Litígio causado por atuação de órgãos públicos ambientais nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul prejudica leito de rios e aumenta o desmatamento no Cerrado. Antes o foco era o rio Madeira, atualmente a “bola da vez” é o Pantanal, que virou território das pequenas centrais hidrelétricas – PCHs, entregues de mão beijada a grupos empresariais pelo gerenciamento petista. Confortavelmente, fazendeiros sonegam multas ao Ibama, o que não é novidade.
Se aparentemente não há entendimento “ambiental” entre o agronegócio e seus agentes e os gerenciamentos municipais do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, quando o calo aperta, eles se dão as mãos cinicamente.
Este é o cenário de exploração bilionária de hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), cujos maiores defensores no Senado Federal são Blairo Maggi (PR-MT) e Ivo Cassol (PP-RO), cujos grupos econômicos são donos de diversas PCHs.
Em razão disso, o chamado “território das hidrelétricas” tem um pequeno e concorrido desvio do foco das usinas de Jirau e Santo Antônio, ambas no rio Madeira (em Rondônia), para escancarar o Pantanal ao maior número possível de usinas.
Estão em atividade uma hidrelétrica no rio Coxim e seis pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), sendo três no rio Jauru e três no rio Taquari. Passados sete anos da devastação do meio natural causada pela Usina Hidrelétrica Ponte de Pedra, no rio Correntes (174 megawatts), o assoreamento inquieta ribeirinhos, pescadores (e até mesmo políticos) e desafia especialistas.
Desavergonhadamente, na votação do Código Florestal na câmara dos deputados, o agronegócio passou a usar o projeto de lei do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para sonegar R$ 8 bilhões em multas aplicadas pelo Ibama a ruralistas, devido a crimes ambientais.
Agora, o nó górdio do desmatamento se dá em pleno santuário pantaneiro, já assoreado em vários pontos entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Bem ali, a Agência Nacional de Energia Elétrica, a Agência Nacional de Águas e os governos desses estados projetaram, à revelia da sociedade, 116 PCHs. Desse total, 17 devem ser erguidas ao norte da região.
Algumas usinas já foram construídas em São Gabriel do Oeste, nos rios Itiquira, Jauru, Sepotuba (quatro usinas) e São Lourenço. Uma PCH em São Gabriel já provocou a ira do Ibama e da própria Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul, já que não replantou um só metro da mata ciliar destruída em plena região do Cerrado.
A legislação permite a multiplicação de PCHs sem estudos de impacto no meio natural. À montante do rio Correntes surgem as PCHs de Água Bonita, Santa Gabriela e Taboca. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, as usinas já em funcionamento usam 70% do potencial energético da bacia do rio Paraguai.
Não se entendem
O Ibama, as secretarias e os institutos estaduais de meio ambiente de MS e MT não se entendem. É grave: governos desses estados deixam de analisar como deveriam os impactos dos novos e dos futuros empreendimentos, sejam eles grandes ou pequenos. PCHs dispensaram, até o mês passado, estudos de impacto ambiental, uma exigência feita para grandes investimentos. Representantes do governo de Mato Grosso do Sul faltam a reuniões importantes, nas quais se discutem a situação em cada margem e extensão dos rios que terão usinas.
Latifúndio soterra o rio Taquari
Problemas de erosão e assoreamento tendem a se transformar em conflitos na região do rio Taquari, se a punição por desmatamento e má conservação do solo virar letra morta. Depois de consultar relatórios do Ibama, o Ministério Público Estadual lavrou 52 autos de infração que resultaram em 98 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) no município de Camapuã – MS, entretanto, a maioria dos latifundiários não pagou a conta, embora “concordem” com a participação em programas de recuperação do solo.
Diversas propriedades são vizinhas ao rio Coxim, o principal afluente do rio Taquari, que está asfixiado por 30 toneladas diárias de terra e perdeu a moldura. Mesmo recorrendo das multas, esses latifundiários foram beneficiados pelo governo federal, por meio de um programa de microbacias no Taquari, com a utilização de R$ 5 milhões liberados desde 2008 pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente.
O rio Taquari recebe as águas do rio Jauru, cujas nascentes estão nas regiões montanhosas do município de Costa Rica – MS, diferentes das suas nascentes, situadas na região arenosa e bastante cultivadas com soja, entre São Gabriel do Oeste e Camapuã. Nos anos 1970, quando a lavoura de soja começou a crescer, os grandes proprietários rurais deixaram estados do sul do País em busca de terras férteis e baratas. Foram eles que mudaram o perfil da região, provocando crateras que poderiam ser evitadas com curvas de nível, pois elas escoam a água das chuvas.
Esses fenômenos afogaram a plantação ribeirinha, devoraram pastagens, num molhar sem fim. A causa foi o desmatamento desenfreado promovido pelos latifundiários, o assoreamento provocado pelos desmatamentos visando a monocultura. Enormes bancos de areia soterraram o rio formando pequenas ilhas e impedindo a reprodução dos peixes que necessitam subir as corredeiras para a desova (a chamada piracema). Infelizmente, este berço da fauna e flora aquáticas está soterrado.