Para as corporações a vida só vale quando dá lucro

Para as corporações a vida só vale quando dá lucro

Para obter o lucro máximo, o capital monopolista comete todos os crimes possíveis e imagináveis. Afinal, ele nada mais significa que levar a exploração às últimas consequências e dispor da vida da humanidade. As corporações aéreas, por exemplo, não hesitam em atirar sobre seus tripulantes sobrecarregados de trabalho a culpa pelos desastres que elas mesmas provocam, responsabilizar os controladores de vôo pelos apagões aéreos, cobrar desembolsos milionários do Tesouro para a melhoria das estações de passageiros e, em seguida, exigir a privatização dos aeroportos. Irresponsavelmente manobra para efetivar a abertura de novos horários e postos de controle aéreo destinada a impensada expansão. Pouco lhes importa os desastres, porque também controlam a versão sobre eles, as fiscalizações, os seguros etc.

Arte: Alex Soares

Incompetência geral, corrupção e mentira, esta é a explicação para a morte de quase 400 pessoas nos dois maiores acidentes da história da aviação brasileira, ocorridos num período de menos de 10 meses, em 29 de setembro de 2006, na Amazônia, e 17 de julho de 2007, em São Paulo.

A tragédia não se limita, porém, ao Airbus 320 que fazia o vôo 3054 da TAM e no pouso varou a pista do aeroporto de Congonhas, nem ao Boeing abatido por um jato executivo da ExcelAire durante o vôo 1907, nos céus da Amazônia. Ela se aprofunda da ridícula omissão de Luiz Inácio até as raízes da gerência militar iniciada em abril de 1964, quando generais jogaram no lixo, por exemplo, o projeto de Oscar Niemeyer para o aeroporto de Brasília a fim de construir o seu, desde sempre carente de obras de remodelação. Nos dias atuais, culmina com a inexistência de um Plano Aeroviário Nacional, embora o tráfego aéreo cresça à taxa de 12% ao ano e seja duplicado a cada seis anos.

Apesar de os peritos brasileiros e estrangeiros não terem concluído ainda as investigações, não há dúvida de que, no caso do vôo 1907 da Gol, os dois pilotos ianques do Legacy são responsáveis pelas mortes dos 154 passageiros e tripulantes do Boeing. Do mesmo modo, já se evidenciou que o Airbus da TAM estava pousando em uma pista liberada à utilização antes da conclusão de obras a que fora submetida para evitar derrapagens em poças d'água nos dias de chuva.

Desastres previstos

Em artigo publicado na Internet, no início deste ano, o coronel-aviador Marcelo Hecksher já alertava que "uma ultrapassagem da pista, no pouso ou na abortiva de uma decolagem em Congonhas, provocaria uma queda da aeronave em movimentadas vias de trânsito da cidade, uma vez que, praticamente, inexistem áreas de escape nas cabeceiras das pistas. A aproximação, estilo porta-aviões, exige o toque na marca de milha, nunca antes e, de vido à extensão da pista, também nunca depois."

Naquela época, a Justiça Federal proibira a operação, em Congonhas, de pousos e decolagens de aeronaves Foker-100, Boeing 737-800 e 737-700 e Airbus. Especialistas do ramo asseguram que a Justiça tomara aquela decisão com base em informações sobre o desrespeito das empresas quanto aos requisitos técnicos de desempenho para a operação no Aeroporto Internacional de Congonhas desses tipos de aeronaves, como o peso máximo para pouso e para decolagem.

— Face à não-ação da autoridade aeronáutica responsável pela regulamentação — observa Hecksher — o Poder Judiciário agiu.

Informou-se também que houve falha no sistema de frenagem do avião, o que seria um primeiro movimento para transferir a culpa à Airbus ou aos pilotos da TAM. Porém, como a corrupção corre solta pelo país, suspeita-se que o pagamento das obras em Congonhas tenha saído antes para favorecer alguém, principalmente porque o contrato, no valor de R$ 220 milhões, compreendia a remodelação do terminal de passageiros, por R$ 200 milhões, e a reparação da pista principal, por R$ 20 milhões. A prioridade foi dada ao conforto, justamente a obra de preço mais elevado.

