Soldados russos combateram palmo a palmo pela liberdade |
Há 60 anos, o desfecho da Batalha de Stalingrado selou a viragem definitiva no curso da 2ª Guerra Mundial. Nesse episódio, foram derrotados os soldados de Hitler pelo Exército Vermelho e o povo soviético — sob o comando do Marechal Stalin. Na cidade de Stalingrado, situada ao sul da então URSS — às margens do rio Volga — grandes contingentes de soldados alemães, armados com a mais moderna maquinaria de guerra, foram barrados pelo heroísmo sem precedentes dos soldados e operários soviéticos, que defenderam até as últimas casas da cidade, combatendo pela sua liberdade e de todos os povos que viviam sob o jugo nazi-fascista.
Reconstruir a verdadeira história
As agências culturais e os historiadores das potências imperialistas fazem tudo para escamotear a verdadeira história das lutas populares. Filmes e livros são produzidos para propalar a versão oficial dos fatos que (no caso da 2ª Guerra) diz ser o chamado Dia D, a batalha decisiva da 2ª Guerra Mundial. Tudo feito com a intenção de esconder das novas gerações o exemplo imperecível de coragem do povo revolucionário soviético — que defendeu seu território, expulsou os invasores e, como uma tempestade, varreu da face da terra o Terceiro Reich.
Pesquisar e divulgar a verdade sobre Stalingrado é imprescindível, neste momento em que os imperialistas novamente rufam os tambores da Terceira Guerra Mundial, com os EUA à frente, querendo mostrar-se invencíveis pelo seu poderio bélico. Os povos devem conhecer suas mais importantes vitórias.
Panorama da 2ª Guerra
Comemoração da vitória do Exército Vermelho em Stalingrado |
Desde 1º de setembro de 1939 a Alemanha Nazista tomou a ofensiva na guerra. Em poucos meses estavam sob seu controle a Polônia, Tchecoslováquia, Romênia, Bélgica e França. A Inglaterra sofria sob intenso bombardeio e se mantinha precariamente, enquanto os Estados Unidos estavam neutros. Tudo parecia perfeito aos planos de dominação mundial das corporações alemãs. Porém, para garantir sua hegemonia no continente europeu, faltava conquistar a URSS, país imenso que não havia se envolvido em nenhuma hostilidade militar. Sitiar a URSS cumpriria dois objetivos na estratégia nazista: apoderar-se das imensas riquezas naturais russas e das inúmeras realizações materiais do povo soviético, e esmagar a ferro e fogo o primeiro Estado Socialista do planeta. Os imperialistas e reacionários do mundo inteiro (incluídos aí os traidores russos da causa socialista) previam para poucos meses a derrota soviética. Subestimavam a capacidade político-militar e material da URSS e superestimavam as forças nazistas.
A invasão alemã à URSS começou em 1941, com a Operação Barbarossa. A resistência soviética, no entanto, foi imediata e enérgica, mesmo com todas as dificuldades, contando ainda com uma insuficiente produção de guerra, especialmente de armas pesadas. A verdade é que a URSS emergia, então, de uma onda de sabotagens que chegaram mesmo a comprometer o desempenho da economia socialista. Os responsáveis por essa sabotagem eram, por vezes, membros dos altos escalões da administração soviética, que trabalhavam a soldo para os nazistas, sob a orientação de trotskistas, zinovievistas e direitistas em geral, que desejavam solapar o desenvolvimento socialista e voltar as massas contra a direção de Stálin, sucessor de Lênin. Mas, os traidores foram identificados a tempo e seguiu-se uma reestruturação em larga escala, tanto no governo, quanto no exército e na produção, o que possibilitou a Resistência.
Guerra Relâmpago X Guerra das Massas: A Batalha de Stalingrado
A estratégia usada pelos nazistas na frente soviética era a mesma de toda a Europa: a blitzkrieg (guerra relâmpago), que consistia num avanço rápido pelo território ocupado, saqueando e utilizando os recursos do país sitiado para a indústria de guerra alemã, além da escravização e genocídio de populações inteiras. Porém, desta vez, a blitzkrieg falhou.
Os nazistas não contavam com a abnegação do povo russo e o gênio militar do Marechal Stálin e seus generais, que impuseram uma defesa em várias linhas, impedindo o rápido avanço pretendido pelo inimigo. Ademais, foi decisivo o esforço do povo russo em sua retirada para linhas mais afastadas, carregando tudo que pudesse ser usado pelo inimigo fascista e destruindo aquilo que não se podia transportar. Durante o ataque alemão, esta estratégia possibilitou que fossem evacuadas para leste, 2.593 empresas industriais e milhões de pessoas, logo distribuídas e organizadas em curto espaço de tempo em novos locais de trabalho. Mesmo assim, não foi possível impedir a perda de uma grande faixa de território e de milhares de vidas, ceifadas cruelmente pelos pelotões da SS.
A última contra-ofensiva russa, que se transformou em ofensiva estratégica, teve inicio na grande vitória soviética sobre as forças que sitiavam a cidade de Stalingrado, sob o comando do Marechal de Campo Friedrich von Paulus, que se rendeu em 2 de fevereiro de 1943, data em que ocorre a verdadeira viragem da Segunda Grande Guerra imperialista.
