Os limites da retórica pseudo-revolucionária

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Os limites da retórica pseudo-revolucionária

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Polícia agride indígenas do TIPNIS durante marcha realizada em setembro

Evo Morales e todo seu entorno político vivem o pior momento em mais de cinco anos de mandato. A mobilização espontânea de operários, indígenas, estudantes e movimentos de bairro de vários rincões da Bolívia lhe fez sentir o gosto da derrota política, nada mais nada menos que utilizando os mesmos argumentos com os quais Evo vinha discursando desde janeiro de 2006, quando assumiu a gerência do velho Estado boliviano.

Analisamos criticamente os discursos de Evo Morales há muito tempo. Basta ler os artigos de AND para ver que a constante neste governo foi apresentar o capitalismo de Estado atado às transnacionais, sob a figura de joint venture e recorrentemente lhe atribuir o título de processo revolucionário.

O extrativismo aprofunda a economia de enclave recoberto por uma tênue capa do discurso exótico da defesa da Mãe Terra e o “oportunismo climático”, assim como também o desborde do clientelismo frequentemente apresentado com a etiqueta de “governo indígena, camponês ou originário devido aos movimentos sociais”. 

Neste caso específico o detonador da crise política do governo de Morales foi o acionar da construção de uma estrada que dividiria em dois o Territorio Indígena e o Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), alterando a vida de três grupos indígenas assentados nessa área protegida, yuracarés, caimanes e moxeños, e que ademais implicaria na destruição de aproximadamente meio milhão de árvores. Paralelamente houve uma valente resistência dos povos indígenas mencionados e de muita gente residente nas cidades, mas comprometida com a causa indígena.

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Polícia agride indígenas do TIPNIS durante marcha realizada em setembro

O governo jurou até o fim que o único interesse que move essa construção é conseguir o progresso dos que habitam os arredores dos caminhos vicinais que foram construídos no TIPNIS, estabelecer uma integração da região amazônica com a andina, para dessa forma conjurar qualquer chantagem de setores de poder econômico – especificamente pecuaristas de Santa Cruz de la Sierra – que em geral se aproveitam da falta de caminhos centrais para fazer prevalecer seus interesses e preços na comercialização de carne bovina, isolando os pecuaristas de Beni que tacitamente seriam os que praticam um “comércio justo”.

O certo é que nunca esteve clara a política de querer povoar vastas zonas da Amazônia. O governo sempre atuou com ambiguidade em relação ao tema do “desenvolvimentismo”, antepondo seu próprio Plano de Desenvolvimento Nacional e posteriormente na Constituição Política do Estado o suposto paradigma de “viver bem”, que não atentava contra a natureza nem contra os indígenas e que aparentemente escapava do modelo depredador do capitalismo. Se o governo sempre buscou “desenvolvimento” e “progresso” para a Bolívia, ninguém pode entender o motivo de tanta falação sobre a Mãe Terra se ela é um obstáculo para seus próprios planos.

De fato, lembremos que Morales fustigou seu homólogo peruano, Alan Garcia Pérez, quando este arremeteu contra os indígenas de Bagua para viabilizar projetos mineradores, assim como sua política anti-indígena e pró-imperialista em 2009. Quem diria que depois de pouco mais de 2 anos Evo Morales terminaria fazendo o mesmo que aquele nefasto personagem.

Sem dúvida, Evo Morales e seu séquito jamais reconhecerão suas contradições, apesar de ficarem emaranhados em sua própria demagogia, em seu falaz discurso de defesa da “Mãe Terra”, na emotividade quase infantil ao ver o filme “Avatar”, os afãs de liderança ecologista, tudo se acabou junto com sua estrada no TIPNIS. E hoje esse discurso, que outrora esteve na ponta da língua de Morales, foi arrebatado pelos que se opõem à construção da estrada.

Não se pode falar que Morales e sua equipe desconhecia os possíveis danos dessa obra, pois em julho de 2010, Juan Pablo Ramos, ex-vice-ministro de Meio Ambiente de Morales, renunciou a seu cargo por não estar de acordo com a outorga da licença ambiental ao projeto, o que evidencia que se trata de um problema de longa data, impossível de ser passado despercebido.

