O monopólio de comunicação do país continua vivendo um grande rebuliço. Surgem sequências de fortes acusações, desmentidos, declarações, notas oficiais, entrevistas, ameaças de cassações, impedimentos políticos, chegando ao ponto de se cogitar retirada de registro de partido político.
"Isto é muito grave", é uma frase repetida à exaustão. Ao mesmo tempo, ecoa entre a população o velho temor: tudo vai acabar em pizza, afinal, não se conhece a profundidade do envolvimento dos políticos e dirigentes em todo o processo. Portanto, fica a impossibilidade de se avaliar os que têm isenção para serem investigadores. Pessoas, até então sem nenhuma mácula, estão recebendo respingos do lamaçal que vem subindo, subindo…
Qual é a essência de todo o problema?
Ressalta aos olhos o entrelaçamento e a falta de limites entre o que é público e o que é privado. Não há delimitação e consciência entre o exercer poder por delegação popular e ser "dono" da estrutura para ser usada ao seu bel prazer e desfrute.
Há uma total dissociação entre o discurso de frases prontas sobre "democracia" e a realidade.
O que caracteriza os notórios "ditadores" ao longo da história? Apenas os seus feitos de exceção, as perseguições, o puro fechamento do Congresso? Não. A administração ditatorial é exercida por decreto-lei, algo elaborado por um pequeno grupo, em vigor com imediata força da lei.
Na prática, não é isto que acontece com as Medidas Provisórias e os decretos supremos que proliferam nos países em desenvolvimento, na direção de facilitar as coisas para as grandes corporações transnacionais?
Nesta direção, as atividades governamentais que deveriam estar voltadas para atender às necessidades da população, praticamente se transformam em um verdadeiro "balcão de negócios".
Como vem sendo repetido em todo o país, "isto é muito grave" e ganha conotações inacreditáveis quando aprovam leis inconstitucionais para beneficiar grandes corporações transnacionais, legitimando absurdos e permitindo a retirada das nossas riquezas.
Sai riqueza e fica buraco e mexeria com total indiferença das nossas elites deslumbradas com o exterior e de costas para o nosso país.
Pelegos, nada mais
Estão aí, exemplos gritantes como as inconstitucionais leis do petróleo, das águas, com legisladores fazendo da Constituição letra-morta e julgadores com assumida sapiência jurídica assumindo posição de rábula.
Aqui, as elites, por terem dinheiro e posição social, colocam-se como "escolhidas", acham-se acima dos outros e, mesmo os selecionados por votação podem se colocar como "ungidos" por Deus e ignorar as necessidades dos seus eleitores.
Para os "escolhidos" vale tudo, aos seus pares todas as facilidades, omissa condescendência com os abusos e imensa subserviência aos financiadores de campanha.
Os ocupantes de cargos políticos assumem ares de executivos, portadores de cartões de crédito sem limites — todos debitados no erário público — frequentadores inveterados de hotéis luxuosos, donos de agendas com muitas viagens, funcionários para servi-los.
Empresários chegam ao exterior portando credenciais de representante do governo — às vezes incluindo-se nele —, não raro, sem qualquer nomeação ou habilitação legal para entabular negócios entrelaçados público-privados.
Todos estão numa geléia geral comum dos "escolhidos" público-privados manipulando a gestão política e exercendo o poder como se fosse em nome do povo, mas em benefício próprio.
Esta aliança público-privada enfeitada com o nome de parceria tem, de um lado os consórcios com pencas de empresas frequentemente dominados pelas corporações transnacionais e do outro os políticos que precisam ganhar as eleições em sequência, para continuarem na sua maneira de ganhar dinheiro, na profissão política.
A motivação privada é a busca do fluxo de dinheiro obtido com pouquíssimo investimento nas concessões de serviços essenciais: água, energia, lixo, transportes e comunicações.
A motivação dos políticos quando permitem leis inconstitucionais para viabilizar a exploração estrangeira é a garantia do financiamento das campanhas eleitorais que, hoje, tem custos milionários e crescentes.
Para acreditar nestas afirmações, observem as concessões de pedágio (essa prática feudal) apurando quinhentos e cinqüenta milhões com gastos de 30 milhões. Que negócio!
Por que aceitar empresa concessionária de água absorvendo fluxo mensalum, fluxo mensal, de dinheiro na cifra de milhões, beneficiada com isenções de impostos e tendo as taxas mínimas cobradas dos usuários com elevação de 2.600%? Altos lucros garantidos pelos políticos do governo.
Tudo acontece sob os olhares mortiços dos políticos privatizadores que se empenharam, inclusive, para estabelecer uma lei de participação público-privada possibilitando que empresas, até estrangeiros, exerçam atividades que, por serem essenciais, devem ter gestão comunitária e estatal.
Ninguém consegue ficar sem água. Privatizada, ela só haverá para quem tiver dinheiro. Esta é a constatação nas privatizações em todo o mundo.
Na manutenção dos privilégios dos países dominantes e das corporações transnacionais neles sediadas há um chuleio, uma grande costura que preenche os países periféricos amarrando-os para não desafinarem e perturbarem as vantagens estabelecidas.
Que forças estão atuando no comércio internacional?
Há o mercantilismo colonial vigorando por sórdida covardia social, pólvora contra arma de madeira, alta tecnologia contra espingardas obsoletas, portanto, imposto pela força. Nele, as matérias primas e riquezas saem para os chamados países "ricos" por custos muito próximos ao da extração.
Agora, tudo está agravado pelo mercantilismo monetário em que tudo é trocado por papel pintado (dólar), moeda com valor virtual sem real correspondência com a produção de riqueza aceito, no mundo, pela força do poderio armado.
Sem a enorme discrepância dos preços e as matérias primas dos países em desenvolvimento, a Europa e os Estados Unidos (a partir do século XX) não têm como manter os padrões de vida das suas populações.
É lógico que eles não podem e não querem deixar este sistema ser modificado. Ao contrário, procuram firmá-lo com tratados internacionais sob uma auréola de neutralidade e imparcialidade, numa Organização Mundial do Comércio que obriga os países semicoloniais a aceitarem absurdas regras de "mercado" em que o comprador é quem estabelece os preços e não o vendedor-produtor da matéria prima, ou mercadoria do "terceiro mundo".
Dirija-se à padaria da esquina para comprar dez pães impondo o preço de somente um centavo. É possível? Aceitaria o dono da padaria? Mas esta regra que fere a lógica e a razão é imposta pela OMC.
Essas elites, de costas para o país, e se beneficiando das negociações danosas, facilitam as privatizações e todo o esquema de isenções e vantagens para as corporações transnacionais.
Vale aqui repetir a afirmação do ex-presidente da República Arthur Bernardes; quando deputado federal:
Já tive o ensejo de dizer desta tribuna que uma das tarefas mais árduas para o político no Brasil é defender as riquezas naturais do país. Estrangeiros se mancomunam contra elas e conseguem, não raro, aliciar nacionais para trair a Pátria.
Rui Nogueira é médico-escritor e seu endereço eletrônico é: [email protected]