Assim como o grande capital internacional inventa os vilões da História segundo sua própria conveniência, vez por outra a "esquerda" picareta e oportunista trata de eleger os seus próprios heróis. Em tempos nos quais os atores da geopolítica estão todos comprometidos com os mecanismos imperialistas de exploração dos povos, os vilões criados pela burguesia e os heróis imaginados pelos trapaceiros e pelos ingênuos de plantão tendem a ser os mesmos.
Trata-se de dirigentes bravateiros que, por um lado, são apontados pelo USA como inimigos do mercado e da fraude que os ianques costumam apresentar como democracia — além de ameaças potenciais à sobrevivência do chamado "mundo livre"; por outro, via de regra, são apressadamente apontados como "líderes" de uma suposta reação contra estruturas internacionais de dominação, algo como um levante contra a opressão dos países ricos que estaria sendo protagonizado pelos governos de alguns países pobres.
Acabamos de descrever Hugo Chávez, presidente da Venezuela e, em parte, Vladimir Putin, presidente da Rússia. Separados por hemisférios opostos — norte e sul, ocidental e oriental — eles têm o oportunismo em comum. Mostram-se intransigentes com os órgãos "multilaterais" do imperialismo, como o FMI e a OMC. Parecem dispostos a virar pelo avesso as premissas da economia internacional. Mas, por trás das palavras vazias, curvam-se ao imperialismo, aos monopólios e à divisão internacional do trabalho.
Debatem-se, irritam-se, exasperam-se, xingam, rosnam e mostram os dentes, mas não passam de títeres no teatro das relações internacionais, os inimigos de fantoche tão convenientes para o USA legitimar sua sanha de polícia do mundo. Ladram, mas não mordem.
Nos últimos meses, diante do aumento do volume de negócios entre os industriais russos e venezuelanos, o monopólio internacional dos meios de comunicação vem chamando os dois países e mais o Irã de "eixo anti-Ocidente", parafraseando o famigerado "eixo do mal" inventado por Bush em seu famoso discurso no dia 29 de janeiro de 2002, no qual transformou a Coréia do Norte, Irã e Iraque em alvos potenciais da máquina de guerra ianque — no caso do Iraque, a ameaça não tardaria em se tornar agressão de fato.
Alguns vêm comparando as atuais campanhas de desinformação promovidas pelo USA, em especial esta falácia do "eixo anti-Ocidente", à campanha de difamação movida contra a União Soviética revolucionária. Mas não há comparação entre os alvos de ontem e de hoje das mentiras que os ianques contam.
Chávez e Putin evocam grandes líderes do passado, garantem que colocam os recursos naturais de seus países a serviço da emancipação dos seus povos, e se insinuam até mesmo beligerantes quando se referem ao USA. Mas todo este jogo de cena não resiste a uma observação mais atenta da realidade. O que fazem na prática está longe de ter um caráter revolucionário, suas políticas reais nem chegam perto de serem comprometidas com os interesses das massas destes países, suas atitudes concretas passam longe de serem balizadas pelas questões de classe.
Agora, por exemplo, vêm se valendo de toda sua demagogia travestida de palavrório antiimperialista para justificar a promoção de um militarismo de quinta categoria na América Latina, para a felicidade da oligarquia industrial bélica que enriqueceu na Rússia a custa da degradação da Revolução Bolchevique.
Aviões e navios de Putin
Os gângsters do capitalismo à moda Putin vêm faturando bilhões de dólares graças à sanha militarista de Chávez. Tudo pago pelos trabalhadores venezuelanos. As armas compradas junto a integrantes da burguesia criminosa da Rússia, homens que ajudaram a restauração do capitalismo no país, não são para defender o povo venezuelano de uma eventual — e improvável — agressão militar do USA; elas servem para alimentar a imagem que Chávez cultiva de si próprio de grande desafiador dos poderosos do mundo, aquele que oferece maior contraponto às políticas imperialistas e neocoloniais que vêm do norte.
Quando chegou a Moscou para fechar negócios com o Kremlin capitalista, no dia 23 de julho deste ano, Chávez foi logo se valendo deste estratagema: "Isto irá garantir a soberania da Venezuela, que neste momento os EUA estão ameaçando".
Trata-se de uma fraude, um teatro para acumular poderes a fim de levar a cabo o exato contrário de tudo o que Chávez parece defender. Ele não é o grande líder que alguns oportunistas demagogos tentam apresentar. Não é o grande homem que estaria na linha de frente da resistência à truculência do USA. Quem resiste são os povos, e suas lideranças jamais foram escolhidas pela via das farsas eleitorais burguesas, marcadas pelos vícios da corrupção e pelos comprometimentos com o capital opressor. Da mesma forma, Putin e seu capacho maior, o presidente Dimitri Medvedev, vêm patrocinando a consolidação da corrupção e a selvageria capitalista na Rússia — tudo ao abrigo das bravatas nacionalistas e em nome do bravo povo russo.
Pois Hugo Chávez, que reclama o título de protetor dos povos latino-americanos, quer mesmo é trazer esta máfia para o nosso continente. No último dia 30 de setembro, o presidente "bolivariano" autorizou formalmente a entrada de aviões e navios de guerra russos nos espaços aéreo e marítimo da Venezuela, além de dar carta branca para as tropas a serviço de Putin e Medvedev usarem os portos e aeroportos do país.
Assim, entre uma bravata e outra, esmerando-se na despolitização do povo venezuelano e nos engodos da integração regional e do "socialismo do século XXI" dirigido às massas dos países vizinhos, Hugo Chávez abriu as portas da América Latina para que o arremedo de imperialismo russo ultrapasse sua condição regional e se aventure na escala global. Isto no exato momento em que o controle de áreas ricas em petróleo é de uma importância geoestratégica sem precedentes na história recente — a despeito das previsões de que o futuro reside nas fontes renováveis de energia.
E a Rússia já deu provas de que não está para brincadeira no cenário internacional. O fato de o Kremlin estar "jogando pesado" com o USA e com a Europa do capital — no caso desta, ameaçando cortar o fornecimento de gás natural — não significa que seus atuais inquilinos estão ao lado dos povos oprimidos do mundo; significa, ao contrário, que Moscou está disposto a entrar em uma disputa neocolonial com os ianques e com as potências européias.
É a esta situação que Chávez, com seu oportunismo de bravatas, ameaça agora submeter não apenas os trabalhadores venezuelanos, mas também de todos os outros países da região. É preciso não se enganar: mercadores de ilusões travestidos de salvadores da pátria também são inimigos do povo.