Quase cinco da manhã. Joana se levanta, não podia perder o horário do ônibus. Ela corre para a cozinha, faz o café, deixa o bolo em cima da mesa. Entra no quarto das crianças, dá um beijo nos filhos e sai em direção à porta. A mais velha acorda, se levanta, dá um abraço apertado na mãe e pergunta:
— Mãe, se o Pedrinho não quiser ir à escola de novo eu faço o quê?
— Leva ele assim mesmo. Você pede pra professora deixar ele ficar na sua sala.
E Joana saiu apressada para o ponto de ônibus. Ainda era escuro e ela dava passos apressados, com medo. As ruas do setor novo ainda eram um pouco desertas. Ela temia principalmente pelos filhos que ficavam aos cuidados da mais velha, de 14 anos.
Após esperar alguns minutos e ver muitos ônibus lotados passarem sem parar, Joana consegue entrar no ônibus. Do ônibus à casa da patroa eram quase duas horas. Essa era a rotina de Joana, de segunda à sexta. Cinco da manhã no ônibus, sete horas na casa da patroa. Segunda e sexta, numa casa; terça e quinta, em outra; quarta e sábado, mais uma. E quando aparecia mais trabalho, não rejeitava, saia de uma casa e ia para outra. Faxinava aqui, faxinava acolá.
Joana ia ao trabalho fazendo as contas. Água, luz, prestação do lote, dos materiais de construção, da televisão, supermercado. Era pesado pagar tudo sozinha, mas esta era a luta cotidiana para criar os três filhos sem a ajuda de ninguém. Ela havia preferido assim.
Logo que se mudou do interior, colocou o marido para fora de casa. O homem até que era trabalhador, pedreiro dos bons. Mas isso quando não bebia. Com bebida não tem amor que dure. Ele chegava em casa todos os dias bêbado, batia nela, nas crianças, quebrava tudo. O dinheiro não dava para nada, ia tudo na pinga. Joana pensava que era melhor ficar sozinha do que com um traste desses.
Foi sozinha que Joana comprou um lote — era longe do centro, é verdade, mas era dela. Pagaria em oito anos. Construiu dois cômodos, banheiro e mudou-se com os filhos.
Todos os dias Joana fazia novos planos. Agora planejava murar o terreno onde morava. Depois construiria mais um quarto e uma sala bem grande. Aos poucos também trocaria os móveis, fogão, sofá e quem sabe compraria até uma televisão nova.
Joana achava muita graça nos hábitos dos patrões. Às vezes, após muita indignação, via que a única solução naquele momento era rir.
Ela lembra que uma das patroas passou um mês pesquisando cortinas para o apartamento novo. Olhava tecidos, tamanhos, cores. Chegou a pensar em reformar a sala toda para colocar uma cortina da qual tinha gostado. Desistiu da reforma, mas acabou comprando outro sofá para combinar com a cor da cortina. O valor do sofá e da cortina juntos eram quase o dobro do pagamento anual de Joana. A patroa, claro, achou tudo muito barato. O patrão reclamou do caimento do tecido, mas não do preço.
Joana ficou indignada. Calada. Na cozinha, os olhos fuzilavam a vida. Onde já se viu isso? Ela trabalhava lá duas vezes por semana e os patrões ainda enchiam a boca para dizer que eram os que melhor pagavam no prédio todo. O preço da cortina e do sofá era realmente muito barato, caro era o salário de Joana.
Mas se Joana estava indignada antes, ficou ainda mais após receber para os patrões a primeira fatura da taxa de condomínio. A taxa era três vezes maior do que o valor do salário dela.
Joana não entendia o patrão. Era velho e estava aposentado há mais de dez anos. Ele mal saia de casa. Podia ir ao parque, ao clube, viajar, andar sem rumo ou simplesmente pegar o elevador e ir para a piscina. Mas ele preferia ficar em casa fazendo trabalhos ocasionais que surgiam, vez ou outra. Segundo ele, a vida estava muito difícil. A patroa dobrava sacolas de supermercado de forma geométrica, enquanto assistia a um programa de receitas na televisão.
Sobre os filhos deles Joana nem sabia o que pensar. O mais velho tinha 30 anos e nunca tinha trabalhado, ainda estudava. Ela não se lembra bem o que era, mas tinha a ver com saúde.
O mais novo era um rapaz educado e até legal. Os pais ficaram indignados quando ele levou a namorada em casa. Ela também era estudante, mas morava num bairro próximo ao de Joana e era negra.
Não que os patrões fossem racistas, afinal, Joana também era negra. Mas eles se assustaram com a moça. Ela poderia ser confundida com uma empregada no prédio. O que os amigos iriam dizer? E se eles se casassem como seriam os filhos? Após uma semana de namoro, os patrões concluíram que a moça, realmente, não era uma boa influência para o filho e decidiram que o namoro tinha que terminar.
Para Joana, a única coisa realmente prazerosa que eles faziam era dormir. No fundo, ela achava a vida deles meio sem graça. Não que ela estivesse satisfeita com a própria vida, mas pelo menos, ainda tinha sonhos e objetivos.
E sonhar era o que ela fazia de melhor. Os sofrimentos, as preocupações, nada disso impediam que ela sonhasse. E sonhasse alto. Enquanto lavava os pratos, pensava…
Ela queria estudar, ser técnica em enfermagem e poder ajudar as pessoas. Imagina que assim poderia também dar uma vida melhor para os filhos e ter uma vida mais tranquila, com um trabalho menos pesado.
A mente de Joana ia longe. Ela se imaginava de branco, no hospital, auxiliando uma cirurgia. Mas antes precisava terminar de lavar a louça porque ainda tinha que ir faxinar outra casa.