Na sua edição nº 84, A Nova Democracia publicou o artigo A crise acaba com o capitalismo?, de autoria de Adriano Benayon, articulista e membro do conselho editorial de nosso jornal. Consideramos que os escritos do professor Benayon refletem as ideias de um amplo e importante setor da sociedade e do povo brasileiro. Exatamente aquele formado pelos pequenos e médios proprietários, principalmente industriais, mas não somente, ademais de parte significativa da nossa intelectualidade.
Os interesses, aspirações e sentimento nacional destes se encontram em cruciais contradições com a dominação imperialista e seus sustentáculos dentro do país. Portanto, não só potencialmente, mas efetivamente expressam identidade e compromisso com a autêntica emancipação nacional, com uma democracia nova e com os anseios populares. Por isso, ainda que guardando divergências de fundo com a linha editorial do jornal, consideramos tratar-se de um importante debate, na base da construção da frente única democrática-popular-revolucionária.
Partindo da correta afirmação de que as crises do capitalismo não conduzem ao seu fim por si mesmas, acresceríamos ainda, por mais profundas e agudas que possam chegar a ser, e que esse sistema precisa ser substituído, no referido artigo o professor Benayon propõe um modelo alternativo.
Ao expor sua tese, afirma que “o capitalismo é um sistema cuja característica é não estabelecer limite algum à concentração da economia por grupos privados“; de que “Eliminá-lo não implica, porém, excluir a propriedade privada dos meios de produção“. E que “Para afastar o ressurgimento daquele domínio [do capitalismo], a sociedade, através do Estado, tem que manter a vontade de impedir a concentração do capital e dispor dos meios para isso“; que em suma “o problema reside na concentração econômica, e que esta tem de ser evitada“, e ainda que “Se todos os meios de produção são estatizados também há concentração“.
Em defesa de sua tese cita a experiência de países como a URSS (e Rússia atual) e China que, em sua interpretação, teriam aplicado e mantido a via do controle estatal dos setores de base da economia, de infra-estrutura e outros estratégicos, como bancos, inteligência e defesa com vigência do mercado, no qual a ação de empresas privadas nos setores restantes estariam impedidas de realizar a concentração da economia. Advoga que esta via “não deve ser confundida com superestrutura concentradora, isto é, o capitalismo“, e concluindo sua análise assevera que “Do contrário, não se extingue a opressão concentradora e saqueadora, nem o controle político pela oligarquia, como ocorre nas principais sedes imperiais (anglo-americanas), nos satélites europeus e asiáticos, e em áreas de dominação colonial, entre as quais o Brasil“.
Por assim dizer, esta seria então também a resposta, solução e via para nosso país frente à dominação imperialista.
Parece-nos que, ao partir de equívocos sobre a natureza do capitalismo, tomando-o mais pela aparência que de sua essência, sua análise o induz a buscar soluções impossíveis, e que ao fazer a apreciação da experiência histórica a modo de comprovação, também faz uma interpretação pela aparência.
Para o esclarecimento da questão central do referido artigo, temos que pontificar alguns fundamentos, ainda que sob pena de ser repetitivo do já sabido por tantos.
1) que o capitalismo se caracteriza essencialmente pelo caráter social da produção e pela apropriação privada desta, dada à propriedade privada dos meios de produção, pela anarquia da produção provocada pela exclusiva busca do lucro e por crises cíclicas de superprodução relativa de mercadorias, determinadas pelas leis objetivas da acumulação capitalista, resultando em concentração e centralização de capitais.
2) que o capitalismo é um modo de produção que, como processo histórico, tem surgimento, desenvolvimento e fim. Em seu desenvolvimento, sua primeira etapa, a da livre concorrência, levou à concentração do capital e da produção, gerou os monopólios e o capital financeiro a partir da fusão do capital bancário com o capital industrial, passando-se à uma nova etapa, predominada pelos monopólios. Lenin a caracterizou como a continuidade em toda extensão dos elementos essenciais do capital, formulando que esta consistia na etapa superior e particular do capitalismo: é capital monopolista, é capital parasitário e em decomposição e é capital agonizante, o imperialismo. Também ressaltou ser o traço distintivo do imperialismo, a época em que o mundo ficou dividido entre um punhado de nações avançadas opressoras e a imensa maioria de nações atrasadas e oprimidas.
-Propriedade privada de meios de produção e mercado é capitalismo.
-Desde 1900 o capitalismo só existe como sistema imperialista.
-A imensa maioria das nações e povos do mundo só pode conquistar sua libertação e assegurar sua independência com a Nova Democracia e o socialismo.
Desde os fins do século XIX e início do XX o capitalismo existe e só pode existir como capitalismo monopolista, imperialismo, um sistema mundial em que começou e terminou a partilha do globo terrestre entre as principais potências. Sendo o domínio do capital financeiro, a exportação de capital e a política colonial, as características predominantes na busca não apenas do lucro em geral, mas do lucro máximo, a guerra de rapina, pelo controle das fontes de matéria prima, por mercados cativos para as mercadorias de seus monopólios e pelas esferas de influência, o imperialismo é guerra inevitável pela partilha e repartilha do mundo.
