Sim, os africanos estão elevando sempre mais a consciência de seu poder. Já não se trata da chegada de homens brancos, truculentos, portadores de estranhos engenhos que expeliam fogo e matavam, que raptavam homens, mulheres e crianças negras que nunca mais seriam vistas. Depois, roubavam também tudo o que podiam levar. E os africanos, impotentes, a tudo se submetiam! Longo foi o tempo que se passou assim.
A África começou a ser colonizada pelos europeus a partir do séc. XV e, durante séculos, os paises colonizadores disputavam-na desordenadamente, guerreando entre si. Até que em 1884/5 foi organizada a Conferência de Berlim, na qual participaram 14 países colonialistas europeus que, desavergonhada e cinicamente, falando em nome de Deus e do progresso, aprimoraram a partilha da África por mais de um século, sustentando as terríveis e genocidas doutrinas, cuja aplicação prática é resultante daquela conferência.
Não houvesse a opressão constante e as desenfreadas pilhagens da África, seriam as crianças européias tão gordinhas e coradas como costumam ser, entre uma e outra guerra mundial? Sem uma África submetida à sanha das grandes corporações, cujas sedes se concentram nos países colonialistas, haveria crianças africanas salvas, invariavelmente, por um soldado branco — ao menos na versão sustentada, e multiplicada pelos diferentes meios de comunicação, grupos monopolistas da imprensa mundial -, tão esqueléticas e famintas? De que forma seria possível, também ainda hoje, sustentar a inferioridade racial do africano, se raças inferiores existiram apenas nos primórdios da Humanidade?
A invasão de estrangeiros portando armamentos e técnicas de guerra superiores aos dos nativos, teve como única razão a necessidade de aprofundar as relações de produção de sua época — e só trouxe aos colonizados a aculturação nas formas de exploração intensa do ser humano, na contaminação orgânica e ideológica de modos de produção falidos, conduzindo-os à ausência completa dos meios mais elementares de sobrevivência humana e, finalmente, à depopulação.
As guerras de libertação
Depois da Segunda Guerra Mundial, em consequência da luta de independência nacional manifestada pelas colônias e semicolônias — nos moldes da luta antiimperialista e de emancipação das classes —, a África colonizada e provedora de quase todas as necessidades européias a um preço vil, empreendeu guerras de libertação nacionais, orientadas e auxiliadas materialmente pelo internacionalismo revolucionário, obtendo plenos êxitos, no início. Com a chegada de Kruschov traidor ao poder, através de uma junta administrativa chamada a governar por ocasião da morte de Stálin, prontamente ocorreu o retorno ao capitalismo na ex-URSS. Sua política externa assumiu a forma de social-imperialismo e aqueles dirigentes preferiram ver a África se transformar em um imenso cemitério, a ter que enfrentar, mais tarde, povos inteiros exigindo sua renúncia ao capitalismo.
Os antigos colonialistas voltaram com armas mais modernas e, dessa vez, impondo um novo modelo de exploração. Não mais precisam utilizar abertamente os exércitos dos estados imperialistas em solo africano, porque sucessivos golpes consumiram a maioria dos quadros revolucionários das jovens nações libertadas. Aos poucos, o imperialismo restituiu o poder às antigas classes dominantes da África, monitoraram a confusão política e a desordem econômica. Tais são as ações do FMI (Fundo Monetário Internacional), do Banco Mundial, da OMC (Organização Mundial de Comércio), etc. Na primeira quinzena de março de 2003, foi denunciado, na ONU (Organização das Nações Unidas), que o FMI e o Banco Mundial estipularam 114 condições prévias para conceder "benefícios" às nações subsaarianas.
A África não se encontra debilitada apenas pela divisão e pelos conflitos internos oriundos do seu passado colonial e do lastimável continuísmo. Cinco séculos de intervenção, de opressão, pirataria, genocídio, e tráfico de seres humanos não foram suficientes para interromper a inquietação e o martírio de seus povos. De 1976 a 1986, metade da população do continente foi destruída.
A guerra de extermínio na África está caracterizada por:
1 Isolamento das aldeias, realizado por colocação de minas explosivas, impedindo o acesso dos nativos às áreas agricultáveis e aos locais de água potável.
2 Ataques mercenários às tribos, queimando casas, mutilando e executando jovens e adolescentes, etc.
3Campanhas de contaminação entre a população, particularmente disseminando a AIDS, o Ebola e outras doenças mortais.
