O regime de terror policial implantado em São Paulo atinge toda a população pobre. Francisco Chagas, camelô e integrante do Movimento dos Ambulantes de São Paulo — MASP, em entrevista à AND, revela como essa verdadeira escalada fascista tem atingido os trabalhadores ambulantes através da Guarda Civil Metropolitana(GCM).
Marcelo de Paula cercado por PMs após ser baleado
Milhões de pessoas chegam a São Paulo todos os dias. No rosto, a esperança na cidade grande. Mas, vai longe o tempo em que essa São Paulo oferecia trabalho, ainda que pouco remunerado, aos imigrantes dos mais diferentes rincões do país. Sem qualquer ocupação que lhes traga recursos de sobrevivência, muitos se transformam em camelôs.
A prefeitura autorizou 6 mil ambulantes a trabalhar, mas já são cerca de 1 milhão nas ruas da maior cidade do país. Os vendedores aboletam-se nas ruas da região central, principalmente na 25 de Março, conhecida nacionalmente como o maior centro de vendas ambulantes do país.
Esta mesma região, por concentrar o maior número de camelôs, tem sido palco constante de confrontos entre a GCM e trabalhadores. O fato é que a GCM atua como polícia na repressão aos trabalhadores, humilhando-os e agredindo-os fisicamente.
— A GCM é uma guarda civil, mas baseados na constituição, pela quantidade de pessoas que residem na cidade, ela pode ser uma guarda armada. Eles se intitulam policiais e não são. Agem repressivamente em cima dos ambulantes, utilizando estratégias militares. A GCM se organiza e atua nas ruas como um grupo paramilitar. E isso acontece desde o tempo em que a Marta Suplicy (PT) estava na prefeitura — explica Francisco.
Perseguidores e assassinos
A truculência perpetrada pela GCM tomou notoriedade em fevereiro deste ano, após o assassinato do camelô Marcelo de Paula Marinho. Marcelo vinha sendo perseguido pelo GCM Amarildo Gomes. O guarda já havia apreendido sua mercadoria várias vezes na mesma semana. No dia 9 de fevereiro, o GCM tentou novamente apreender as mercadorias de Marcelo, que se encontrava dentro de uma loja. Diante da resistência de Marcelo em entregar suas mercadorias, o GCM passou a agredi-lo e os dois entraram em luta corporal. Marcelo conseguiu desarmar o GCM e fugir, mas foi perseguido por outros policiais e atingido à bala na perna. A GCM impediu que Marcelo recebesse atendimento médico, alegando que a própria Guarda encaminharia o ferido ao hospital. E assim foi feito: uma hora depois e quando Marcelo — ferido na perna (?!) — já estava morto.
— O assassinato do companheiro Marcelo pode dar uma idéia do nível de perseguição, até ao nível pessoal, que existe por parte da GCM. Eles espancam mulheres, crianças que estão na rua trabalhando, às vezes, a família inteira — relata o trabalhador ambulante.
Francisco respira fundo e, emocionado, completa:
— Marcelo resistiu porque se perdesse a mercadoria de novo, não teria o que comer, não teria como se sustentar. Muitas vezes, não há desacato ou qualquer resistência, mas parece que o guarda se sente indignado por ver um trabalhador ir para as ruas todos os dias lutar, honestamente, pela sobrevivência da família.
O cerco aumenta: PSDB/PFL
Este é um exemplo fatídico da repressão a que são submetidos os trabalhadores na capital de São Paulo. O problema vem se agravando enormemente na gerência PSBD. O raio da repressão foi aumentado, principalmente com a ampliação do número de “guardas civis”, que têm poderes policiais, e de suas ações.
No primeiro ano de Serra na gerência da prefeitura, o efetivo da GCM na região central da cidade praticamente dobrou. No último mês de março, mais 260 novos guardas foram convocados para fazer parte dessa corporação. Agora, o novo prefeito, Gilberto Kassab (PFL), tem fortes motivos para ampliar ainda mais a repressão. Ele é diretor de várias entidades comercias do estado — que estão sempre dispostas a exigir a perseguição aos trabalhadores ambulantes. É o que confirma Francisco Chagas:
— O Kassab está planejando acabar com o trabalho do ambulante. Por isso, ele está aumentando a repressão em cima do camelô, através da GCM.
Além de tudo, corruptos
Além de reprimir os trabalhadores, a GCM também os rouba de várias formas. A prática de cobrar propina é usual, tanto que a GCM tem vários processos em sua corregedoria apurando este tipo de abuso por parte dos guardas civis.
A GCM costuma cobrar propina dos ambulantes para não ter as mercadorias apreendidas, ou seja, eles pagam à Guarda Civil para trabalhar. Por incrível que possa parecer, a GCM também cobra propina dos comerciantes, mas para reprimir em maior escala o comércio ambulante. Deste modo, a GCM atua fazendo uma “limpeza de área” para os comerciantes.
— A corrupção existe, muitos guardas civis são corruptos. Isso não é só com a GCM, mas com todo este aparato estatal. É muito normal os guardas cobrarem propina dos ambulantes, mas o Movimento dos Ambulantes sempre foi contrário ao pagamento. A GCM representa diretamente os interesses do grupo de diretores lojistas da cidade, que também paga propina aos guardas para que eles nos reprimam — explica o militante do MASP.
O desvio de mercadorias, segundo o militante do MASP, também é constante. Ele afirma que os guardas civis têm uma espécie de acordo com os fiscais da prefeitura para a repartição das mercadorias entre eles. Após a apropriação indébita (roubo, para ficar mais claro) das mercadorias dos camelôs, eles revendem os produtos rapidamente por preços insignificantes.
Autodefesa, é o jeito
Frente à repressão policial, a luta dos trabalhadores ambulantes pelo direito ao trabalho e pela sobrevivência digna, porque realmente trabalham, só se faz enfrentando o aparato repressor. E isto eles fazem cotidianamente, cada vez que ousam armar suas barracas, tripés ou simplesmente quando, aqueles que não possuem estes instrumentos de trabalho, tiram as mercadorias das mochilas e mostram-nas aos transeuntes.
Cada dia de trabalho pode se transformar facilmente numa batalha campal. Francisco Chagas, afirma que o MASP, diante de situações dessa natureza, trabalha para que os camelôs sejam sempre mais organizados e consequentes:
— Todos os ambulantes precisam se incorporar à luta da categoria. Só organizados poderemos enfrentar esta situação. Hoje, é urgente o estímulo à solidariedade de classe e à formação dos grupos de autodefesa, que garantem a nossa integridade física, sempre que a polícia chega para nos roubar e espancar.
Longe de se envergonharem da situação deplorável a que estão submetidos, os trabalhadores das ruas demonstram toda a superioridade da moral de quem trabalha. Aquele que exibe o suor de seu rosto na luta pelo sustento diário, só ele, é capaz de ter vigor, alegria e principalmente de ter a certeza de que o futuro estará nas mãos de quem trabalha.