Os camponeses não mais suplicam; agora, ordenam

Os camponeses não mais suplicam; agora, ordenam

No dia 2 de maio último, mais de 150 camponeses — representantes da Liga dos Camponeses Pobres do Centro-Oeste (LCP-C0) e da Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas (LCP-NM) —, dirigiram-se ao INCRA-MG para exigir providências em suas áreas. Apesar da reunião estar previamente agendada, os camponeses tiveram que enfrentar a repressão da Polícia Militar estadual.

Os camponeses do nosso país têm enfrentado uma difícil situação no campo. O governo FMI-PT se elegeu em cima das promessas da execução da Reforma Agrária, mas por todo o ano de 2005 distribuiu terra a menos de 60 mil famílias. Os números oficias divulgados pelo governo, 127.500 famílias, são tão falaciosos, que o próprio MST — cujos dirigentes apóiam o governo — é obrigado a denunciar as estatísticas ardilosas.

A repressão policial sobre os camponeses aumentou consideravelmente na gerência petista. Os dados da Ouvidoria Agrária Nacional2 indicam que ocorreram 74 assassinatos no campo no ano de 2005 e, em 2006, somam 29, os homicídios no primeiro trimestre. Em 2005 mais de 4 mil famílias foram expulsas da terra por latifundiários e grileiros1.

A resistência camponesa de Corumbiara completou, em 2006, 11 anos, mas nenhum dos assassinos dos 11 camponeses que tombaram nesta luta está preso e nenhuma família foi indenizada — a não ser a de dois policiais. Os responsáveis pelo massacre de Eldorado dos Carajás, depois de 10 anos, também estão em liberdade. O assassino do Advogado do Povo, Dr. Gabriel Pimenta, o latifundiário Nelito, ganhou como prêmio por seus atos, a impunidade.

A Reforma Agrária da gerência petista tem-se caracterizado por muitas promessas e quase nenhuma terra titulada para os camponeses, ao lado de uma repressão feroz contra os trabalhadores do campo. Observa-se que quanto aos latifundiários, basta queimar algumas máquinas e o governo libera grandes somas de dinheiro com quase 30 anos para pagar.

Diante de tantos artifícios burocráticos visando protelações para os problemas mais simples de erradicação do latifúndio, aos camponeses só resta ocupar as propriedades que se mantém como um câncer na vida nacional e que destroem a vida de milhões de trabalhadores, exigindo do governo latifundiário, burocrático e imperialista, terra para quem nela trabalha.

Basta de mentiras

No dia 2 de maio, 150 camponeses organizados na LCP-CO e na LCP-NM dirigiram-se ao INCRA-MG para uma reunião com o superintendente do órgão, Marcos Helênio. Na oportunidade, o documento assinado pela LCP-CO e LCP-NM e distribuído à imprensa revela a indignação dos camponeses diante de tantas promessas não cumpridas:2

Estamos cansados de fazer reuniões, costurar acordos, na melhor das hipóteses cumpridos em doses homeopáticas, e na grande maioria das vezes não cumpridos.

O mesmo documento dispõe claramente as exigências da LCP-CO e LCP-NM:

1Imediata retomada das terras devolutas e entrega das mesmas para os camponeses pobres;

2Imediata execução de todas as dívidas administradas pela MGI, que têm como garantia propriedades rurais, e entrega das mesmas para a Reforma Agrária;

3Desapropriação imediata de todas as áreas em conflito que envolvam grande número de famílias, em função da defesa social.

Os camponeses do Triângulo mineiro exigiam, ainda:

1A completa regularização da área no município de Campina Verde;

2Retomada da distribuição de cestas básicas por parte do governo federal;

3Solução no impasse com a prefeitura de Campina Verde referente ao transporte escolar para as crianças.

Repressão policial

A reunião com o superintende do INCRA estava no início quando nossa reportagem flagrou dois policiais militares dentro do Instituto. Como órgão federal, o INCRA não deve permitir o acesso da PM em suas instalações, somente a Polícia Federal pode atuar em órgãos dessa natureza. Estranhando a presença policial, nossa reportagem fotografou e conversou com os militares, que não opuseram resistência às fotos e ao diálogo.

