este conhecido discurso empresarial está assentado em questões bastante sérias. O cerne da coisa está em que as montadoras apostavam em um mercado nacional capaz de absorver uma produção anual de 2,5 milhões de automóveis. Em função disso, as multinacionais construíram novas instalações em várias cidades e ampliaram a capacidade de produção das existentes. Uma destas fábricas novas, inclusive, é a já citada General Motors de Mogi das Cruzes.
No entanto, desde o ano de 1997, as vendas das montadoras não passam de 1,5 milhão de unidades. A Anfavea está negociando com o governo programas de incentivo a compra de carros novos, sob ameaça de fechar unidades e demitir trabalhadores.
O problema é que a indústria automobilística nacional é dos setores mais endividados da economia, segundo estudo da consultoria Economática, realizado por encomenda do jornal Folha de São Paulo. Os dados deste trabalho apontam que o total da dívida do setor corresponde a 90% do seu lucro anual. Assim, descontadas as dívidas, o setor lucra anualmente R$ 1,9 bilhão.
Ao invés de reduzir suas margens, o que as montadoras estão fazendo é repassar o custo dos seus erros de estratégia para a conta dos trabalhadores, com resistência aos aumentos e ameaças de demissão. Agora, contam com o governo e a CUT, que ao mais leve rumor ou reclamação correm em seu auxílio com recursos e programas de assistência.