Já constatado: 29 milhões de aidéticos morrerão nos próximos anos. Na África do Sul, 20% dos adultos estão infectados pelo HIV, sendo que, em Botswana, a proporção é ainda maior, com a expectativa de vida baixando para menos de 40 anos. O HIV colocou em perigo a capacidade de sobrevivência da população africana, Segundo declaração de um alto funcionário da ONU: "Contando 25 milhões de vítimas da AIDS, mais 25 milhões de vítimas da malária, outras 25 milhões de tuberculose e outras enfermidades contagiosas endêmicas, mais 25 milhões de vítimas das inundações e outros cataclismos, como a fome e a seca, sem considerar as vítimas das guerras preventivas contra o terrorismo e as vítimas das represálias aos ataques terroristas, não acabaremos com a pobreza, mas com os pobres." Países como Burundi, Chade, Congo Brazaville, República Democrática do Congo (ex-Zaire), Sudão, Ruanda, Somália, Serra Leoa, Costa do Marfim, Quênia, Nigéria, Uganda, estão envolvidos em cruentas guerras civis e em todas elas estão presentes os interesses imperialistas. Ainda assim, os africanos exigem a repatriação de todas as riquezas que lhe foram roubadas, transferidas para os países colonialistas europeus e americanos e exigindo reparações pelos danos passados e presentes causados à África.
República do Burundi
Bujumbura — A República do Burundi é o oitavo país mais pobre do mundo, apesar de ser um dos mais densamente povoados da África. Da sua população, 70% são da etnia hutu, um povo agrícola descendente dos Bantos e que, a partir do séc. XV, passou a ser dominado pela minoria tutsi, que constitui 15% da população. Existem, ainda, os pigmeus, 12% da população.
A minoria tutsi, mais poderosa, por suas armas mais modernas, veio de Uganda e da Etiópia e há 500 anos vive em encarniçadas lutas com a maioria hutu. Em 1890, conforme determinou a Conferência de Berlim, os alemães se apoderaram de Burundi. Como toda administração colonialista, aquela foi precedida por missões evangélicas que aprofundaram as divergências intertribais e, apoiados na supremacia tutsi, os cartéis dominaram as exportações, em especial, a de marfins. Daí formaram uma nova colônia Ruanda-Urundi, unindo Burundi a Ruanda.
Derrotada a Alemanha na Primeira Guerra Mundial, a Bélgica, ainda de acordo com as decisões da Conferência de Berlim, se apossou da Colônia, separou novamente Ruanda de Burundi, e anexou este ao que hoje é o Zaire, antigo Congo Belga.
Depois que o Exército Vermelho da URSS libertou grande parte da Europa e da Ásia, surgiram na África inúmeros movimentos de libertação nacional. Tais movimentos experimentam um declínio após alguns anos da traiçoeira política de Kruschov, das Três Pacíficas e dos Dois Todos — respectivamente: Coexistência Pacífica, Transição Pacífica, Emulação Pacífica, assim como, Estado de Todo o Povo e Partido de Todo o Povo -, com a qual exercia sua estratégia de conluio e pugna com o imperialismo ianque.
Em Burundi, surgiu o Uprona (Partido de Unidade e Progresso Nacional), que levaria o país à independência em 1962, liderado por Louis Rwagasore — depois assassinado pelos belgas que temiam vê-lo transformado num "Lumumba do Burundi". Os anos que se seguiram à independência foram muito violentos, sendo registrados o assassinato de 380 mil hutus e exílio de 70 mil outros.
Em 1976, o coronel Jean Baptiste Bagaza toma o poder, implantando a democracia e acabando com as perseguições raciais, pelo menos momentaneamente. Uma nova Constituição foi promulgada pelo Uprona, em 1979, procurando neutralizar a exploração que a burguesia tutsi, aliada ao capital estrangeiro, impunha à maioria hutu. Esta constituição adotava uma linha socialista: as mulheres passaram a desfrutar de mais liberdades, a conservadora igreja católica teve os seus bens confiscados, etc.
Embora com acelerada normalização política, a situação econômica continuava difícil. Grandes esperanças foram depositadas na exploração das ricas jazidas de níquel, cobalto e urânio, entregues às firmas belgas e ianques.
Em 1987, Bagaza é derrubado por um sangrento golpe dirigido pelo major Pierre Buyoya. Recomeçaram as lutas entre hutus e tutsis, que provocaram dezenas de milhares de mortos, na maioria hutus, e 60 mil refugiados hutus em Ruanda. A chegada do FMI e do Banco Mundial ocorre em 1989, com um programa de ajuste estrutural que compreendia a privatização de empresas públicas — falsos combates à inflação e à corrupção.