3) quando da passagem do capitalismo de sua fase de livre concorrência à monopolista, o capital financeiro, via exportação de capital e a política colonial, engendrou nos países mais atrasados um capitalismo de tipo burocrático, através da fusão do capital de origem feudal e comercial destes países com o capital financeiro.
4) que o capitalismo conforma uma sociedade de classes antagônicas, em que os capitalistas que detém a propriedade privada dos meios de produção e exploram as classes trabalhadoras, estão organizados em Estado, cuja função essencial é a de exercer sua dominação, organizar e travar permanentemente sua luta de classe contra as massas trabalhadoras, para assegurar a continuidade da sua exploração e conjurar os perigos da revolução operária. Na época do imperialismo, as superpotências e potências, para subjugar as nações oprimidas, impõem e mantêm nestes, Estados lacaios para exercer sua dominação econômica, política e cultural.
Portanto, consideramos:
1) que na época atual o capitalismo só existe enquanto um sistema imperialista mundial numa unidade, manifestando objetivamente nos países que são ou imperialistas (reduzido número de potências) ou oprimidos por estes, os semicoloniais e semifeudais (imensa maioria das nações).
2) que as crises do capitalismo obedecem leis objetivas próprias do sistema, são insolúveis no seus próprios marcos e só podem ser adiadas com novo ciclo de recuperação e crise, se não são aproveitadas para derrubá-lo e substituí-lo por outro sistema. Tais crises são oportunidades, por excelência, que as forças sociais por ele exploradas e oprimidas devem aproveitar para sacudi-lo ao máximo no objetivo de derrubá-lo. As desordens e as ações violentas das massas que as crises do capitalismo tendem a gerar podem conformar uma situação revolucionária, situação objetiva esta que independe da vontade de quem quer que seja, na qual uma revolução pode ocorrer e triunfar condicionada pela existência de um partido de vanguarda, capaz de atrair as massas para seu propósito e tê-las sob sua absoluta direção. Isto foi confirmado por todas as revoluções triunfantes.
Também é importante afirmar que a crise atual do imperialismo expressa o aprofundamento de sua crise geral, marcada pelo processo inevitável de superprodução relativa de mercadorias. Outros aspectos dela são derivados da desestabilização e desordens que ela engendra, tanto na esfera econômica quanto política, na direção dos diferentes Estados, dos centros imperialistas ou países oprimidos.
3) que de forma geral a vigência da propriedade privada dos meios de produção e do mercado, desde o advento do capitalismo e na sua etapa atual monopolista, só pode caracterizar-se por capitalismo, seja o desenvolvido (imperialista) ou de tipo burocrático (oprimido). A existência de um “capitalismo de Estado”, segundo a experiência histórica, seria ou resultante de políticas temporárias com objetivos transitórios em regimes socialistas, de dominação da classe operária ou de Nova Democracia, de dominação da frente única de classes revolucionárias sob hegemonia da classe operária.
4) que o capitalismo só pode ser substituído, enquanto sistema social e a rigor, por um sistema mais avançado, ou seja, pelo socialismo, ainda que, no caso dos países dominados pelo imperialismo se realize por formas transitórias, correspondentes às leis do desenvolvimento econômico-social destes.
Sobre a experiência histórica das transformações na URSS e China
Na URSS, a Nova Política Econômica foi aplicada fundamentalmente para reorganizar a economia estropiada pela guerra para expulsar as forças invasoras da coligação capitalista de 15 países e mantida ao extremo pela defesa adotada pelo Poder Soviético do “comunismo de guerra”,para reorganizar os transportes, as comunicações, o comércio exterior e impulsionar a produção. Mas ela só foi adotada porque o caráter do Estado era o do proletariado revolucionário, assentado na aliança deste com o campesinato, no objetivo de realizar a construção socialista. Manter tal aliança era chave e a NEP permitiu, com o livre comércio em esferas bem definidas, estimular a própria produção camponesa. Também foi ela que permitiu atrair burgueses expropriados para reassumir a direção de determinadas empresas, bem como administradores e gerentes, dada a inexperiência e principalmente a carência de quadros. Tudo esteve submetido à planificação central e ao Poder Soviético. Tanto que Lenin a recomendou para “uma ou duas décadas“. Após 11 anos ela foi suspensa e o país entrou em marcha batida para o socialismo. O mesmo Lenin alertou que a pequena propriedade privada e o livre comércio engendrava capitalismo.