Os interesses do Estado brasileiro, Banco Nacional de Desenvolvimento, construtoras OAS, Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez vêm se multiplicando na Argentina, Chile, Peru e Venezuela, enquanto miram projetos na Nicarágua e Costa Rica, Bolívia com o TIPNIS e outros empreendimentos, como o corredor bioceânico e a represa do Rio Madeira, que estão entre os objetivos das transnacionais “brasileiras” para estabelecerem hegemonia na América Latina.

Morales também insinou que os indígenas estão sendo financiados e açulados por interesses ianques. Particularmente mencionou a Usaid (agência de “cooperação” ianque), a mesma que utiliza ONGs bolivianas como o Forum Boliviano do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Fobomade), o Centro de Estudos Jurídicos e Investigação Social (Cejis), ou a Liga de Defesa do Meio Ambiente (Lidema).

Esse discurso é outra das grandes incoerências do governo Morales, pois grande parte de seu périplo governamental foi gasto fustigando a Usaid e ameaçando expulsá-la, mas não o faz, pela simples razão de que na realidade não é interessante expulsar essa agência ianque. Trata-se apenas de um regateio para captar diretamente seu financiamento. Destaque-se que durante o governo Morales os financiamentos externos captados por ONGs se encontram sob múltiplos mecanismos de controle instaurados recentemente. Por outro lado, a intenção do governo é açambarcar o financiamento externo, coisa que pode ser vista observando a página do Sistema de Contratações Estatais (www.sicoes.gob.bo), onde se vê que muitas compras e contratação de consultorias são financiadas com recursos de agências internacionais de cooperação para o desenvolvimento, situação contraditória para um governo que se diz descolonizador, que cria muitas agências paraestatais, onde convergem repartições públicas com escritórios dessas agências.

O levantamento do combativo povo boliviano, não só dos indígenas do TIPNIS, mas de todos os 9 departamentos da Bolívia contra um governo que não o manietou por muito com o discurso cativante da “mudança revolucionária”, só mostra o alto nível de consciência política do povo boliviano, que soube superar múltiplas armadilhas, entre elas a demagogia de Morales, o bombardeio e controle dos meios informativos de seu governo, e que ainda superou o medo da repressão indiscriminada e ameaça de encarceramento que se tornou rotina do governo de Morales, que tem a seu serviço não apenas a polícia, mas também o ministéro público e o poder judiciário.

Evo ordena furiosa repressão contra marcha indígena
Rafael Gomes
No dia 25 de setembro, os aparatos repressivos do Estado boliviano dispersaram, com uso da costumeira brutalidade, cerca de mil indígenas e camponeses que realizavam, há mais de quarenta dias, uma marcha de protesto, em Yucumo, no nordeste do país. Segundo agências de notícias bolivianas, pelo menos sete pessoas foram assassinadas pela polícia, entre elas um bebê de três meses. 

A manifestação era contra a construção de uma estrada que atravessará o Parque Nacional Isiboro Sécure, uma reserva ecológica localizada na região amazônica da Bolívia. Eles alegam que isso provocará a destruição das florestas da região e a invasão de produtores de folha de coca. Os líderes da marcha denunciam que, por diversas vezes, a gerência Evo Morales não cumpriu com a exigência legal de consultá-los sobre o projeto. O projeto é realizado pela empreiteira brasileira OAS com investimentos do BNDES e custará um total de 415 milhões de dólares.

Para dispersar a marcha, que ia rumo a La Paz, a polícia interveio com extrema truculência, utilizando bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes acampados perto de Yucumo.

Evo Morales, temendo os protestos, anunciou uma lei para evitar assentamentos de camponeses no parque.

Após a repressão, os indígenas foram retirados das barracas que ocupavam e colocados à força em ônibus, que partiram para San Borja, a cerca de 55 km de Yucumo. Além dos mortos, os principais dirigentes da marcha estão detidos, dezenas de pessoas feridas com cortes na cabeça e outras tantas desaparecidas, inclusive mulheres e crianças.

Além da tropa de choque da polícia, os manifestantes tiveram de enfrentar os partidários de Evo Morales que fizeram bloqueios para impedir o protesto indígena.

Após a repressão à marcha e 40 dias de intensas manifestações por todo o país, Morales anunciou, no dia 26 de setembro, a suspensão da construção da estrada. A suspensão irá durar até ser realizado um plebiscito.

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