Em 1993 Melchior Ndadaye, um hutu, é eleito presidente pela Frodebu (Frente pela Democracia no Burundi), mas é assassinado três meses depois, o que deu início a uma das maiores matanças da história de Burundi, com dezenas de milhares de mortos e a fuga de 750 mil para outros países. Daí em diante os tutsis se organizaram "sem derrotas" e impuseram uma impiedosa guerra contra os "intagohecas" (os que nunca dormem) hutus.
A violência intensificou-se entre as duas etnias, a ponto da ONU e da OUA (Organização da Unidade Africana) intervirem, com receio de que esta violência se estendesse aos países vizinhos.
Em 1996, Buyoya torna-se presidente através de novo golpe, e 10 mil civis são mortos logo depois, o que se repete no ano seguinte, com mais 10 mil mortos -, ano em que ficam constatados, pela própria ONU, os catastróficos efeitos do embargo imposto por ela à população mais pobre buridinese. Estima-se que mais de 150 mil pessoas morreram na guerra civil.
Um acordo de paz foi assinado pelo governo e os principais partidos políticos de Burundi. Logo, a guerra civil recomeçou, até que em 3 de dezembro de 2002, a FDD (Força de Defesa da Democracia), principal movimento rebelde buridinese, assinou um acordo de cessar fogo com o governo para vigorar a partir de 30 de dezembro, o que não aconteceu.
Cerca de 60 mil civis fugiram de suas habitações, por causa dos confrontos armados entre o exército e os rebeldes da FDD no centro de Burundi.
Segundo Tharcise Ntibarirana, governador da província de Gitega, "a situação dessas populações civis é dramática. Elas fugiram sem alimentos e não têm abrigo, além de enfrentarem uma epidemia de impaludismo neste período chuvoso". O exército dominado pela minoria tutsi reconhece essa onda de refugiados civis. "Não há grandes combates, mas pequenas refregas que se multiplicam em diversos lugares da província de Gitega. Os rebeldes são pequenos grupos que se reforçam entre a população, logo obrigados a fugir, porque ela recebeu determinações claras da administração de deixarem imediatamente todas as zonas onde os rebeldes são localizados", esclareceu o coronel Augustin Nzabempena. A guerra civil, que desde de 1993 opõe exército e movimentos rebeldes hutus, já fez por volta de 300 mil vítimas, na maioria civis.
Entretanto, em Pretória, África do Sul, estão em andamento negociações para um cessar fogo definitivo, entre o governo buridinese e o principal movimento rebelde (FDD).
Costa do Marfim inicia expulsão do imperialismo francês
Abidjã — Os franceses começaram a colonizar a Costa do Marfim em 1843 e no final do século XIX tentaram unificar seus territórios aos de Guiné, Mali e Senegal. Para isso, tiveram que enfrentar a tenaz resistência de um líder popular, Samori Touré, da Guiné, que resistiu durante quase 30 anos de sangrentas lutas (1870-1898), até ser traído por grupos que logo passaram a fazer acordos coloniais com os franceses. Em consequência da Conferência de Berlim (1884/5), o poder colonial francês, em 1895, criou a África Ocidental Francesa (AOF), constituída pelo Senegal, Sudão Francês (hoje Mali), Guiné, Costa do Marfim e, mais tarde, acrescida pelo Chade, Burkina Fasso (antigo Alto Volta) e Mauritânia. Esta unidade imposta pelos colonialistas franceses durou até a "independência" da Costa do Marfim.
A partir de 1946, em função da política soviética sob a direção de Stálin, foi criada a "Agrupação Democrática Africana" (RDA) com ramificações no Senegal, Mali e Guiné, sob a liderança de Felix Boigny — taticamente aliada ao Partido Comunista da França, que propunha a conquista da independência e a unidade das ex-colônias francesas da região. A RDA boicotava os comerciantes europeus, fazia manifestações massivas e orientava as greves. Afinal, toda a África ocidental se libertou, entre 1958-1960. As lutas pela independência custaram ao povo dezenas de mortes e milhares de prisões. Felix Boigny atraiçoou os comunistas e fez um acordo com o "socialista" François Mitterrand, ministro das colônias francesas (como se fosse possível um "socialista" ser ministro das colônias). Todavia, a independência da Costa do Marfim não passou de uma fraude. O traidor Boigny, então declarou: "Não dizemos adeus à França, mas, sim, até logo." Frente às exigências das instituições financeiras internacionais para conceder novos créditos, Boigny nomeou o tecnocrata Alassane Ouattara para primeiro ministro — um fiel servidor dos imperialistas -, que passou a adotar medidas econômicas liberais: privatizou todas as empresas importantes em condições fraudulentas, cujo principal beneficiário foi o grupo francês Bouyghues.