Quando já nos encontrávamos no auditório aonde se desenrolava a reunião, cobrindo normalmente o evento, fomos informados de que um sargento, de nome Armani, da PM-MG, exigia a identificação da equipe de reportagem e ameaçava prender a todos. Um ato claro de abuso de autoridade, já que o referido sargento não tinha qualquer amparo legal para exercer funções repressivas no interior daquele prédio, quando na verdade o infeliz policial insistia em gerar distúrbios para sabotar a reunião.

Visando evitar maiores tumultos, e como estávamos no exercício legal de nossas funções, não nos opusemos à identificação. O truculento sargento Armani, após muitas ameaças, apossou-se da credencial da repórter. A comissão de camponeses interferiu. O sargento Armani e seu colega de farda responderam com agressões físicas, sacando a arma e ameaçando disparar contra os trabalhadores desarmados.

Mas, incapazes de sustentar a provocação e desmoralizados, os policias retiraram-se do prédio e os camponeses voltaram ao auditório. O superintende do INCRA afirmava veementemente não ter chamado os policiais — neste momento haviam mais de 30 viaturas em frente ao órgão -, mas ele mesmo adotou a iniciativa de solicitar a devolução da credencial.

A PM permaneceu insistindo em invadir "legalmente" o prédio do INCRA, contando com o apoio de elementos em trajes civis. Quando a verdadeira autoridade, um dos coordenadores da LCP-NM, passou a enumerar as arbitrariedades cometidas pelo sargento, o comando recuou em seus intentos e saiu rápido pela porta dos fundos.

Nada pedimos

Apesar da tensão que dominou os funcionários por alguns momentos, no período da tarde o encontro entre o superintende do INCRA e os camponeses prosseguiu dentro da normalidade. Mais uma vez, Marcos Helênio fez promessas e deu as desculpas habituais da gerência petista de que "é preciso ter paciência, que o governo está providenciando, que infelizmente as verbas são poucas e não podem atender a todos" etc.

Os camponeses já sabem de cor esta ladainha do governo federal, mas nem por isso deixarão de exigir seus direitos. O documento citado avisava explícitamente:

Não nos venham falar que não é possível!

Para fazer festa em Diamantina, foi desapropriada uma área em Curvelo, decreto do governador, e a alegação foi a 'defesa social'.

Paciência tem limite. E estamos no nosso. Aguardamos breves e urgentes providências. A responsabilidade é do Estado.

O tradicional comportamento dos camponeses organizados nas Ligas de camponeses pobres não tem deixado dúvidas de que para realizar suas pretensões — conquistar a terra para os trabalhadores do campo, com pouca ou sem terra alguma, e erradicar a figura genocida do latifúndio em nosso país — não adianta esperar que a gerência petista, ou qualquer outra que a venha substituir, as implemente. Em seus pronunciamentos, os camponeses militantes da LCP são taxativos: estão dispostos a contar, apenas, com suas próprias forças e a aliar-se decididamente à classe operária urbana e rural.

Enquanto os órgãos gestores do latifúndio e o sub-governo semifeudal, burocrático e semicolonial faz suas manobras de cerco ao povo, os camponeses — através de suas organizações independentes, principalmente suas Ligas de camponeses pobres — confiscam a terra do latifúndio, dividem-na e modificam as relações sociais de produção no interior dessas propriedades. Os camponeses dessas organizações mais consequentes desenvolvem as forças produtivas e adotam formas individuais e coletivas de produção, constroem escolas de novo tipo e estabelecem sua organização política, de norte a sul do país.

Assim, combatem a fome e a miséria, põem-se de pé, constroem o que lhes pertence, eliminam as superstições, impõem sua imensa vontade de libertar-se da opressão e de construir um Brasil independente.

Que pensam esses órgãos gestores do latifúndio?

Acham eles que os camponeses vão esperar o quê? A morte por inanição ou bala? Eles nada mais esperam, exceto pelo seu plantio florescendo. Depois, se põem a colher e novamente a plantar.

Muitos já não estão mais sob as ordens do latifúndio — senhores proprietários de fabulosas riquezas amealhadas ao povo — porque a verdadeira regra natural das coisas, sabem já esses trabalhadores, é colocar-se sob as ordens do povo.


1 Dados da Comissão Pastoral da Terra.
2 Relatório 09/2005, referente ao ano de 2005
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