O dia 13 de fevereiro marcou o 13º aniversário da Guerra Popular no Nepal, dirigida pelo Partido Comunista do Nepal (Maoísta) e que chegou a libertar mais de 80 % do país do semifeudalismo e do imperialismo. Contudo, a Revolução nepalesa foi interrompida desde que, em 2006, o PCN (M) celebrou acordos de paz com as forças reacionárias do rei Gyanendra, resultando na traição às massas rebeladas ao desarmar o Exército Popular de Libertação e devolver as terras confiscadas pelos camponeses no curso da guerra popular, entre outros prejuízos.
Dez anos de guerra popular
A Guerra Popular Prolongada no Nepal foi deflagrada em 13 de fevereiro de 1996, tendo na direção o Partido Comunista do Nepal (Maoísta) e, como anunciou seu programa, os objetivos eram derrubar o regime monárquico, derrotar o imperialismo e o expansionismo indiano no país e construir uma República de Nova Democracia a caminho do socialismo e do comunismo.
As forças reacionárias não tardaram a lançar selvagens ataques, sem contudo evitar que a revolução entranhasse suas raízes fortemente entre os oprimidos do pequeno país. Começaram a ser construídas novas formas de poder popular, floresceram organizações entre os camponeses, mulheres, operários, estudantes e professores. No campo as transformações ocorreram desde o início.
As mulheres começaram a afluir para a revolução, tornando-se combatentes e aprendendo a ler e a escrever. Muitas tornaram-se comandantes e dirigentes políticos. A verdadeira emancipação das mulheres chegava através da revolução.
A revolução provocou mudanças dramáticas entre as nacionalidades oprimidas. Foi promovida a igualdade de idiomas e culturas. O PCN(M) deu uma grande importância à instalação de novos organismos administrativos locais e regionais onde os antigos oprimidos desempenhassem o papel principal. As palavras de ordem “A terra a quem nela trabalha” e os camponeses pobres das planícies também começaram a apoiar cada vez mais a revolução.
Os novos órgãos de poder floresceram. O exército guerrilheiro cresceu rapidamente e em 2001 elevou-se a Exército Popular de Libertação (EPL) ganhando força, experiência e organização. A morte de centenas e milhares de combatentes, ao contrário de arrefecer os ânimos das massas, empurrou-as mais ainda para as fileiras da revolução.
As medidas adotadas pelo velho Estado empurraram cada vez mais pessoas para a oposição ativa. Além disso, surgiram importantes fraturas entre as classes dominantes do Nepal, à medida que não conseguiam definir uma estratégia que conseguisse parar a insurreição. Em Junho de 2001, o rei Gyrendra e a maioria da família real foram assassinados. Seu irmão, Gyanendra, considerado por muitos o responsável pelo massacre, subiu ao trono. Após um pequeno período de cessar-fogo e negociações com o PC N(M), Gyanendra mobilizou todo o poderio do Exército Real do Nepal (ERN) contra a revolução, que até então tinha enfrentado, sobretudo a polícia nacional. Também isso fracassou e a revolução continuou a avançar.
Crise revolucionária e negociações
Para evitar perder tudo, o rei fechou o parlamento, prendeu os líderes dos partidos políticos legais e impôs o “estado de emergência”. O EPL conseguiu resistir à intensificação dos ataques e a guerra entrou numa fase de equilíbrio de forças. Além disso, a incapacidade de Gyanendra em obter uma vitória decisiva intensificou as divisões nas classes dominantes, fazendo com que partidos (entre eles o Partido do Congresso Nepalês e o revisionista PCN-UML) que colaboravam com seu regime insurgissem contra ele.
A crescente força da guerra popular e a agitação nas fileiras das classes dominantes levaram, em abril de 2006, a um gigantesco levantamento de massas em todas as cidades e vilas do Nepal, sobretudo na capital Katmandu. Isso forçou o rei a suspender o estado de emergência e a restabelecer o parlamento.
Foi declarado um cessar-fogo entre o EPL e o Exército Real do Nepal. Ocorreram várias rodadas de negociações entre os sete partidos políticos legais (sobretudo o Congresso Nepalês e o UML) e o PCN (M). Tendo como centro a eleição de uma assembléia constituinte, foi acertada a formação de um governo interino. O acordo estabelecia também que os combatentes do EPL fossem colocados em acantonamentos — campos militares instalados em diferentes pontos do país, separados do povo — e colocassem a maior parte das suas armas sob supervisão da ONU. O acordo estabelecia que o governo do Nepal fornecesse instalações decentes e alimentação aos soldados do EPL, mas na realidade esses combatentes têm vivido até então em condições miseráveis. Esta seguia sendo a situação dos combatentes do EPL mesmo após a posse do novo governo.
