Por todas as partes do Brasil, em todas as classes oprimidas, nas mais diferentes categorias profissionais, seja no campo ou na cidade, nas fábricas, nas roças ou nas escolas, vão surgindo movimentos e organizações classistas que dão enfrentamento à crosta de dirigentes pelegos, corruptos e conciliadores que se encastelou em suas direções. Os petroleiros, honrando sua tradição de luta, demonstrada a indisposição para serem tratados como asfalto, massa disforme para ser comprimida ou pisada, torna-se gasolina, combustível altamente inflamável para a luta de classes.
Já há três anos surgiu na Bacia de Campos o Grupo de Luta dos Petroleiros (GLP), que tem procurado organizar a categoria em comissões de base para enfrentar as duras batalhas econômicas e políticas que se apresentam. Procuramos traçar aqui um breve histórico desta organização e da luta dos petroleiros nos últimos anos.
A primeira paralisação
O primeiro grande movimento de paralisação na Bacia de Campos ocorreu em 1988. Durou duas horas e meia, pegando de surpresa a direção da Petrobrás, que não esperava uma mobilização tão rápida. Em consequência, a demora na reativação de alguns poços demonstrou a importância do movimento.
A diretoria da empresa acusou os grevistas de criminosos e terroristas, demitindo 25 e punindo 49 ativistas. Nessa batalha, diversas lideranças de hoje começaram sua militância sindical e política. Pouco tempo depois, uma segunda greve de 11 dias, passando por cima da diretoria do sindicato, que conciliara com os 4% de aumento concedidos pelo Tribunal Superior do Trabalho.
A luta pela reintegração dos demitidos foi intensa, com campanhas de solidariedade, abaixo-assinados, debates, manifestações nas portas das unidades, culminando com a reincorporação dos trabalhadores. No entanto, temendo a crescente organização da categoria, a Petrobrás transferiu diversas pessoas para outras regiões, como a Bahia, Refinaria de Duque de Caxias etc. Todos os que participaram da greve foram perseguidos, mas continuaram atuando na oposição e lutando para derrotar a diretoria pelega do sindicato.
Na época, a oposição se organizava em torno da Central Única dos Trabalhadores (CUT). O processo eleitoral teve as conturbações e falcatruas de praxe no sindicalismo amarelo, como roubo, retenção, queima de urnas etc. Membros da oposição decidiram ocupar a sede do sindicato, onde permaneciam as urnas, para conter a sabotagem (quem te viu e quem te vê…). Acuada, a diretoria chamou o batalhão de choque para desocupar a sede e pela primeira vez, depois do gerenciamento militar, a polícia invadiu o sindicato e agrediu fisicamente os opositores.
CUT, nova decepção
Em meados de 1990 a CUT galgou a direção do sindicato pregando que os representantes fossem eleitos na base, mas rapidamente passaram a dividir cargos entre as diferentes tendências que se aninham no PT e na “frente popular” eleitoreira. Na verdade, a base já estava esquecida. No mesmo ano, quando ocorreu mais uma paralisação, esta de 30 dias, a Petrobrás, para combatê-la, criou uma equipe de contingência que passou a ocupar o lugar dos grevistas nas plataformas, permitindo o seu funcionamento. No decorrer desta greve foi elaborada a Primeira Cartilha de Greve. Nela os petroleiros explicavam que a partir daquele momento tinham que assumir a greve permanecendo nas plataformas. Novamente, mais demitidos.
No governo Collor foi montada uma maquiagem nos lucros da empresa gerando um déficit superior ao que o Plano Collor havia anunciado e criando um pretexto para demissões massivas. Durante toda gestão da CUT o movimento petroleiro não conseguiu avançar.
Particularmente, as direções do Sindipetro-RJ (Rio de Janeiro), do Sindipetro-NF (Norte Fluminense) e da FUP (Federação Única dos Petroleiros) abandonaram a todos que estavam sendo perseguidos, os demitidos e, consequentemente, as bases. No entanto, sempre que convinha lembravam do assunto, com aquela velha e ensebada verborragia de quem trafica com os interesses do povo. Isso fez progredir o descontentamento entre várias lideranças que buscavam uma direção justa, classista e independente.
