Os operários da cultura popular

Os operários da cultura popular

Ambos nasceram pobres, sempre gostaram de compor e cantar, e foram para cidade grande tentar a sorte. Mas, assim como muitos outros brasileiros, que não têm chance de mostrar sua música, tiveram que trabalhar pesado, não sobrando tempo para dedicar-se à carreira musical. No entanto, hoje, com mais de oitenta anos de idade, ‘seu’ Antônio Bento e ‘seu’ Adriano se entusiasmam diante da possibilidade de verem seus talentos reconhecidos.


"Seu" Antonio Bento fez 16
apresentações no auditório da ABI


"Seu" Adriano ainda não teve
quem gravasse suas músicas

‘Seu’ Antônio Bento nasceu em Areal, próximo a Petrópolis, RJ, e até os 15 anos viveu cuidando de gado e plantações, na pequena propriedade da família camponesa. Mas seus sonhos ultrapassavam as fronteiras do vilarejo.

— Estava sempre com o rádio ligado ouvindo as serestas e sambas-canções da época do romantismo. E não me contentava só em ouvir: saía cantando nos parques e circos que passavam por Areal — lembra Bento, com 83 anos de idade.

‘Seu’ Adriano nasceu no campo, em Minas Gerais, mas não sabe precisar exatamente onde, por não ter tido registro civil, até precisarem do seu voto.

— Lá na roça só registravam no cartório as pessoas que tinham bens, por causa da herança. Quem era pobre, não precisava de registro, e eu fiquei sem. Só tinha a carteirinha de batismo que o padre deu. Sabe como é: pobre não tem vez. Só bem mais tarde, quando morei na Cidade de Rio Preto, divisa do Rio com Minas, tirei o título de eleitor, meu primeiro documento — conta ‘seu’ Adriano, aos 88 anos de idade.

E a história dos dois continuou parecida, apesar de uma grande diferença: ‘seu’ Antônio conseguiu ir para a escola quando criança, já ‘seu’ Adriano foi analfabeto até os 55 anos de idade, conseguindo concluir o primário.

— Guardava as músicas na cabeça, porque não sabia escrever nada. Perdi meus pais ainda menino e fui trabalhar numa fazenda, tratando de porco e tirando leite de vaca. A gente lá não sabia nem o que era rádio, era desprovido de tudo. Mas eu gostava de cantar calango, comum na região, e ter alguém para tocar uma sanfona por perto — lembra ‘seu’ Adriano.

— Com mais ou menos 20 anos saí de lá para Rio Preto, divisa do Rio e Minas, e fui trabalhar de pedreiro. Depois mudei para o Rio de Janeiro, e aqui fiquei, continuando no ofício de pedreiro até me aposentar. Só fiquei triste quando falaram que aqui não ia mais ser a capital do Brasil, porque eu lutei tanto para vir para cá, e ‘eles’ levaram a capital pra outro lugar — fala.

— Saí de Areal com aproximadamente 17 anos de idade, primeiro para Petrópolis e depois para o Rio, onde aparentemente têm muita chance de um artista fazer sucesso, mas na prática não é assim. Entre outras profissões, fui padeiro, bancário, funcionário de gráfica e vendedor de cestas de natal — conta ‘seu’ Antônio Bento.

Trabalhando, compondo e cantando

Labutando em outro ofício, esses homens simples do povo faziam suas composições e cantavam todo o tempo. ‘Seu’ Adriano tem músicas falando de cada construção que trabalhou, entre elas: o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, Maracanã, ‘Túnel Novo’ do Leme, e Avenida Brasil.

— Na obra a gente não podia conversar, porque ‘eles’ diziam que ia atrapalhar a produção, então, eu cantava. Também ninguém controlava meus pensamentos, e eu inventava música: ia contando o meu serviço, e também tudo que estava ao redor. Nós somos operários, não temos estudos, não temos nada, mas temos sentimentos — fala o poeta ‘seu’ Adriano, acrescentando que trabalhar na construção civil é como fazer uma obra de arte.

— O maracanã foi uma obra rápida, 1949/50. ‘Eles’ queriam fazer depressa por causa da Copa do Mundo. Então tiraram do local um quartel do exército, e a Favela do Esqueleto, mudando os moradores para a Vila Aliança, lá perto de Nova Iguaçu. Além disso, pararam as outras construções da cidade, porque todo cimento, ferro, e tudo mais, era para o Maracanã. E vendo aquele movimento todo, eu criava músicas e cantava sem parar (risos) — relata.

— Muito tempo depois de aposentado, quando fui cantar na rádio Nacional, no programa Amigo da Madrugada , do Adelzon Alves, é que descobri, porque ele me falou, que sou compositor, sambista e jongueiro. Eu não sabia nem o que era esse negócio de compositor (risos). Só sabia trabalhar em obra, e sair de noite para dançar na gafieira Clube do Abacate, que funcionava no Largo do Machado — fala o carismático ‘seu’ Adriano.

Seu Antônio Bento também executou seus trabalhos com zelo e todo o tempo cantando e compondo, só que prefere falar de amor em suas serestas e sambas.

— Tinha um colega de trabalho na padaria, que já chegava de manhã perguntando: ‘seu Antônio’, porque eu já era meio velhinho naquele tempo (risos), ‘tem música nova aí?’ E eu cantava uma para ele, enquanto fazia o pão — conta.

Sempre extrovertido, ‘falador’ e cheio de idéias, ‘seu’ Antônio chegou a direção do sindicato dos empregados de padaria, em 1956/58. E, diferente de seu Adriano, ele tinha consciência de que era um compositor, e procurava alguém interessado em gravar suas músicas.

— Nesta parte dei sorte, porque tive algumas das minhas composições, sozinho ou com parceiros, gravadas. Entre elas: Confusão no baile , Carangueijada , Quem atura bêbado , Alegria nossa , Mal entendido, A menina repentista e Amiga confidente — relata.

Seu Antônio recebe algum ‘dinheirinho’, que ajuda na sua sobrevivência, pela UBC — União Brasileira de Compositores, da qual é filiado, toda vez que alguém grava alguma de suas composições.

Como artista, atuou também com o Grupo Folclórico da Guanabara, e fez 16 produções no auditório na ABI, tituladas Antônio Bento e seus convidados , além de pontas em filmes e programas de televisão.

Já ‘seu’ Adriano ainda não conseguiu ninguém para gravar suas músicas. No entanto teve a alegria participar de uma faixa do disco MPB de Raiz , resultado do programa de mesmo nome, apresentado por Adelzon Alves na rádio MEC/RJ, um espaço aberto a compositores do samba autêntico e músicas ligadas às raízes culturais do país. O programa está fora do ar desde janeiro, prometendo voltar em breve.

— No disco eu canto um samba de amor que fiz para a minha segunda esposa. A gravação ficou tão boa que nem tenho coragem de falar para os outros que sou eu (risos) — brinca ‘seu’ Adriano.

— Não sou aquele cantor famoso, nem tenho disco gravado ainda, mas, se chegar em um bar e cantar, todos param para ouvir — fala ‘seu’ Antônio Bento.

Esses dois brasileiros, lutadores e cheios de talento, se apresentam onde são convidados. Para contatá-los: Seu Adriano (21) 3301-0170 ; Seu Antônio Bento (21) 2117-7835 (falar com Carlito).

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