Capitulação e governo de coalizão
As eleições ocorridas em 2008 deram ampla vitória ao PCN(M), embora este partido não tenha conseguido a maioria das cadeiras no parlamento. Tal êxito se deve ao fato de que o PCN(M), assim como o Exército Popular de Libertação e todas as organizações revolucionárias maoístas conquistaram enorme popularidade através de seu programa revolucionário, da conduta de seus membros — que sempre respeitaram enormemente as massas — e as grandes realizações nos 80% do território nacional libertado do domínio monárquico nos tempos da Guerra Popular.
Sua principal liderança, Pushpa Kamal Dahal, o presidente Prachanda, foi eleito Primeiro-Ministro do Nepal e o rei foi deposto, fundando-se a República Federal Democrática do Nepal. O governo de coalizão foi acertado com base num programa reformista que não toca em profundidade sequer nas bases do feudalismo. Ainda assim o ministro da economia, o dirigente do partido e uma das principais lideranças, Baburan Batharai, afirma que a meta é a modernização do país e impulsionamento do desenvolvimento econômico.
A integração do EPL ao Exército do Nepal (antigo Exército Real) vem sendo protelada com a rejeição em aceitar os comandantes do EPL em postos de comando. O próprio Prachanda conclamou os membros do EPL e da Liga da Juventude Comunista a rever suas tarefas e dedicar-se à construção do país, ademais de conclamar a Central de Trabalhadores e Associação Revolucionária de Mulheres a fazerem o mesmo. Dentro do Partido, entre as massas nepalesas e movimentos revolucionários de diversos países, abriu-se um intenso debate sobre os rumos da revolução no Nepal.
Em janeiro de 2009, muda-se o nome do PCN(M) para Partido Comunista do Nepal Unificado (Maoísta), após a fusão com o Partido Comunista do Nepal (Centro-Mashal). Já foi decidida também a incorporação do Partido Comunista do Nepal (Marxista-Leninista).
A luta no partido
Fausto Arruda
Com o PCNU(M) presidindo o governo de coalizão e paralisando o processo revolucionário, a inquietação das massas e militantes do partido era inevitável. Na imprensa nacional e do próprio partido, ao longo de 2008, apareceram manifestações contraditórias expressas, inclusive, por altos dirigentes do partido. Os membros do Birô Político (BP) e Secretário de Organização, Kiran e Gaurav, declararam ser contra a aceitação do puro estabelecimento de uma república burguesa, argumentando que a estratégia do partido reclama a meta da República de Nova Democracia em transição ininterrupta ao socialismo. Outro membro do BP, Biplap acusou o partido de estar tomado da enfermidade do negociacionismo, reclamando uma tática que leve a revolução à frente e às suas metas programáticas. Outros dirigentes renunciaram aos mandatos na Assembléia Constituinte ou em altas funções de Estado, como Yadav, também histórico dirigente e de origem Madhesi.
Junto a estas declarações estes dirigentes nunca tocavam no problema de como alcançar a República Popular, tergiversavam sobre a situação do EPL desarmado e acantonado em péssimas condições e seguiam defendendo o chamado “Caminho Prachanda”. Caminho cuja essência expressa importantes revisões do marxismo-leninismo-maoísmo.
Com a efervescência no partido foi convocado uma Conferência Nacional (CN) que se realizou em dezembro de 2008 e contou com a presença de 800 quadros do partido. A CN fora convocada oficialmente e anunciada como uma demonstração da democracia no partido, com o objetivo de levar a luta de duas linhas, a saber, entre a linha do Presidente Prachanda, que defendia o estabelecimento da República democrática como uma etapa necessária, e a defendida pelo camarada Kiran, entre outros, da luta pela República popular. O que parecia ser contradição aguda, antes da realização da CN revelava-se não ser bem assim.
Por fim, a CN terminou em uma ampla composição e um consenso de que o partido deve centrar forças na defesa da integridade e nacionalidade do país. Melhor dizendo, um imbróglio que expressa bem a situação ideológica da direção do partido, o que fica patente apenas verificando a denominação adotada para caracterizar o objeto da polêmica central, com a nomenclatura de República Democrática Popular Nacional do Nepal. Da mesma forma sobre a questão da fusão com outros partidos, discutida e em seguida aprovada pelo Comitê Central como decisão pela fusão e adoção do nome de Partido Comunista do Nepal (Maoísta) Unificado. Agrado para gregos e troianos. Menos para a revolução.
