Decidiu-se entre os dias 2 e 4 de abril, na cúpula de Bucarest. A Organização do Tratado do Atlântico Norte proclamou-se a polícia do mundo, no peito e na raça, diríamos nós por aqui. Noves fora a pompa e circunstância da linguagem empolada, as palavras do secretário-geral da aliança transatlântica, o holandês Jaap de Hoop Scheffer, querem dizer exatamente o que parecem quando ele assume enfim a vocação da Otan de braço militar do imperialismo, e diz que a organização tem hoje a finalidade de converter-se em "provedora de segurança claramente mais eficaz em um mundo cada vez mais globalizado e perigoso".
Na reunião da Otan que se realizou na capital da Romênia no início de abril, os poderosos tomaram decisões dramáticas para o povo europeu. Algumas revelam muito sobre as alterações no mapa do continente que vêm ocorrendo nas últimas décadas — mudanças muitas vezes apresentadas pelo oligopólio internacional dos meios de comunicação como vitórias populares e democráticas, mas que acabam se revelando frutos dos mandos e desmandos do USA e das potências da Europa. Decidiu-se, por exemplo, a adesão da Albânia e da Croácia, e avançaram as negociações para a entrada em breve da Ucrânia e da Geórgia na organização.
Na Ucrânia, por exemplo, pesquisas de opinião recentes dão conta de que 65% dos ucranianos são contrários à entrada do país na Otan. Ainda assim, os dirigentes do país vêm demonstrando grande esmero para fazer exatamente o contrário, solapando a vontade do próprio povo. O presidente da Ucrânia, Viktor Iúchenko, e seus ministros são os mesmos que estiveram à frente da chamada "Revolução Laranja", saudada pelos demagogos de plantão do chamado "ocidente" como um primor de democracia e participação popular.
Além disso, a declaração final da cúpula de Bucarest ratificou arranjos que já se vinham desenhando há tempos. Eis alguns trechos digamos, auto-explicativos, deste documento:
"Reconhecemos a substancial contribuição para a proteção dos aliados que a planejada instalação do sistema norte-americano de defesa antimíssil na Europa garantirá".
"Acolhemos com satisfação os anúncios dos aliados e dos parceiros [da Otan] de novas contribuições de forças [militares] e de outras formas de apoio, como mais uma demonstração da nossa determinação; e desejamos contribuições adicionais".
"A Otan aprovou propostas para um quadro de cooperação estruturada que desenvolva uma relação de longo prazo com o Iraque".
"Encorajamos as nações cujas despesas de defesa estejam diminuindo para travar tal declínio e para terem como objetivo um aumento em termos reais dessa despesa".
"Reconhecendo a Otan como o fórum essencial para a discussão sobre segurança entre a Europa e a América do Norte, reafirmamos a nossa solidariedade e coesão. O princípio da indivisibilidade da segurança dos Aliados é fundamental".
Da mesma forma, apesar do oficialismo do discurso e da embromação de sempre, o recado é muito claro quanto aos rumos da Otan daqui para frente: acolhimento das tropas do USA no continente europeu, massacre do povo afegão, prolongamento da ingerência no Iraque, militarismo e submissão às diretrizes ianques.
Indo além, as pretensões da Otan são o complemento óbvio ao novo tratado constitucional europeu, assinado em Lisboa no dia 8 de fevereiro deste ano. Como A Nova Democracia relatou na edição 41, este documento de natureza patronal foi empurrado goela abaixo do povo da Europa, traído pelos governantes que haviam prometido plebiscitos e no fim das contas submeteram o tratado apenas aos seus parlamentos sempre coniventes.
A bem da verdade, tudo isto significa mais do mesmo, uma vez que esta sempre foi a tônica e a razão de ser da dobradinha militar entre o USA e as potências européias. O discurso libertário e humanitário da União Européia, assim como seu esforço demagógico para se apresentar como contraponto à potência do outro lado do oceano, não resistem à política de cooptação e submissão dos países militar e economicamente mais fracos do continente.
Mas da cúpula de Bucarest saiu muito mais do que tudo isto, e a grande novidade é que a Otan deixa de ser uma organização para defesa mútua de seus signatários para se tornar um exército global cuja missão é assegurar a hegemonia imperialista ianque. Nunca foi meramente defensiva, como constava em seus estatutos. Para ficar em apenas um exemplo recente, foi com a desculpa de se defender que a Otan entrou com força bruta nos Balcãs a fim de redefinir aquela região ao gosto da União Européia e do USA.
Mas agora as manobras mais ostensivas no sentido de partir da defesa mentirosa para o ataque explícito requerem um discurso de truculência à altura das agressões que estão por vir. E, no fim das contas, o recado que foi dado ao mundo pela cúpula de Bucarest pode ser resumido em uma palavra apenas: ameaça.
É o que se pode concluir quando as decisões tomadas no convescote da Otan na Romênia são entendidas como continuidade não apenas do Tratado de Lisboa, mas também em relação a documentos oficiais do governo ianque que vêm deixando à mostra a disposição do USA de intensificar ainda mais sua sanha imperialista no futuro próximo.
É o caso, por exemplo, da atualização de sua "Estratégia de Segurança Nacional", feita em março de 2006. Ali se diz o seguinte: "Os Estados Unidos se encontram nos primeiros anos de um grande combate, similar ao que nosso país teve que enfrentar nos primeiros anos da Guerra Fria".
Este é "apenas" o desdobramento do "Projeto para um novo século norte-americano", elaborado em 1997 por gente que hoje ocupa cargos centrais na alta administração ianque e no qual se fala da necessidade do USA dispor de uma força militar "sólida e pronta para enfrentar os desafios, tanto presentes quanto futuros, de uma política externa que promova de forma audaz os princípios norte-americanos nos países estrangeiros".
O "Projeto" é também a fonte para um documento chamado "Construindo uma grande estratégia para um mundo instável", de autoria de cinco ex-chefes do Estado Maior da própria Otan em colaboração com outros ex-oficiais da aliança transatlântica.
Soam então como desfecho estas palavras de Scheffer, secretário geral da OTAN, ditas em tom de ponto final da reunião dos poderosos e enfim deixando clara a natureza da organização: "O Otan se transforma em instrumento político-militar flexível, não apenas de seus membros, mas também, amplamente, da comunidade internacional".
Sendo assim, denunciar e combater o militarismo truculento da Otan deixam também de ser urgências apenas para os povos trabalhadores da Europa, e passam a ser desafios para as massas de todas as partes do mundo.