O Tribunal de Contas da União está realizando nada menos de 70 auditorias na Infraero, estatal que administra os aeroportos. Quinze relacionam-se a obras nos aeroportos, e neles já se encontrou 12 irregularidades comuns: projeto básico de má qualidade; pré-qualificação restritiva nos editais de licitação, retirada de serviços do contrato que foram exigidos na pré-qualificação, licitação tipo técnica e preço que despreza descontos, alteração de critérios de pontuação para cada aeroporto, contratação da mesma empresa que fez o projeto básico para o projeto executivo, ausência de punição às empresas pela não-execução de serviços, entre outros.

Todavia, a Infraero tem demorado de quatro a cinco meses para encaminhar sua defesa.

A desfaçatez com que atuam as companhias aéreas é tamanha que — embora desde setembro tenham se recusado a cumprir a legislação que lhes manda pagar hospedagem e alimentação aos passageiros prejudicados pelo atraso ou cancelamento de vôos —, elas tentam cobrar, na Justiça, R$ 130 milhões como indenização pelos prejuízos supostamente sofridos com a primeira operação-padrão dos controladores de vôo.

No entanto, a lista dos tripulantes e passageiros mortos no acidente da TAM, ocorrido às 18h45m, só foi dada a conhecer em São Paulo e Porto Alegre às 3 horas da madrugada do dia seguinte — através de um programa radiofônico. A empresa aérea ainda levou algum tempo para confirmar a informação da emissora.

Inépcia e covardia

O coronel Hecksher alerta que o caso de Congonhas, cercado por edificações pelos quatro lados, pode ser observado em outros aeroportos no Brasil, principalmente porque os auxílios de aproximação, em alguns, não são da mesma categoria dos existentes em São Paulo.

Por coincidência, horas antes da tragédia em Congonhas começou um incêndio nas obras que estão sendo levadas a efeito no terminal de passageiros do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, o qual, com o aeroporto paulistano constitui a base de uma das linhas mais rentáveis do mundo para a indústria do transporte aéreo: a Ponte Rio-São Paulo.

O Aeroporto de Congonhas, como Santos Dumont, no Rio, possui duas pistas de pouso, paralelas, que não operam simultaneamente apenas por não existir separação lateral suficiente entre elas. A pista 17R/35L possui 1.940 m de extensão.

A pista 17L/35R possui 1.435 metros, a 2.631 pés acima do nível médio do mar, e é tecnicamente considerada mais favorável às operações de pouso e decolagem. Porém foi sucessivamente interditada, principalmente devido aos recentes incidentes com aeronaves da Pantanal, Gol e da BRA, que deslizaram em poças de água e ultrapassaram os limites de pouso. O Aeroporto Internacional de Congonhas é um exemplo gritante do descaso das gerências municipais, estaduais e federais, fardadas e paisanas, na preservação dos espaços necessários para a operação segura dos aeroportos.

Lucro e incompetência vão às nuvens

Ao depor na Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara dos Deputados, o ministro da Defesa, Waldyr Pires, negou veementemente que a gerência Luiz Inácio tivesse retido uma verba de R$ 600 milhões destinados à Aeronáutica. Já o chefe do Departamento de Controle do Espaço Aéreo-Decea, brigadeiro Ramón Cardoso, queixou-se do contingenciamento de R$ 149,5 milhões desde o primeiro mandato de Luiz Inácio, enquanto o presidente da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária — Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, recordava orgulhosamente um investimento de R$ 889 milhões em obras de infra-estrutura nos aeroportos, e sentenciou:

— O que há é falta de avião no País. Estão faltando de 70 a 80 aviões da categoria Boeing.

Expansão das frotas

O depoimento sobre a falta de aviões contrasta com informação do presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias — SNEA, George Ermakoff, segundo o qual a aviação comercial brasileira registrou o melhor resultado em cinco anos, com um crescimento oito vezes maior que o do Produto Interno Bruto (2,5% em 2005).

A Agência Nacional de Aviação Civil, ANAC, anunciou, por sua vez, que no primeiro semestre do corrente ano, o transporte aéreo de passageiros registrou crescimento de 13,6%. Apenas em junho foi de 11,2%, relativamente ao mesmo mês do ano anterior.