No verão de 1942, o comando hitleriano desencadeou uma grande ofensiva na frente sul (soviética), visando conquistar as rotas de acesso ao petróleo do Cáucaso. Um dos grupamentos dirigira o ataque a Stalingrado avançando, em 17 de julho, até as vias de acesso da cidade. Outro grupamento alcançou o rio Don, tentando, a todo custo, abrir caminho para o Cáucaso. O alto comando nazista sabia que não adiantaria se apoderar do petróleo desta região, se Stalingrado se conservasse em poder dos russos, pois, dessa posição, o Exército Vermelho poderia atacar a retaguarda alemã. Além disso, Stalingrado era uma importante cidade industrial e ponto de ligação entre a URSS e os aliados, através da Estrada de Ferro Trans-iraniana.
Ante a ofensiva nazi, tida como imbatível, tal a força dos contingentes empregados, os reacionários do mundo exultaram. O primeiro-ministro japonês antevia a vitória e fazia planos de agredir, também, a Rússia. Mas, Stalingrado não caiu, e a resistência do Exército Soviético era cada vez mais cerrada. Os combates eram travados nas ruas, em disputas casa por casa, parede por parede. Os alemães não venceram e se empantanaram ali, definitivamente. Em 19 de novembro de 1942 ocorreu o que ninguém esperava, exceto as massas trabalhadoras e os antifascistas de todo o mundo: o Exército Vermelho desencadeara uma ofensiva que, em poucos dias, desbaratou os flancos do exército nazista. Para tal feito, o exército soviético concentrou mais de 1 milhão de homens, 894 tanques, 13.540 canhões e 1.115 aviões. No quinto dia da ofensiva, as unidades vermelhas cercaram um contingente de 300 mil alemães. De 24 a 30 de dezembro, as tropas da Frente de Stalingrado derrotaram um grupamento que vinha em socorro das divisões cercadas. Em 10 de janeiro começou a fase final da batalha, com a liquidação do chamado Bolsão de Stalingrado (local do cerco). Em 2 de fevereiro, von Paulus assinava a rendição. Ao todo, o exército alemão perdeu, de 17 de julho de 1942 a fevereiro de 1943, 1 milhão e meio de soldados (o quivalente a 11 % de suas perdas em toda a guerra).
Uma luta por toda a humanidade
Seguiu-se a essa grande vitória, mensagens enviadas por chefes de Estado aliados felicitando Stalin e o povo soviético pela incrível façanha. Winston Churchill manteve correspondência quase diária, mal disfarçando sua alegria em ver que os russos seguravam o mais que podiam o ímpeto nazista, dando tempo para a Inglaterra se reconstruir e se preparar para a nova fase da Guerra, a da Ofensiva Geral contra as tropas nazi-fascistas.
Num de seus telegramas, de 14 de fevereiro, Churchill diz: “A cadeia de vitórias extraordinárias, de que a libertação de Rostov, noticiada hoje à noite, forma um elo, faz com que me faltem palavras para expressar a admiração e o reconhecimento que sentimos pelas armas russas. Desejo fazer o máximo para ajudar-vos”. Roosevelt e De Gaulle também manifestavam sua admiração.
Com a derrota em Stalingrado, Hitler pela primeira abdicou da iniciativa, sem conseguir assimilar os golpes que o Exército Vermelho vibrava em suas defesas, mudando a tendência da guerra.
O avanço do Exército soviético fez os demais países aliados acelerarem seus preparativos para a entrada na guerra. O desembarque americano na Normandia, o dia D (6/6/1944), não foi, portanto, uma data decisiva da luta. Ele só ocorreu porque era necessário que não se deixasse a União Soviética colher os louros da vitória sozinha.
Enquanto isso, o Exército Vermelho avançava, chegando em maio de 45 a Berlim, consagrando a luta de todos os antifascistas do mundo na imagem do soldado que hasteou a Bandeira Vermelha sobre o Reichstag. Com essa vitória, a guerra na Europa terminava e, meses depois, em todo o mundo, com um saldo favorável aos povos revolucionários, que emergiam da hecatombe com lutas e revoluções em todas as partes.
O mundo rende homenagens aos combatentes de Stalingrado
Operários, camponeses, intelectuais, artistas, enfim, todos os que lutam contra a opressão prestaram e prestam homenagens ao grande exemplo de Stalingrado. No Brasil, o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu “Carta a Stalingrado”, ainda em 1943, publicando-a em “A Rosa do Povo”, de 1945 .
Carta a Stalingrado
Stalingrado…
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade dilata os seus peitos,
Stalingrado, seus peitos que estalam e caem,
enquanto outros, vingadores, se elevam.
A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho.
Os telegramas cantam um mundo novo que nós,
na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.
Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistem.
Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto)
estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeças, nossas prevenções
e nossos confusos pensamentos distantes
dá um enorme alento à alma desesperada e ao coração que duvida.
Stalingrado, miserável monte de escombros,
entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos
e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas,
entregues sem luta, aprendem contigo o gesto de fogo.
Também elas podem esperar.
Stalingrado, quantas esperanças!
Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
Que felicidade brota de tuas casas!
De umas apenas resta a escada cheia de corpos;
de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando
nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se,
os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!
A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,
apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,
caminho solitariamente em tuas ruas
onde há mãos soltas e relógios partidos,
sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?
Uma criatura que não quer morrer e combate,
contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,
contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,
contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate, e vence.
As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades,
que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.