Em nível nacional foram criadas várias comissões de organização dos petroleiros para impulsionar a luta pela reintegração. Afinal, 900 trabalhadores foram demitidos. Na região do Norte Fluminense formou-se um embrião com 30 pessoas. Durante determinado período, a categoria colaborou com o fundo de soli-dariedade para a sobrevivência dos demitidos, mas era difícil manter esta colaboração pelo fato da diretoria do sindicato, agora da CUT, não desejar que a categoria mantivesse a solidariedade e isto fez com que muitos dirigentes rompessem com a direção, passando a denunciar o caminho oportunista que trilhava. Como os saprófagos nunca andam sós, logo surgiram vereadores e candidatos aproveitando-se desse crescente movimento, buscando se projetar de forma pessoal e alentar a linha política do oportunismo.
Resolutos, os petroleiros atenderam ao chamado do comando nacional e juntos ocuparam o Edise (Edifício Sede da Petrobrás) por 45 dias, em 1992. No entanto, na primeira semana de ocupação, parte do comando nacional comunicou a alguns destes petroleiros que não havia mais condições para permanecerem no prédio e que já tinham esgotado todos os recursos.
Imediatamente, os demitidos e a liderança autêntica se recusaram a sair, situação que desmascarou, na prática, o papel desempenhado por parte do comando nacional e com quem estava compactuando. Os oportunistas que integravam parte da comissão tinham convocado a todos, principalmente os demitidos, para a ocupação, mas ao se apresentar o momento de intensificar a resistência e demonstrar a unidade da categoria, não sustentaram a posição.
Ao chegar o ponto crítico para os demitidos — quando para sua subsistência já tinham vendido todos os pertences possíveis, seus lares ficaram desolados, quando petroleiros suportaram a dor de ver seus filhos doentes e até mesmo perdê-los — um duro aprendizado cresceu entre esses bravos lutadores. Por fim, a resistência tornou-se mais forte que toda a burocracia judicial. Esta foi obrigada a reconhecer os direitos de reintegração dos trabalhadores à Petrobrás. Mas para que todos os 900 demitidos voltassem, parte desses direitos foram negociados. Por exemplo, como dizem alguns membros do GLP: “A empresa ainda não nos pagou boa parte dos salários referentes ao período do afastamento.”
O Sindipetro permaneceu conduzindo as reivindicações de forma bastante distanciada da base. Em 1995 houve a greve de ocupação com parada de produção na Bacia de Campos e a forte adesão da Refinaria de Cubatão, que foi o grande destaque da greve. Resultado: centenas de demissões e punições. Depois disso, a primeira paralisação ocorreu apenas em 2001.
Durante todo o período nada ocorreu em termos de ascenso das lutas, não por falta de disposição da maioria dos petroleiros, mas pelo fato das direções oportunistas sempre acionarem um meio de entravar e, muitas vezes, de impedir, as lutas, a exemplo do que tem ocorrido com a maioria das categorias em cujas direções sindicais se mantêm pelegos de novo ou de velho tipo. O quadro é idêntico: o arrocho salarial aumenta, se deterioram a aplicação das garantias trabalhistas, havendo mesmo um processo de autofagia, já que todas as conquistas passaram a ser negociadas pelas direções.
Cita um petroleiro: “Já se cogita cortar uma das principais conquistas, a escala de trabalho embarcado que é 14/21 (14 dias de trabalho por 21 dias de folga) e voltar ao regime anterior de 14/14. Esta é uma bandeira histórica dos petroleiros por trabalhar 1 por 2 (trabalhar um dia e folgar dois), e nesse caminho se conseguiu 1 por 1,5. Só no Brasil existe esta escala e os imperialistas fazem questão de acabar com este ganho espetacular, induzindo de várias formas o seu fim. Também são vários os trabalhadores que ora estão no escritório e ora no mar, ou seja, trabalham no mar; acumulam folga e a vendem, em decorrência das graves condições de vida. A quebra da escala 14/21 vai gerar desemprego.”
