Orgulhoso e livre, o Congo se levantará da terra negra

Orgulhoso e livre, o Congo se levantará da terra negra

A luz selvagem do sol resplandecerá novamente sobre nós, enxugará as lágrimas e as nossas feições achincalhadas. Quando romperem estes grilhões, estas pesadas correntes, dispersar-se-há para sempre o tempo da crueldade, da maldade. Orgulhoso, o livre Congo se levantará da terra negra.
De um poema de Patrice Lumumba

Kinshasa — Nos fins do século XV, na Bacia do Congo, viviam os bantos, e entre eles as tribos Luba e Baluba, que desde o século X dominavam a mineração do cobre e vinham desenvolvendo uma economia mercantil. Nessa época foi construída uma estrutura de Estado que se expandia a outros grupos bantos na vasta região, como os lumbas, os kibundos, etc. Assim se formaram vários reinos que, como vassalos, giravam em torno do principal reino da região: o Congo.

O senhor do Congo, chamado Maricongo, uma autoridade moral e não militar, era reconhecido como poder moderador necessário para resolver os eventuais conflitos. Foi nessa época, em 1482, que lá chegaram os portugueses de Diogo Cão e junto deles, os famigerados jesuítas, que iriam impor uma religião desconhecida à uma civilização com costumes e regras estabelecidos há milênios.

O Maricongo de então era o rei Nzanga Nkuwu, que ao estabelecer relações amistosas com os portugueses, fez aumentar brutalmente a escravatura em nome de um novo deus todo-poderoso que iria desestabilizar a cultura e as religiões nativas. Os grandes lucros auferidos pela Coroa Portuguesa com o comércio de escravos fizeram com que esta impusesse o seu monopólio até que, em 1544, o Maricongo, rei Diogo I, rompeu abertamente com os portugueses, começando o primeiro processo de reafricanização.

No final do século XVI, devido às invasões das tribos do Norte, o reino do Congo ficou de tal maneira debilitado que a hegemonia política e econômica passou para o reino de Ndongo, do rei Ngolo, nome que origina Angola, de onde saía a maioria dos escravos. Razão dos portugueses se concentrarem nesta região, tentando impor uma colônia. Porém, a resistência dos africanos foi encarniçada, impondo aos portugueses sucessivas e contundentes derrotas durante mais de um século de guerras contínuas. Essas guerras deslocaram o poder hegemônico de Ndongo para Matamba, daí para o Congo e voltando para Ndongo, mudanças que, por fim, fizeram a tentativa de colônia fracassar e voltar às feitorias costeiras.

Sai um patrão entra outro

Com o deslocamento das guerras, também o centro de poder se deslocou. Os Luangos assumiram a liderança da região, que hoje compreende o Gabão-República do Congo, acumpliciando-se no mercado de escravos com os franceses e ingleses. Os balundos ampliaram os seus domínios no planalto de Shaba (antiga Katanga), e seus arredores (sul da República Democrática do Congo, leste de Angola e Norte de Zâmbia).

Da decadência do tráfico negreiro no séc. XIX surgiu o comércio da borracha e do azeite de dendê. As classes dominantes perderam seu principal sustentáculo econômico e foram substituídas pelo colonialismo francês. A rica bacia do Congo se amoldou ao colonialismo europeu e deu origem à República do Congo, mais conhecida como Congo-Brazzaville e à República Democrática do Congo.

Na Conferência de Berlim (1884-85), uma das resoluções dos imperialistas europeus foi a “doação como propriedade pessoal” ao rei Leopoldo da Bélgica do Estado livre do Congo, também ambicionado pelo colonialista milionário inglês Cecil Rhodes (daí o nome Rodésia). Até 1908 essa área era regida pelo estatuto de “território do rei Leopoldo”, quando foi mudado para “Colônia belga” — porém, nada mudou quanto ao tipo de exploração e opressão. A resistência anticolonial foi impiedosamente combatida pelos militares belgas. A riqueza e o progresso da Bélgica foi amalgamado pelo sangue e pelo suor dos africanos, resultados que são da pirataria nas ricas jazidas minerais do Congo, em especial nas de cobre de Katanga (hoje Shaba).

No início da década de 50, com o apoio à política de libertação da África mantida pela URSS — ainda revolucionária e dirigida por Stálin — começaram a aparecer partidos políticos congoleses, resultantes de inúmeros movimentos para conquistar a independência. Entre eles, o Movimento Nacional Congolês, dirigido por Patrice Lumumba, que levantou a bandeira da independência, unindo as diversas minorias nacionais e combatendo inexoravelmente o separatismo tão ao agrado colonialista. Os colonos brancos responderam com a ampliação extremada do terror normalmente aplicado por todas as forças de ocupação colonialista. Porém, a independência foi arrancada aos belgas em 1960, com Joseph Kasavubu na presidência e Lumumba como Primeiro-ministro. Poucos dias depois, Moise Tshombe, financiado pelo imperialismo belga e armado pelos ianques, iniciou um movimento tentando separar Katanga. Aproveitando-se disso, Kasavubu articulou um golpe de Estado, aprisionou Lumumba, e o entregou aos mercenários belgas que assassinaram o líder da independência.