Não se trata apenas de manobras táticas da direção do partido sob o argumento de que não existe correlação de forças regionais e internacionais para levar a revolução até o fim, o que por si já é muito grave, mas sim é decorrência direta das formulações ideológicas, teóricas e políticas que desde os eventos partidários de 2001 ganharam força na direção central do partido, através do que se denominou O Grande Salto a frente: uma inevitável necessidade histórica. Nele, diferentemente de análises anteriores afirmam:
“Devido às particulares condições econômicas, políticas, culturais e geográficas e ao inegável domínio do capital monopolista indiano, será muito difícil que em apenas um país da região a revolução democrática nacional se complete exitosamente. Inclusive se ela triunfa, com as particulares contradições resultantes, será quase impossível que a revolução triunfante sobreviva.” (pág. 88)
E, “A fundação do Partido, seu manifesto, política e programa preliminares, constituem a unidade ou tese. No processo de desenvolvimento, as diversas tendências, conflitos internos, altos e baixos e cisões e frações constituíram a luta ou antítese no movimento comunista nepalês. A grandiosa Guerra Popular dirigida pelo PCN (Maoísta) há cinco anos é a manifestação da transformação e síntese ou da nova unidade sobre uma nova base. Todo o processo do movimento comunista nepalês também pode ser visto como a negação da negação.” (pág. 105)
Aqui, segundo a dialética pranchandista, a lei dialética da negação da negação explica o processo do movimento comunista nepalês de forma tal, que poderíamos então afirmar que na sequência do mesmo processo a guerra popular passa a constituir-se a tese, as negociações e acordo antítese e o governo de coalizão atual sua síntese. Tal afirmação confronta e põe de lado a afirmação de Mao Tsetung de que a lei fundamental única da dialética é a contradição, ou seja, a unidade e luta dos contrários ou simplesmente unidade de contrários, segundo a qual a luta contra o revisionismo desenvolvida pelo PCN(M) [à época denominado PCN (Centro de unidade)] conduziu o movimento comunista pelo caminho da revolução com a guerra popular e que as dificuldades no curso da guerra (a complexidade da situação regional e internacional entre outras) conduziram aquele partido a não persistir no caminho revolucionário, retornando o movimento comunista nepalês às posições revisionistas. A experiência histórica da revolução proletária comprova que por mais difíceis que se apresentassem as condições, um partido autenticamente revolucionário tem que persistir, pois nunca houve caminho fácil para nenhuma verdadeira revolução.
A questão essencial do problema da revolução do Nepal se encerra, como o de qualquer outra revolução proletária, na questão da linha do partido de vanguarda. A experiência histórica da revolução proletária sistematizada por Mao ensina que tanto na revolução quanto na construção da nova sociedade é necessário resolver acertadamente a questão de em quem apoiar-se, a quem aliar-se ou ganhar e contra quem lutar. A vanguarda revolucionária deve realizar uma correta análise de classes a cada momento ou fases da revolução para estabelecer corretamente estes três critérios. Pelo que estamos vendo, o PCN(M) resolveu bem esta questão e pôde desencadear a guerra popular apoiando-se nas amplas massas populares do campo e da cidade. A partir de determinado momento, ao atingir com a guerra popular um equilíbrio de forças e frente aos novos desafios e dificuldades surgidos com a agudização da luta, incorreu em sérios erros na análise de classes. Apesar de declarar seguir se apoiando nas massas populares, a direção do partido demonstra não confiar mais nelas e trata de se apoiar na pequena e média burguesia urbanas (burguesia nacional) e se aliar com a fração compradora internamente e com as agências imperialistas (ONU, BM, FMI, etc.) externamente.
A consequência mais significativa da luta no partido até agora tem sido, segundo as informações não muito claras, que o histórico dirigente do partido, Yadav, retirou-se acompanhado de mais cem quadros e declararam pela imediata reconstituição do PCN(M). O jornal Estrela Vermelha, porta voz do PC NU(M), em sua edição em inglês de fevereiro informa que Yadav fora expulso. Certo é que a revolução no Nepal seguirá de uma forma ou de outra, por caminhos escarpados.
Madhesi – Minoria nacional que habita as ricas regiões do Terai, planícies que faz extensa fronteira com a Índia. Durante as negociações, a Cia e serviços de inteligência indianos atuaram nesta região criando organizações nacionalistas contra-revolucionárias. Estas organizações passaram a acusar o PCN(M) de ter traído a promessa de autonomia para a região quando da eleição para a Assembléia Constituinte e distribuição de poder no novo governo. A ação desta organização levou a várias derrotas do partido na formação do governo de coalizão e na AC.
Documento partidário de resolução do Comitê Central do PCN(M) de 2001, retirado de “Alguns importantes documentos do Partido Comunista do Nepal (Maoísta)”, publicado em inglês no sitio do PCN(M) cpn.org. A tradução do inglês é da Redação.