Paralelamente, anunciou-se a encomenda à Embraer, pela BRA Transportes Aéreos, de nada menos de 40 aeronaves EMB-195, no valor de US$ 728 milhões, havendo ainda outras 20 opções de compra. A TAM anunciou a compra de oito Boeings, e a Gol, que opera com 50 aviões, comprou a Varig, que carece de aparelhos. A expansão das empresas de âmbito nacional deverá ser acompanhada pela aviação regional.

Haverá tripulação, controladores de vôo, operadores de bagagem e de carga, recepcionistas, despachantes, gerentes de aeroporto, capacitados e em quantidade para atender às frotas redimensionadas?

Todos apostam que a tendência de crescimento persistirá em 2007, mas não informam se as empresas vão indenizar os danos causados aos passageiros que tiveram de dormir nos salões dos aeroportos e alimentar-se de sanduíches devido aos atrasos e cancelamentos de vôos — sempre mal informados pelos aeroviários, tão desesperados quanto os passageiros com o caos aeroportuário.

Pistas deficientes

Mestre em Ciências Aeroespaciais, o Coronel Aviador Marcelo Hecksher ressalta que as raízes da crise estão no chão: na infra-estrutura aeroportuária obsoleta. Compactação do piso, das pistas e pátios, quantidade e dimensão de pistas e pátios, são itens que demandam pesados investimentos e envolvem prazos médios e longos para a sua execução, o que não tem sido feito já há decênios.

Todos os principais aeroportos de países do chamado Primeiro Mundo, que possuem uma indústria de transporte aéreo desenvolvida, possuem mais de uma pista, em condições de operação simultânea, para pouso e decolagem. As empresas aéreas e as que lhes prestam serviços nem querem ouvir falar deste assunto.

— A pista de pouso — diz o coronel —é a condição básica para a existência de um aeródromo. Anexando-se a esta pista um pátio de estacionamento de aeronaves e um terminal de passageiros ou de carga, terá sido criado um aeroporto. A maior ou menor sofisticação do terminal, do estacionamento de veículos, das vias de acesso ao aeroporto, não determinam o tipo de aeronave que pode ou não operar nesse aeródromo. O que determina é a compactação da pista e do pátio e as suas dimensões, em primeira condição, seguindo-se os equipamentos de auxílio à aproximação e controle de tráfego aéreo para as operações em condições de vôo que não sejam visuais.

Operação padrão

Perguntado sobre as razões de os aeroportos estarem sendo tão afetados com a chamada "operação padrão" dos controladores de tráfego aéreo, Hecksher destaca:

— A operação padrão desses controladores consistiu, basicamente, em aumentar a separação das aeronaves nas operações de pouso e de decolagem. Conseqüentemente, aumentou a permanência das aeronaves nos pátios. Os aeroportos, que não possuem muitas posições em seus pátios de estacionamento, como o de Brasília, ficaram sobrecarregados. Como as aeronaves que já ocupavam posição não decolaram, passou a faltar espaço para as que chegavam.

Explica ainda:

— Aeronaves já em vôo, com destino a Brasília, tiveram que ser desviadas para aeroportos de alternativa. Vôos foram cancelados antes de decolarem com destino a Brasília. Estava criado o efeito dominó. Com o atraso de determinados vôos, tripulações começaram a atingir o tempo máximo de jornada de trabalho previsto na regulamentação da sua categoria. A necessidade de substituir essas tripulações ultrapassou a previsão das empresas, que mantém tripulantes de reserva para as escalas. Como não decolavam aeronaves para Brasília, faltou tripulação para substituir as que ultrapassaram o tempo de jornada. Assim, atrasos menores foram transformados em atrasos de 12 horas, tempo de descanso obrigatório da tripulação. Mais aeronaves nos pátios, menos espaço disponível e mais passageiros nos terminais. Junte-se a isso as dificuldades de relacionamento dos balcões das empresas aéreas, além de uma "pitada de mau tempo", obrigando a uma maior separação entre as aeronaves que se aproximam e as que vão decolar, foi oficializado o caos.

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