Surge o GLP
Várias lideranças da Bacia de Campos-Macaé e trabalhadores do petróleo, descontentes com a política colaboracionista, começaram a traçar uma estratégia que resultasse num salto qualitativo na organização classista, afirmando a importância combativa. Em decorrência disso, nasceu o GLP, apoiando as iniciativas que recolocam o movimento dos petroleiros no marco da luta de classes. O objetivo do GLP é opor aos oportunistas das direções sindicais a verdadeira força dos petroleiros organizados, repudiando as alianças com as classes dominantes. Para o GLP, trata-se de responder a traição que os oportunistas fizeram contra os que derramaram seu sangue e suor por um país onde o povo trabalhador pudesse usufruir as riquezas que produz, construir uma sociedade verdadeiramente democrática, demolir a ordem de opressão, miséria, fome e violência.
Atualmente o movimento sindical brasileiro e, particularmente, o petroleiro, tem sido dominado por uma camarilha de dirigentes oportunistas e eleitoreiros, que atuam nos sindicatos e federações transformando-os em centro de colaboração com os patrões, de interesses pessoais e eleitorais.
Em dezembro de 2003 todos os petroleiros do Brasil estavam discutindo o indicativo para acordo salarial da Federação Única dos Petroleiros. Esta federação colocou o Norte Fluminense (onde se localiza a principal bacia petrolífera do país, com grande concentração de operários e com maior experiência de luta) como local de realização da última assembléia.
Os petroleiros da Bacia de Campos rejeitaram o indicativo da FUP e, com a mínima organização, sua posição (contrária à FUP) ganhou duas assembléias. Por sua vez, a FUP simplesmente ignorou a posição contrária. Da mesma forma, também não negociou praticamente nada com a Petrobrás, mantendo o mesmo indicativo rejeitado para manipular a aprovação do “acordo”. Assinado o dito acordo de dezembro, até agora o Sindipetro-NF não fez nenhuma mobilização para se discutir os acordos coletivos, com os quais compactuou, e age o tempo todo escondendo informações.
Escravidão dissimulada
No processo de “privatização branca” a Petrobrás foi terceirizando mais e mais seu pessoal e hoje são 35 mil trabalhadores fixos e 110 mil terceirizados. As realidades vividas são bem distintas entre si, existindo grande precariedade quando se trata de direitos dos terceirizados.
Na prática houve a quebra do monopólio, dividindo-se a Petrobrás em várias concessões dirigidas, em grande parte, por empresas transnacionais, gerando redução do efetivo mínimo, que os petroleiros sempre lutaram por ampliar. Em decorrência, desenvolvem-se plenas condições para que haja acidentes com tantas mortes, como ocorreu em 1984 na grande tragédia de Enchova (37 mortos e 19 feridos) e a da P-36, que afundou no dia 20 de março de 2001, cinco dias após a ocorrência de explosões em uma das colunas da plataforma. No acidente morreram 11 pessoas.
O próprio processo de construção das plataformas é realizado com tecnologia asiática, utilizando equipamentos tão obsoletos como sua sistematização técnica, aumentando riscos. São as próprias condições política e econômica que sustentam estes atos, a exemplo do que houve no já citado governo Collor, passando por Cardoso e agora no de Luiz Inácio.
Um pouco antes da campanha de Luiz Inácio foi lançado um grande engodo no meio das massas — inclusive, esse foi um dos motivos para que a categoria petroleira não avançasse e as direções (FUP, sindicatos) se pusessem a tagarelar: “Nós não vamos radicalizar, fazer uma mobilização mais rigorosa porque precisamos eleger o Lula”.
E agora, diz o GLP, eleito, exercendo há mais de um ano seu mandato, se intensificou a terceirização e a destruição das garantias trabalhistas. Há ainda alguma ilusão em relação ao governo. No entanto, gradativamente as massas vão perdendo essa ilusão e percebendo que têm de fazer algo, porque o Luiz Inácio está lá, mas agindo com os latifundiários, os empresários da grande burguesia, sob as ordens do Imperialismo.
O GLP, sem rodeios, afirma que é necessário elevar a compreensão política e da luta de classes, não apenas melhorar condições de salário ou segurança no exercício profissional. Claramente revela ser preciso levantar toda categoria se apoiando nas suas próprias forças, formar comissões de base possibilitando estudos, discussões, plenárias, construir uma unidade que enfrente quaisquer dificuldades e estabelecer uma verdadeira aliança entre os trabalhadores em geral e, em particular, contribuir para organização dos “terceirizados”.
