Treze anos depois de sua privatização, a gigante empresa alemã de correios é agora uma das envolvidas no maior caso de evasão fiscal de que se tem notícia na história da Europa. É um caso que desnuda a crise na qual o sistema financeiro internacional se afunda cada vez mais e que demonstra a natureza criminosa das atuais relações de produção, com direito à sonegação, fraude, espionagem e traição, protagonizados pelo grande capital e por governos que vendem a ilusão da legalidade capitalista.
Em 1995 a Deutsche Post foi vendida pela direita da Alemanha, custando ao povo alemão a perda para o capital fraudulento de uma área estratégica de sua economia e o fim de 150 mil empregos no setor público — da noite para o dia, e ao som das batidas do pregão.
Hoje — mais precisamente em meados de fevereiro — o presidente dos correios alemães privatizados, Klaus Zumwinkel, foi obrigado a se demitir depois que veio a público a informação de que ele havia sonegado 4 milhões de euros ao fisco de seu país, tendo depositado o dinheiro em um reconhecido paraíso fiscal europeu, o Liechtenstein.
Na Alemanha, o escândalo veio à tona como crime, sim, mas também como afronta, uma vez que deixou expostos ao mesmo tempo os altos salários dos novos gerentes do patrimônio tomado do povo e a corrupção reinante entre a burguesia, isto no momento em que os trabalhadores alemães se empenham em lutas salariais em busca da recuperação do poder aquisitivo perdido nos últimos anos.
O povo alemão se revoltou com toda esta sujeira, já que ela se torna de conhecimento público também no exato momento em que a administração da chanceler Angela Merkel faz chantagem com o proletariado em mais uma vaga de arranjos para beneficiar o grande capital, dizendo que é preciso cortar serviços públicos e direitos trabalhistas para reativar a economia.
E o escândalo veio à tona graças ao acaso. Um ex-funcionário do maior banco do principado europeu de Liechtenstein, o LGT, de propriedade da família real, vendeu para a agência alemã de espionagem alguns DVDs com dados de 1.400 clientes que possuem contas clandestinas nesta instituição financeira. Clientes graúdos, por assim dizer.
As autoridades alemãs já iniciaram nada menos do que 160 investigações criminais contra empresários e gerentes de inúmeras empresas que operam no país. Em parte, trata-se de jogo de cena e, da parte do governo alemão, da atitude do falso ofendido.
Por um lado, em menos de um mês os fraudadores foram obrigados a devolver 28 milhões de euros, mas o grosso do dinheiro tirado do povo, no valor estimado de 3 bilhões de euros, deve ficar mesmo no ralo sem fim da roubalheira praticada de terno e gravata. Isto porque o prazo de prescrição para o crime de evasão fiscal é de simpáticos cinco anos — prazo que o governo alemão, conivente que é, não ousa colocar em xeque.
Muitos bancos alemães estão sendo investigados pelas autoridades do país. Um deles, o Metzler, da cidade de Frankfurt, ajudava clientes endinheirados a sonegar impostos — uma espécie de servicinho extra, Vip, "Personalité"…
Fraudes: regra, não exceção
Mas, no perímetro europeu, coisas como mega-fraudes e remessas clandestinas para paraísos fiscais não são uma exclusividade alemã.
O governo britânico também comprou informações sobre cerca de uma centena de britânicos que, da mesma forma, possuem contas ilegais no Liechtenstein. Além disto, as autoridades alemães comunicaram aos responsáveis pelas finanças da França que 200 milionários gauleses estão metidos em falcatruas semelhantes, que podem chegar à evasão de 1 bilhão de euros.
Países como Espanha, Itália, Noruega, Finlândia e Suécia já requisitaram à Alemanha os nomes dos seus cidadãos encontrados nos DVDs. A burguesia fraudulenta reagiu. O presidente da federação de bancos da Suíça se assanhou, dizendo que os métodos de investigação da agência alemã de espionagem eram dignos da Gestapo — a polícia secreta nazista. Até a nobreza reagiu: o príncipe Alois, de Liechtenstein, acusou a Alemanha de violar a soberania do seu principado, que vive do abrigo que dá a esta atividade criminosa.
A extensão das fraudes ainda vai render muitos estudos oportunistas e picaretas sobre o grau de honestidade dos empresários e gerentes dos vários países europeus, e não faltarão punições exemplares da parte das autoridades nacionais a alguns figurões, a fim de mostrar serviço perante o distinto público.
Mas nada disto conseguirá esconder do povo o que o povo sente na pele, seja através da tributação impiedosa que incide sobre os assalariados, seja por pura e simples chantagem, exploração e opressão. Ou seja, o povo sabe que a corrupção e a trapaça de tal grandeza são indissociáveis do próprio sistema capitalista, e que sua solução dentro do aparato legal burguês é algo como colocar a raposa para vigiar o galinheiro.
Não é preciso retroceder muito no tempo para constatar esta natureza fraudulenta do capitalismo, especialmente em sua fase financeira, monopolista e em decomposição.
Em janeiro deste ano, descobriu-se que o banco francês Société Générale deu com os burros n’água tentando aplicar fraudes, com direito a falsificação de documentos e transações financeiras clandestinas. As perdas foram de 7 bilhões de dólares. Como as coisas deram errado, o prejuízo foi grande, e a moral foi por água abaixo, o banco jogou a culpa em um funcionário chamado Jérôme Kerviel, mero operador financeiro, alegando que ele não tinha autorização para ludibriar ninguém.
O que o banco não divulgou foi que recebeu formalmente alertas de segurança da Eurex, a principal bolsa de derivativos da Europa, que havia detectado sinais de irregularidades em suas operações. A Société Générale também não comentou as declarações de funcionários antigos e outros atuais, segundo os quais o banco estimula que seus funcionários façam negócios arriscados e que, por vezes, "ultrapassem os limites".
E, em matéria de fraude, quem se atrai são os iguais: em 2007, o fraudulento Société Générale pagou 850 milhões de reais para se apoderar do banco brasileiro Cacique, especializado em aplicar fraudes em forma de empréstimo — a juros exorbitantes e permitidos por lei — contra aposentados e pensionistas. A transação monopolista dependia do aval presidencial, pois tratava-se de capital externo adquirindo integralmente uma instituição bancária de capital nacional. Lula não hesitou, aprovando a negociata. É fraude, contra o povo, ainda que não seja reconhecida como tal pela legislação redigida segundo os interesses do poder econômico.
Não faltam outros exemplos, como da Siemens, que desde novembro de 2006, quando a polícia alemã invadiu sua sede na Alemanha, não passa uma semana sequer sem que se descubram novas falcatruas na empresa. Ou ainda o caso da Volkswagen, cujos diretores chegavam a pagar viagens e noites com prostitutas para dirigentes sindicais traidores da classe trabalhadora.
O caso mais célebre é o da transnacional de energia ianque Enron, que protagonizou o maior escândalo de corrupção e fraude do capitalismo contemporâneo — um caso que envolveu muitas outras empresas, numa cadeia de adulteração que alcançou até mesmo a firma "independente" de contabilidade que falsificou os resultados financeiros da companhia.
E o que dizer do relatório de uma comissão de inquérito que investigou irregularidades no programa da ONU no Iraque chamado "Petróleo por Alimentos", e que implicou nada menos do que 2.253 transnacionais de vários países em inúmeros casos de fraude em um programa pretensamente humanitário?
A sucessão de episódios de picaretagem provam que empresas burlando as leis do próprio capitalismo não são exceção, mas sim a regra. E os paraísos fiscais provam algo mais: que a legislação burguesa existe mesmo é para ser burlada — por quem pode.