Os mortos não se levantarão de seus túmulos

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Os mortos não se levantarão de seus túmulos

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Allende, no fim de sua vida, ainda resistiu ao golpe de Estado

No dia 26 de junho de 2008, comemorou-se o centenário do nascimento de Salvador Allende, Presidente eleito do Chile, em 1970, derrubado por um violento golpe de Estado em 11 de setembro de 1973. Elegeu-se pela Unidade Popular, coalizão política integrada pelo Partido Socialista Chileno, Partido Comunista do Chile, MAPU, PADENA e Ação Popular Independente.

O governo dos Estados Unidos, presidido por Richard Nixon, após o triunfo eleitoral, entrou de imediato em ação. O Comandante em Chefe do Exército chileno, general René Schneider, seria vítima de um atentado em 22 de outubro e faleceria três dias depois, porque não se submeteu à demanda imperialista de um golpe de Estado. Mas fracassara a tentativa de impedir a chegada da Unidade Popular ao governo.

Os golpistas, liderados pelo general fascista Augusto Pinochet, a soldo das oligarquias chilenas e do imperialismo norte-americano, seria o responsável direto ou indireto pela morte de milhares de pessoas, ainda no primeiro ano de ditadura militar. Prisões arbitrárias, torturas, assassinatos, desrespeito total aos direitos do povo foram a marca registrada do algoz de seu próprio povo. Os dias se tornavam lúgubres. Economistas norte-americanos, dirigidos por Milton Friedman, começariam a testar, pela primeira vez, a doutrina neoliberal, para transformar o Chile no paraíso das empresas transnacionais e do sistema financeiro internacional.

Allende assumiu a presidência no dia 3 de novembro de 1970 e durante seu governo nacionalizou as minas de cobre, a principal riqueza do país. Além disso, passou as minas de carvão e os serviços de telefonia para o controle do Estado, aumentou a intervenção nos bancos e fez a reforma agrária, desapropriando grandes extensões de terras improdutivas e entregando-as aos camponeses. Allende instituíra os tribunais de bairro, levando justiça aos trabalhadores, algo inédito no País. Humanizou-se o sistema carcerário e combateu-se o delito delinquente. Assim, provocou a ira da direita fascista e do governo norte-americano. Em 4 de setembro de 1972, Allende denunciou em vão, nas Nações Unidas, as tentativas norte-americanas de desestabilização de seu governo.

No Brasil, a comunidade chilena e os brasileiros relembram, concomitantemente, os ensinamentos — erros e acertos — do Governo de Salvador Allende, em múltiplos eventos por todo o País. Uma das muitas questões que tem provocado acirrados debates, não só entre brasileiros e chilenos democratas, mas também em outros países, especialmente onde o povo trabalhador está mais organizado e apresenta nível de consciência mais elevado, envolve o "Estatuto de Garantias Democráticas", firmado tanto pela Unidade Popular, quanto pelo Partido Democrata-Cristão do Chile, e aprovado pela Câmara e pelo Senado, como Ato Adicional à Constituição, fato inédito no Chile. Nesse documento, encontram-se as condições para que Salvador Allende ascendesse à Presidência do País. Entre elas, consta como obrigações do Governo de Unidade Popular não impedir a atividade dos partidos de oposição, não estabelecer a censura nem limitar a liberdade de expressão, não intervir no sistema de escolas particulares controladas pela Igreja, manter a autonomia da Universidade, não intervir no sistema de promoções hierárquicas do exército por tempo de serviço, não permitir a formação de destacamentos civis armados do tipo milícias populares, não criar nenhuma classe de órgãos de poder não previstos pela constituição e conservar o sistema eleitoral em vigor.

Salvador Allende e a Unidade Popular rejeitariam outras exigências, como não nomear comunistas e socialistas para os cargos de Ministro do Interior e de Defesa, ou não realizar qualquer tipo de mudanças nestes ministérios a não ser de acordo com a direção das Forças Armadas ou ainda aceitar esta direção como garante o Estatuto, porque feriam as prerrogativas constitucionais do Presidente da República. Entretanto, ficaria evidente que as forças democráticas e populares tinham sido privadas de meios, para defender seu projeto e de, inclusive, impedir o golpe, já que há grande distância entre o discurso das classes dominantes e de seus esbirros e os métodos aplicados na defesa de seus interesses econômicos. Quando se toca na propriedade privada, de nada valem conceitos como "liberdade", "democracia", "direitos humanos". As classes dominantes fizeram e fazem suas leis para consumo próprio, em primeiríssimo lugar. Se não funcionam, por qualquer razão, usam medidas de força. Isso foi exatamente o que a Junta chilena fez, a partir de 11 de setembro, sem a mínima complacência com seus adversários.

Sem destruir o Estado reacionário e construir um outro que atenda a seus interesses, os trabalhadores, isto é, operários e camponeses, não conseguem manter-se no poder. Os votos obtidos não garantem o respeito da parte do capital aos resultados. O povo só é respeitado quando detém o poder, pois tanto a burocracia quanto as forças armadas estão a serviço de capitalistas e latifundiários, que as criaram no devido tempo, para servi-los. São duas estruturas corporativas interligadas, criadas pelas classes exploradoras, para se manterem no poder. Se essas estruturas não forem substituídas, não haverá marcha ao socialismo e os trabalhadores continuarão submetidos.

A Junta Militar chilena com sua tropa e seus burocratas cumpriram seu papel, ao defender os interesses das classes dominantes, porque não existem interesses gerais da nação, mas sim interesses de cada classe que compõem uma ou mais nações. Por isso, cada classe ou aliança de classes deve ter capacidade para criar seu próprio aparato estatal, caso contrário chegará ao governo, mas não terá o poder. E no caso de fazer qualquer tentativa de reorganizar a economia nacional, será derrubada com esperada ferocidade. Por isso, ao invés de lamentar-se pelas baixas sofridas, parece preferível preparar-se para que isso não aconteça outra vez, sem ter ilusões. A Unidade Popular preferiu respeitar as leis burguesas, como declarara, muitas vezes, Salvador Allende, imaginando que o imperialismo, a burguesia local e os latifundiários ficariam assistindo de braços cruzados à implementação "pacífica" de um programa socializante. Essa ilusão, que não deixa de constituir uma atitude irresponsável de dirigentes, matou e feriu milhares de pessoas e destruiu milhões de histórias de vida. Se erros de muito menor magnitude tivessem sido cometidos por um gerente de empresa ou um general qualquer, além de ser afastado, seria punido severamente, com certeza, fosse de direita ou de esquerda. Por isso, seria preciso refletir, inclusive, sobre as constantes homenagens, quando aparece quase que só o nome do líder, exatamente daquele que guiou as massas para o precipício. Quem sabe desse modo, erros que fazem heróis vivos ou mortos, às custas de vidas alheias, se reduzam, num mundo que se torna cada vez mais perigoso e violento.

Allende lutou de armas na mão, numa resistência desesperada, no dia 11 de setembro, tentando impedir a consumação do golpe. Mas em vão, porque os trabalhadores, ainda que organizados relativamente, não estavam armados e nada podiam fazer contra forças militares semi-coloniais reforçadas pelo imperialismo norte-americano. Os mortos não se levantarão de seus túmulos. Mas haverá mais massacres, se novos equívocos forem cometidos. Usar de palavras duras pode ser doloroso, mas não usá-las pode ser muito mais…

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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