Exploração declarada
Há mais de três anos vários funcionários vêm se aposentando, e há dez a Petrobrás não contrata ninguém, como planejado, sobrecarregando vários profissionais que, além de cumprir suas atividades, passaram a assumir a da mão-de-obra ausente, aumentando a escala de trabalho e reduzindo folga, vivendo uma semi-escravidão. A desculpa é que a empresa não pode contratar e há setores terceirizados em 50%, o que inclui 40% de estrangeiros — bolivianos, colombianos, argentinos etc. E há aqueles contratados com salários baixíssimos, como os que trabalham embarcados no setor hoteleiro (os camareiros). Esses, e tantos outros, sabem que ao primeiro movimento de greve realizado haverá demissão na certa.
Por outro lado, continuam os porta-vozes do GLP, motivos não faltam para que os “terceirizados” se organizem, a começar pela ausência de garantias trabalhistas e a escala que cumprem: de 14 dias trabalhados por 14 de folga. Às vezes, bem mais que isto, trabalham 28 dias e vendem 7, obrigados pelas circunstâncias objetivas ou por “estímulos” da empresa contratante.
Os petroleiros sempre defenderam um dia de trabalho para dois de descanso, porque há estudos realizados que revelam ser o trabalho em plataforma muito desgastante, física e psicologicamente. A própria Petrobrás também realizou pesquisas e determinou que cada plataforma é uma instituição total, equivalente a um hospital, um hospício, ou a um quartel. São locais que possuem determinadas regras e normas que criam problemas psicológicos, estando isso já documentado.
Há um outro problema gravíssimo que é o da insalubridade, a exposição aos gases tóxicos, como o benzeno: “Em 1998 um colega nosso chamado Reginelson, operário do PNA-1, morreu em decorrência de leucopenia — diminuição da taxa de leucócitos (células nucleadas e incolores, encontradas no sangue e na linfa, que participam dos processos de defesa imunológica do organismo; glóbulos brancos) abaixo do limite da normalidade. Este operário estava sendo assistido pela empresa, que não o tirou do local de trabalho.”
Até hoje não houve nenhum programa de controle de benzeno em plataformas. “A família do operário entrou na justiça com um advogado particular e a Petrobrás foi obrigada a fazer um exame na própria plataforma, constatando concentração (0,83 ppm) um pouco inferior ao que a lei manda, que é de 1 ppm. Então, a justiça considerou que mesmo com taxa de concentração abaixo de 1 ppm, o funcionário fica exposto e pode morrer decorrente de leucopenia causada pelo benzeno, o que chamou muita atenção de todos. A partir de 1995, formaram-se Grupos de Trabalhadores no Benzeno (GTB), existentes em refinarias e siderúrgicas, mas somente em dezembro do ano passado conseguimos incluir as plataformas nesse acordo de 1995. Até agora, o departamento de saúde do Sindipetro-NF não tocou nesse assunto na Bacia de Campos. Dois meses depois de assinado o acordo, nem houve discussão, quando a saúde do trabalhador deveria vir em primeiro lugar”, declara outro petroleiro.
O primeiro passo dado pelo GLP para o desenvolvimento das comissões de base foi através da plenária realizada no dia 24 de janeiro deste ano. A categoria ali reunida percebeu a importância da proposta e criou um Comitê pró-formação das comissões de base na Bacia de Campos, consciente que a organização de base é primordial para o progresso de um movimento classista — iniciativa sempre sufocada pelas direções oportunistas. Hoje, na categoria, existem aproximadamente 19 sindicatos; destes, 16 estão em mãos do sindicalismo amarelo, quando organizar a base não faz parte da sua política.
A tarefa de unir a maioria dos petroleiros demandará um certo tempo. São décadas de domínio dos inimigos de classe nos sindicatos veiculando seu veneno, afirmando ser desnecessário que os trabalhadores se organizem porque contam com os diretores dos respectivos sindicatos e representantes no Congresso, que fazem isso por todos. Mas essa empulhação absorve cada vez menos gente. As conquistas duramente arrancadas, a crise que se aprofunda e o oportunismo, despido diante de todos, vai mostrando que o único caminho é o da luta classista.