Do início dos Planos Quinquenais, de 1928 até meados da década de 1950, toda produção, transportes, bancos, comunicações, comércio exterior e parte da produção agropecuária manteve-se como propriedade de todo o povo (meios de produção socializados), através do Estado soviético. A maior parte da produção agropecuária, formada pelo imenso campesinato, se organizou em cooperativas (os kolkozes), propriedade de caráter coletivo (terra e demais meios de produção – estações de máquinas e tratores – socializados, porém sendo a produção de propriedade coletiva dos kolkosianos que entregava parte ao Estado soviético a título de impostos, outra parte era destinada ao seu consumo e o excedente vendido ao mesmo Estado). Este tipo de propriedade caracterizava produção e relação mercantis, portanto sob vigência da lei do valor, porém sua esfera de vigência se encontrava restringida e submetida à planificação geral de toda a economia. Tal situação caracteriza a transição socialista nos países em que as forças produtivas se encontram ou relativamente atrasadas (vigência de relações pré-capitalistas e feudais/semifeudais) ou de relações de produção capitalistas de produção não muito desenvolvidas (existência da questão agrário-camponesa em nível significativo). Seu desafio é o de passar todos os meios de produção, toda a produção e distribuição à condição de propriedade de todo o povo.
Resultante do XX Congresso do PCUS (1956), particularmente a partir do final dessa década, com o retrocesso kruschovista, os maquinários e tratores das estações foram sucessivamente vendidos aos kolkosianos, acompanhada de liberação de feiras entre outras medidas de cunho capitalista, impulsionando a base social para a restauração capitalista que derrubou o Poder do proletariado, substituído paulatinamente por uma burocracia crescente, que suprimiu a liberdade das massas, convertendo-se num sistema de corte fascista, correspondente ao capitalismo nas condições particulares de sua restauração. Tal sistema expressa no externo a condição de superpotência social-imperialista.
No caso da Revolução Chinesa, embora sendo país bem mais atrasado que a URSS, soube retirar lições corretas da experiência pioneira da URSS, aproveitando para avançar mais na solução dos problemas da construção socialista já mencionados com o desencadeamento da Grande Revolução Cultural Proletária (1966/1976). A GRCP pôde assim, por dez anos, impedir a restauração capitalista trazendo soluções para problemas até então não resolvidos pelo marxismo. Sua derrota, marcada pela usurpação do Poder do proletariado, num processo essencialmente idêntico ao ocorrido na URSS de meados de 1950, convertendo o Estado socialista chinês num Estado restauracionista burguês, que se serviu de sua natureza fascista para esmagar a resistência do povo chinês e lançar suas “Quatro Grandes Modernizações”. Ao contrário da NEP de Lenin, voltada a preparar mais a base material para a construção socialista, as “Quatro Modernizações” e os planos que as sucederam, foram aplicados para completar a restauração capitalista e sobre toda a base acumulada pela construção socialista, propulsar-se como a potência econômica da atualidade. Tal como a URSS dos anos de 1960 até a Rússia atual, a nova burguesia manteve determinados setores da economia e outros estratégicos nas mãos do seu Estado e às custas da superexploração da força de trabalho de seu povo, asseguraram sua condição de potências e como parte da luta de partilha que caracteriza o imperialismo e sua crise atual.
O Estado de Nova Democracia
A questão de quem (que classe ou classes) exerce o poder de Estado é o decisivo para definir se tal ou qual política é ou não nacional. O fato de haver maior presença do Estado na economia não significa que isso beneficiará a nação. E há que deixar claro que só se pode reconhecer como benefício à nação aquilo que beneficia crescentemente seu povo, particularmente as massas trabalhadoras da cidade e do campo, dado que o conceito científico de nação e povo são intrinsecamente ligados, variando a composição do povo no desenvolvimento histórico da nação.
Na época do imperialismo, confirmado pela experiência histórica dos povos e nações, a democracia, a independência nacional e o progresso depende do tipo do Estado, de ser o seu caráter de classe da classe operária em aliança com o campesinato pobre e outras classes até então oprimidas pelos monopólios. Somente neste tipo de Estado que “os que têm vontade e descortino para trabalhar pelo bem comum” terão, apenas lugar, mas poderão atuar pela realização dos propósitos de democracia, independência e progresso. Apenas um novo Estado, com um caráter das classes revolucionárias, pode realizar as demandas e transformações democráticas, bem como impulsionar a economia e cultura nacionais, para o atendimento das necessidades materiais e espirituais do povo brasileiro e a completa conformação de nossa nação.
A nova economia
As formas como se revestirá a intervenção do Estado democrático na economia nacional podem variar, sendo certo que serão preservados os direitos da pequena e média burguesias, classes cujos interesses são parte programática da frente única revolucionária, pelo menos enquanto cooperar com a edificação da economia e independência nacionais. O livre comércio e a concentração de setores estratégicos da economia nas mãos do Estado não são capazes de acabar com o capitalismo, uma vez que o velho Estado, nas mãos do imperialismo, do latifúndio e da grande burguesia, dirige toda a vida da nação para atender a seus interesses de dominação.