Excluída das decisões sobre as obras do PAC em Manguinhos e abandonada há anos pela falta de políticas públicas, população do bairro conhecido como Mandela de Pedra quer satisfações sobre a remoção de famílias e o futuro da comunidade, com o início das obras e das operações policiais.
Imagens do trecho que será removido para a construção de um viaduto
Em Benfica, o cruzamento do canal do Cunha com a avenida Leopoldo Bulhões representa os limites de uma das áreas mais abandonadas da região metropolitana do Rio de Janeiro, o Mandela.
Localizada no complexo de Manguinhos, a favela plana possui várias partes. As principais são Mandela I, Mandela II, Embratel, Samora Machel e a primeira delas, o Mandela de Pedra, às margens do canal do Cunha.
Anos de abandono
Ocupado há pouco menos de uma década, o Mandela de Pedra é uma das partes mais pobres do complexo de Manguinhos e do Rio. Logo na entrada, percebe-se a fragilidade das estruturas de madeira acompanhadas do desagradável cheiro de esgoto. Elas seguem o trajeto de um dos poucos trechos asfaltados da favela, obra realizada por um mutirão comunitário. A grande maioria dos moradores reside ali há muito tempo, trabalha nas proximidades e tem seus filhos matriculados nas escolas públicas da região.
Remoções mal explicadas
Para a realização das obras do PAC, cerca de 300 famílias terão que ser removidas, porque seus barracos ficam no trajeto do futuro viaduto que cortará a região e ligará a Avenida Leopoldo Bulhões à Avenida Brasil. Essas famílias constituem mais da metade dos moredores do Mandela de Pedra, que apesar dos problemas, em poucos anos conseguiu desenvolver uma modesta estrutura, que inclui padarias, armazéns, uma creche e uma igreja, todos no local da suposta remoção.
Perguntados sobre a remoção, muitos moradores nem ao menos sabiam da decisão. Os que sabiam reclamaram muito do valor das indenizações. Como o Sr. Arnaldo, que tem 71 anos, é aposentado e há muito tempo investe seu dinheiro em obras para melhorar sua casa.
— Eles não falaram nada ainda. Por alto, o que a gente sabe é que o valor da indenização é muito baixo, não dá nem pra uma reforma, que dirá procurar outro lugar para morar. A minha casa, assim como a de muita gente por aqui, é bem cuidada. Sou aposentado e já investi meu dinheiro no barraco. Reformei tudo à toa? — contesta Sr. Arnaldo, muito preocupado.
Perguntado sobre a participação da comunidade no planejamento das obras, o presidente da associação de moradores, Valério Santos, disse que as decisões são apenas comunicadas aos moradores, que não participam de nenhuma discussão.
— Tudo está sendo resolvido entre eles lá. O planejamento é todo com eles. Só chegam com a decisão tomada aqui na associação e falam que querem fazer uma reunião, mas a reunião maior é só entre eles. Ninguém sabe de nada. Pergunte pra qualquer presidente de associação em Manguinhos se sabe de alguma coisa. Só disseram que algumas pessoas vão morar em uma casa comprada pela Prefeitura, outros serão transferidos temporariamente e outro grupo vai ser indenizado, mas não foi dito qual é o valor máximo ou mínimo das indenizações. — reclama.
Um outro problema que ainda não foi explicado à comunidade são as invasões policiais anunciadas pelo gerente estadual Sérgio Cabral Filho, supostamente para resguardar os canteiros de obra do PAC, o que Valério não considera um motivo plausível para a presença da polícia.
— A Prefeitura e o estado já trabalharam muito na nossa comunidade sem precisar de polícia. É para proteger obra ou para intimidar os moradores? — Pergunta.
— Há pouco tempo tivemos uma experiência ruim que foi um DPO — Destacamento de Patrulhamento Ostensivo — instalado dentro da comunidade. Não deu certo, porque além de aumentar os tiroteios significativamente, os policiais não tinham o menor respeito pela população. Imagine só você, ter que chegar cansado do trabalho e ainda aguentar um cara fardado mexendo com a sua filha adolescente.— desabafa Valério.
Empregos sem vínculo
Sobre o cadastramento de operários para as obras do PAC, que todos os dias formaram filas imensas em Manguinhos, Valério disse que as gerências estão fazendo dos operários mão de obra descartável, já que a escassez leva a grande maioria a aceitar propostas de emprego irrisórias.
— O cadastramento é feito com número de identidade, só. Ninguém pergunta onde você mora ou pede um currículo. É só nome e identidade. O cara que trabalha em uma obra comunitária quer, pelo menos, receber uma carta em casa e tal. Ele quer ser parabenizado ou até mesmo convidado para um outro trabalho no futuro, mas ao invés disso, eles não querem criar vínculo empregatício. Querem que o pessoal só trabalhe e vá embora.
Em todos esses anos de miséria e abandono, os moradores do Mandela de Pedra se sentem traídos pela demagogia de indivíduos como Sérgio Cabral, que não saía do complexo de Manguinhos antes de ser eleito gerente estadual. Entretanto, em mais de um ano, Cabral está longe de cumprir suas promessas e ainda, a mando da gerência FMI-PT, ameaça remover grande parte da comunidade. Para isso, intimidações não faltam. A polícia é a maior delas e até carros blindados Urutus, de uso especial das Forças Armadas já foram solicitados por Cabral e Beltrame para dar suporte às invasões policiais.