Protesto em área de conflitos onde civis morreram em ação de despejo
O ex-bispo da igreja católica foi deposto de seu cargo de presidente do Paraguai em um processo de impeachment sumário (menos de dois dias) conduzido pelo parlamento paraguaio, que deu posse ao vice, Federico Franco, em 22 de junho.
Uma semana antes, em Curuguaty, numa ação policial em um latifúndio ocupado, 11 camponeses foram assassinados e pelo menos 6 policiais resultaram mortos pela resistência ao massacre. Doze camponeses foram presos. Essa era a senha que a extrema direita paraguaia (maioria no congresso) precisava para tirar Lugo do caminho.
A deposição escandalosa de Lugo foi tratada como golpe por vários setores que se intitulam “esquerda”, principalmente na América Latina. Várias gerências, capitaneadas por Chávez, Morales, Correa, Kirschner, Dilma, etc, se negaram a reconhecer o novo governo. Lugo, que até já tinha se despedido do cargo e reconhecido a derrota, voltou atrás e passou a cobrar uma resistência popular. Chegou a formar um gabinete paralelo.
Atiradores de elite da polícia usam novos fuzis de patente israelense
Manejando sua dialética mecanicista, oportunistas de todos os matizes alardeiam que o golpe no Paraguai foi da direita contra a “esquerda”, do imperialismo contra a “soberania”, etc. Onde estavam esses arautos do anti-golpismo quando Lugo ampliava a repressão aos camponeses paraguaios? Agora surgem das trevas onde se escondiam para defender a legitimidade do “governo eleito”. De repente, “descobriram” que existe o Aquífero Guarani e atribuem o golpe ao desejo dos ianques de se apoderarem dele. Nem de perto tocam do problema principal no Paraguai, o gerador das maiores tensões, a questão agrária.
A principal atividade econômica do Paraguai é a agropecuária, sendo o 6° maior produtor de soja. Quase toda a produção é exportada in natura. Apenas 4% da população detêm todas as terras agricultáveis no país, boa parte “doada” a latifundiários, inclusive brasileiros, durante a gerência militar de Alfredo Stroessner.
A ação policial em Curuguaty foi ordenada pelo ministro do interior de Lugo
Quando de sua eleição, Fernando Lugo prometeu que realizaria a reforma agrária e respeitaria os “direitos humanos”, como cabe a todo bom oportunista. Porém, é evidente que o governo do ex-bispo não enfrentou as tarefas da revolução democrática e a questão da terra, decepcionando muitos setores democráticos que confiaram em sua retórica social-democrata. Quando muito, Lugo implantou programas assistencialistas, do tipo dos que vigoram hoje no Brasil promovidos pelo PT, igualmente oportunista.
“Ignorando” a existência de movimentos de luta pela terra históricos no Paraguai, Lugo patrocinou a criação de outros, da estirpe da Via Campesina, mais afeitos à domesticação e corporativização.
M. Alonso, em artigo publicado no blog dazibaorojo08.blogspot.com, diz:
“Enquanto cresciam as mobilizações sociais e dos camponeses pobres, Lugo endurecia a repressão, particularmente desde a aparição da guerrilha do Exército do Povo Paraguaio na zona norte, Concepción, uma das mais pobres do país. Lugo, refém dos militares e dos setores mais direitistas, foi perdendo apoio da população, que via como as demandas de reforma agrária e ‘terra para quem nela trabalha’ eram respondidos com mais repressão por este personagem ambíguo.
O governo Lugo comprou, em 2010, um grande lote de fuzis de assalto 5.56 Galil, de patente israelense, fabricados na Colômbia pela empresa estatal Indumil, assim como munição para equipar suas forças repressivas na luta contra o EPP. Foi o próprio ministro do interior Filizzola quem ordenou o ataque ao latifúndio ocupado em Curuguaty…”
Disso tudo se esquecem ou fingem esquecer os defensores da “ordem constitucional do Paraguai”. Ainda que o congresso paraguaio tenha agido matreiramente, se aproveitando de a maioria dos parlamentares serem da oposição para derrubar Lugo, a responsabilidade de seu governo no massacre de camponeses em Curuguaty não pode ser contornada.
O Movimento Popular Revolucionário Paraguay Piahurá, em comunicado divulgado no dia 21 de junho, ressalta:
“Suas promessas [de Lugo] o convertem em mais um engano, que leva a que o campo paraguaio se tinja de novo do sangue de humildes sem terra.”
O MPRPP realizou dois atos em defesa dos camponeses. Um em Curuguaty e outro em Assunção. À imprensa, Eládio Flecha, secretário geral do movimento declarou:
“O governo de Fernando Lugo é o maior responsável por esta situação, por ter feito promessas eleitorais enganosas como outros candidatos, e uma de suas mentiras foi a reforma agrária, que até hoje não cumpriu”. Acrescentou que “para piorar, neste fato [o massacre de camponeses] se calou covardemente enquanto havia denúncias de tortura, execuções e perseguições da polícia aos camponeses e somente se dignou a fazer mudanças administrativas no Ministério do Interior e no Comando da Polícia, ao invés de reconhecer sua inação ante este grave problema da terra para os camponeses“. Culpa também o judiciário, “porque muitos juízes e promotores confabulam com facilidade com os latifundiários, enquanto determinam despejos, prisões e perseguições aos que lutam pela terra. Já no parlamento, “muitos senadores e deputados se ocupam somente de seus interesses partidários e de grupos, com total desinteresse sobre o problema da terra e o desenvolvimento do país”.
Já sobre o julgamento de Lugo pelo parlamento, um comunicado do MPRPP do mesmo dia, declara:
“Nossa força política e organizativa não se deixará utilizar por nenhum dos interesses em disputa, senão que seguiremos pondo no debate e na ação política o problema do latifúndio e a necessidade da reforma agrária, verdadeira situação de fundo que por todos os meios se tenta ocultar.”