Com a morte de Boigny, em 1993, assume o poder Henry Konan Bedié que imprime uma política xenófoba à "marfineidade" provocando enfrentamentos entre parte da população e os numerosos imigrantes africanos, em especial os de Burkina Fasso. Ainda por cima, Bedié modificou a Constituição a fim de sagrar-se vencedor nas eleições fraudulentas de 1995, sem nenhum adversário de peso, porque Alassane foi declarado inelegível, e, com toda a cúpula de seu partido encarcerada, Laurent Gbagbo se negou a participar da farsa.
Em dezembro de 1999, o general Guéi assume o poder, com um golpe de estado dirigido contra o governo Bedié, de verdadeira traição nacional, levando grandes esperanças de modificações à população de todo o país, que ansiava por um novo tipo de governo para "limpar os escombros de casa". A esperança durou muito pouco. Uma nova Constituição é promulgada, sendo realizadas eleições em outubro de 2001, com dois candidatos: o general Guéi e o professor Laurent Gbagbo. Vence Gbagbo, que reagrupa diversas tendências esquerdistas e uma clara proposta social, nacionalista e democrática. O general Guéi intenta manter-se no poder, mas logo é neutralizado por forças democráticas. O professor Gbagbo empreende uma vitoriosa campanha de reconciliação nacional, abrindo o seu governo a outros partidos de oposição, seguido de reformas sociais efetivas para o povo e procura acabar com o monopólio das empresas francesas no país: dentre outras, as de telecomunicações, as de eletricidades e a de águas. Os contratos de exploração de novas jazidas de petróleo já não são do domínio exclusivo dos franceses.
Na noite de 18/19 de setembro, grupos militares e paramilitares assaltam os quartéis da capital Abidjã (no sul), Bouaké (centro), Korhogo (norte) e algumas residências de políticos com a intenção de demitir o presidente, estabelecer nova constituição e convocar nova eleição. O poderosíssimo e sofisticado armamento dos rebeldes, a presença de instrutores e mercenários franceses, serra leonenses, burkinabenses e malienses ao lado dos rebeldes e as tergiversações do governo francês, indicam claramente que o golpe foi urdido e financiado por transnacionais francesas, únicas perdedoras da política econômica do novo governo.
O governo de Gbagbo balançou, mas se mantém com dificuldades. O conflito armado na Costa do Marfim é de incalculáveis consequências para a parte oeste da África, por ser a porta de entrada de muitos países da região. Uma zona desestabilizada por grandes guerras na Libéria e Serra Leoa, a precária situação política da Guiné, a rebelião no Senegal, a instabilidade política da Nigéria, levaria a um êxodo massivo das populações. A catástrofe humana e o desastre econômico de uma guerra na Costa do Marfim traria um enorme retrocesso na reconstrução da democracia. O governo francês conseguiu um êxito diplomático ao impor uma "conferência" em Marcoussis, em fevereiro de 2003, com o governo marfinense e as forças rebeldes do MPCI (Movimento Patriótico da Costa do Marfim), onde ficou decidida a criação de um governo de reconciliação — no qual os rebeldes entrariam em dois ministérios "mais honoríficos que reais", no entender do governo marfinense. Os rebeldes não entendem assim. Deram um ultimato ao governo de "descer sobre Abidjã". O ultimato não foi cumprido, o que ensejou uma nova reunião em Paris, a qual o governo da Costa do Marfim relutou em comparecer. A antiga colônia já não é mais a obediente Côte d´Ivoire. Porém, após algumas semanas, nomeou Seydoo Diarra primeiro-ministro do "governo de reconciliação nacional", ainda hoje inexistente.
A França, que mantém ainda um exército de ocupação com três mil soldados para "proteger a população civil", no dia 13 de fevereiro realizou uma manobra suspeita, tendo em vista um golpe de estado durante o qual seria assassinado o presidente Gbagbo.
Os "jovens patriotas" apelam para um levante, face ao semicolonialismo francês e seu exército de ocupação. Um de seus líderes, o "general da juventude" Charles Blé Goudé, propôs o cerco de uma semana à base militar francesa em Abidjã. O presidente, cercado de seus milicianos patriotas, tem um impressionante arsenal, inclusive os Mig-21, em vista da batalha decisiva.