Guerra e o terror retornam sempre

A guerra civil continuou até 1963. Sem conseguir seu intento de separação, Tshombe, defensor dos interesses colonialistas, foi nomeado primeiro-ministro. Em 1965, Kasavubu o obrigou a renunciar, mas logo depois foi derrubado pelo comandante do exército, Joseph Mobutu, através de um cruento golpe contra-revolucionário apoiado pelas corporações do capital financeiro internacional. Mobutu mudou o nome do país para Zaire e nacionalizou o cobre, favorecendo a burguesia nacional e a burocracia estatal. Daí em diante, amparado pelo USA, Mobutu implantou a mais terrível ditadura até o ano de 1997, quando foi derrubado, após violenta e duradoura guerra civil, pelas tropas de Laurent Kabila, que se autoproclamou presidente com plenos poderes militares, legislativos e administrativos. O novo governo mudou o nome de Zaire para República Democrática do Congo e, desde os primeiros momentos, enfrentou forças mercenárias rebeldes, apoiadas pelo USA, provenientes de Uganda, Ruanda e Burundi.

O governo congolês e os rebeldes assinaram em 17 de dezembro de 2002, na capital sul africana, Pretória, um acordo de paz que prevê o surgimento de um governo de união nacional através de uma eleição, até 2004. O acordo satisfaz todo o receituário que o imperialismo prescreveu aos congoleses e está baseado no princípio de reconciliação do povo congolês com seus agressores. Seu item 8 prevê “anistia para os fatos de guerra” — uma afronta aos milhões de vítimas da guerra de agressão de 1998.

O acordo estabelece, também, o princípio de “divisão equitativa do poder”: o presidente Kabila ficará como presidente da República Democrática do Congo, assistido por quatro vice-presidentes. Isto implica que os agentes de Ruanda e de Uganda, assim como os “mobutistas”, terão tanto poder como o governo legal e legítimo atual.

Na realidade, os agressores estrangeiros não querem a eleição porque sabem que não terão nenhuma chance nela. Daí o interesse deles em sabotar o acordo. Antes mesmo de o terem assinado prepararam uma ofensiva militar em duas frentes de luta: em Kivu-Sul e em Ituri. A resistência congolesa está formada por uma aliança entre os “Mai-Mai” (congoleses combatentes contra a agressão) dos comandantes Padiri, Dunia e Nakabaka e os Tutsis congoleses, os famosos Banyamulenge, do comandante Masunzu. Os combates se desenvolvem na região Uvira-Baraka, Makobola, Kalima e Shabundo. Em Ituri, se desenrola uma ofensiva de dois aliados do rebelde pró-ugandenses Jean-Pierre Bemba em direção à Beni e Butembo, duas cidades sob o controle de um grupo rebelde rival que nesse momento se aliou ao governo congolês. Na sua avançada, as tropas de Bemba e seus aliados se comportam com extrema crueldade, o que ocasionou um fluxo de 70 mil refugiados que se juntam aos 500 mil que já se contam nesta região saturada.

Acordos de paz para manter a guerra

Para os agressores, o acordo de Pretória foi uma estratégia a fim de obter seus verdadeiros objetivos: a queda do presidente Kabila, o aniquilamento brutal e violento de todas as forças nacionalistas congolesas que resistem, depois de quatro anos, à balcanização do Congo e à pilhagem contínua do país. Através desse acordo, eles podem obter posições dentro do aparelho de Estado, e no momento oportuno, dar o golpe de Estado. Além disso, foram obrigados a assinar sem obter a desmilitarização de Kinshasa e perderam, assim, a possibilidade de lançar um ataque contra a capital, que não seria mais defendida pelas forças armadas congolesas. Altamente beneficiados pela proteção do USA, os agressores não hesitam em recorrer a uma outra estratégia para atingir os mesmos objetivos. Procuram fazer do Congo uma zona conflagrada de guerra permanente, fatigar e promover o descontentamento da população contra o governo de Kabila.

O presidente do Congo persegue ativamente a execução do acordo de Pretória. Depois de suas visitas às províncias do Baixo-Congo e de Kasai, nos últimos meses, ele sentiu os problemas cotidianos da população e a necessidade de pôr fim à guerra para começar a reconstrução do país.

Em 25 de dezembro o presidente pediu a todos os signatários da execução do acordo uma reunião em Kinshasa, a fim de “enterrar definitivamente o machado de guerra”, e convidou Masiri, o emissário imposto pelo USA, a vir ao Congo para retomar o seguimento do acordo de Pretória.

Tudo tem sido feito para unir todos os nacionalistas congoleses. Na noite de 14/15 de dezembro foi publicado um tratado de coordenação entre lumumbistas, malelistas e kabilistas que foi distribuído em Kinshasa, Lubumbashi, Kasai e no Baixo-Congo, sob o título “Não aos responsáveis pela guerra civil em Kinshasa! Por um poder nacionalista forte!”

O trato apela ao povo que esteja vigilante face à tentativa “de golpe de Estado realizado pelos ianques, sul-africanos, ruandeses e seus aliados congoleses.” Os signatários, entre eles o doutor Sondji, o general Mai-Mai Padiri e Jean-Baptiste Mulemba, concluem: “O povo não quer esse famoso 1+4, que permitirá aos ruandeses declarar mais cedo ou mais tarde a guerra civil em Kinshasa! Face a este grande perigo, o povo compreende que deve ter um Estado forte, guiado por patriotas em torno de Joseph Kabila para evitar a catástrofe e preparar as eleições dentro da ordem. Mas, na falta de todo um trabalho de educação nacionalista e de mobilização das massas, o país pode ainda ser minado pelos inimigos do nacionalismo congolês. Daí, a necessidade de união de todas as forças nacionalistas que, fundadas num Partido Revolucionário Unido, só poderão dar uma base popular e revolucionária ao Presidente para seguir a via do nacionalismo.”

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: