O que chamam de governo federal, formalmente comandado por Luiz Inácio, entra em estado de decomposição a olhos vistos e numa surpreendente velocidade. Sua excelência não consegue mais ir a nenhum lugar sem enfrentar protestos radicais de antigos seguidores e eleitores. Aonde quer que se dirija vê-se obrigado a utilizar as portas dos fundos dos edifícios e a se deslocar escondido.
Foi assim no Copacabana Palace (RJ), quando se avistou com o presidente argentino, Néstor Kirchner, também no Recife (PE), quase impedido de alcançar o Centro de Convenções, em Olinda, ou no Rio de Janeiro, quando a vaia e os gritos de traidor, proferidos pelas pessoas presentes ao velório do Dr. Leonel Brizola, reduziram a permanência de Luiz Inácio e ministros a cinco minutos próximo ao ataúde, saindo em seguida pelas portas dos fundos do Palácio Guanabara, revelou a Folha OnLine do dia 22.
O quadro político-social do país é gravíssimo, mas Luiz Inácio parece não ter a percepção exata do que acontece.
O PT, que vivia à margem de palácios, veio com a determinação firme de impedir CPIs, inclusive contra ele próprio, trazendo crimes horrendos e inexplicáveis na bagagem
A Rede Globo de Televisão cumpre bem seu papel de braço eletrônico do capital financeiro mundial, afundando o país e retirando benesses dos cofres públicos brasileiros. A emissora se presta a distribuir pornografia, manipulando informações e deixando a população no absoluto desconhecimento, é a que vive, também, do Orçamento da União. Não há como fugir dos deveres oficiais.
No dia 25 de março, no que chamam de Jornal Nacional, foi vergonhosa a “entrevista” realizada pelo casal Fátima Bernardes e William Bonner, ouvindo o comentarista político Franklin Martins. Este último, diretor da emissora em Brasília (DF), falou como se fosse o presidente da República, apresentando espécie de relato de um encontro seu com Luiz Inácio. Verdadeiro porta-voz.
Com o país paralisado, a economia em frangalhos e desestruturada (só funciona a agenda presidencial, em viagens intermináveis), nada melhor do que a ilusão, com a determinação de dar suporte a tudo que é contrário aos interesses brasileiros
Depois que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tomou para si a tarefa de impedir a instalação da CPI dos Bingos, a crise não serenou, mas a Globo entrou na jogada, buscando, na época, uma maneira de garantir Zé Dirceu na Casa Civil. E que disse o novo porta-voz? “Ele fez um trabalho extraordinário na articulação política e foi decisivo para o governo no primeiro ano. Mas ele sentiu o caso Waldomiro. É compreensível. Para uma pessoa honesta é uma situação terrível. Ainda mais porque atingiu seu filho” (na questão de liberação de verbas para o Paraná).
E verbalizou: “Li a reportagem com a denúncia às 10:30 e, ao meio-dia o sujeito estava demitido e a investigação aberta. O que o governo tinha de fazer, fez. O resto é com o Congresso.” Ora, o governo não fez nada e Waldomiro não foi demitido. Antes, saiu “a pedido”. Está lá, no Diário Oficial. Além do mais, o que o governo vinha fazendo era a maior pressão no Congresso Nacional para impedir a instalação da CPI. Ao final, Martins disse que Luiz Inácio “garantiu que vai deixar de fumar”.
A crise que se arrasta há vários meses, atingindo em cheio o ministro Zé Dirceu (Casa Civil), indica sua vinculação com o novo personagem da trama: Rogério Buratti. Este último, a quem Waldomiro Diniz impôs numa negociata realizada com a multinacional Gtech (há algum tempo descobriu-se) foi assessor de Dirceu quando este cumpria mandato de deputado estadual em 1987 (SP).
Fecha-se o círculo. Segundo depoimentos de diretores da Gtech do Brasil à Polícia Federal, o ex-assessor de Dirceu na Casa Civil, Waldomiro Diniz (flagrado em vídeo pedindo propina ao bicheiro Carlinhos Cachoeira), “condicionou a prorrogação de um contrato com a Caixa Econômica Federal, para gerenciamento de loterias, à contratação de consultoria que seria feita por uma empresa de Buratti.”
Se Diniz era homem da mais estrita confiança de Dirceu, dividindo, inclusive, o mesmo apartamento funcional do hoje ministro em Brasília, por sua vez, Buratti foi assessor do ministro Antônio Palocci Filho (Fazenda) quando este era prefeito de Ribeirão Preto (SP), demitido ao ser flagrado num ato de corrupção.
CPI para quê?
Territórios de impunidades
O ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), quando veio ao Brasil para a inauguração do Instituto FHC (Instituto Fernando Henrique Cardoso), fez os maiores elogios ao ex-presidente brasileiro dizendo que Cardoso “ajudou o Brasil e o mundo e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua com esse compromisso.”
Clinton é um dos maiores mentirosos que já passaram pela face da Terra. É criminoso frio, capaz de eliminar suas vítimas com um sorriso fácil que nunca abandona os lábios. Durante sua gestão na Casa Branca, Cardoso passou alguns finais de semana em Camp David (casa de campo dos presidentes ianques), achando-se extremamente privilegiado por isso. Gostava de se sentir íntimo.
Na sua gestão, Cardoso desnacionalizou o que restava da economia brasileira e entregou quase todas as nossas empresas estratégicas, mergulhando o país em situação pavorosa cujos desdobramentos vamos assistindo. O que Clinton dissesse ou “sugerisse”, Cardoso cuidaria de cumprir. Com a espinha curva e o lombo disponível.
O que Bill Clinton fez com a Iugoslávia, em 1999, bombardeando o país de forma indiscriminada (os EUA comandaram as forças da OTAN), mutilando e assassinando milhares de pessoas, nem uma vida eterna nas labaredas do inferno, caso existissem, seria suficiente para purgar seus pecados.
Mas o então presidente tinha o que se chama de “charme”. Diferente do atual, George W. Bush, bronco semi-alfabetizado, que não dissimula a covardia e arrogância. Clinton é diferente: depois de assinar ordem de bombardeio, podia rir, expressão leve e solta, como se tivesse acabado de acordar ou de realizar desejo oculto. Ainda hoje é louvado como “estadista”. Foi no governo Clinton que o império destruiu com mísseis de longo alcance, que eles dizem ter “precisão cirúrgica”, em 20 de agosto de 1998, uma fábrica em Cartum, capital do Sudão, alegando que lá se produziam armas químicas. Mas o que ali se produzia, na realidade, era remédio contra malária. Na operação, morreram dezenas de civis que apenas transitavam pelas proximidades. E por conta disso milhares de crianças morreram depois, sem a ajuda indispensável que os medicamentos propiciavam.
A destruição da fábrica de remédios foi pretendida resposta aos ataques realizados contra as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia, no dia 7 de agosto daquele mesmo ano. Hoje já não se fala mais nisso.
O elogio de Bill Clinton a Cardoso funciona, na verdade, como um libelo contra sua exexcelência. Porque a “administração” do sociólogo Cardoso (1995-2003) foi das mais criminosas entre todas que já passaram pela Presidência da República. Mesmo assim, sua ex-excelência continua solto, concedendo entrevistas e ameaçando com a possibilidade de ser novamente candidato em 2006.
Na Argentina, Carlos Menem foi semelhante, mas, hoje, o ex-presidente se encontra homiziado no Chile, com um mandado internacional de prisão nas costas, sem poder sair do país sob pena de ser recambiado e posto na cadeia. E por que não colocam Cardoso na cadeia? Por que aprovaram no Congresso uma lei imunda, no apagar das luzes da gestão cardosina (iniciativa do deputado federal Bonifácio Andrada, do PSDB-MG), determinando que ele só poderá ser julgado por um “foro especial”.
A melhor democracia
Em novembro de 1998, o “Brazilian Council da Grã-Bretanha promoveu uma reunião em Londres sobre os serviços públicos do Brasil”. Está tudo lá, no livro de Greg Palast, A melhor democracia que o dinheiro pode comprar (384 páginas, Editora Francis). No “Plano Mestre”, elaborado pelo Banco Mundial, foram propostos “cinco aperfeiçoamentos” para o nosso país, estabelecidos com todas as letras, sendo o principal:”reduzir salários e benefícios; cortar pensões; aumentar as horas de trabalho e reduzir a estabilidade no emprego e o emprego.”
Cardoso entregou tudo que foi possível, fez tudo que seu senhores mandaram, em troca de muito dinheiro que entrou nas negociatas. Não sofreu nenhuma punição. A administração que lhe sucedeu continua dentro do mesmo esquema, com o acúmulo de denúncias e novos escândalos que aparecem sem que se tome qualquer medida.
Ainda em 12 de junho, na Tribuna da Imprensa (RJ), Hélio Fernandes republicava artigo do dia 12 de junho de 2003, lembrando outra barbaridade praticada pelo sociólogo subserviente. Em dezembro de 2002, dias antes de passar o cargo a seu sucessor, Cardoso enviou um projeto de lei para o Congresso Nacional concedendo 25 milhões de acres na Amazônia (englobando terras do Amazonas, Pará, Acre, Rondônia e Roraima), “por um prazo de 60 anos, renovável por mais 60”. Bastaria isso para remetê-lo a um presídio de segurança máxima.
Um ano depois de denunciado por órgãos de imprensa que não vivem pendurados nas tetas oficiais, nada se fez e não se sabe dizer o que se irá fazer com a matéria. O assunto foi convenientemente “esquecido”. Não se abriu CPI para apurar a responsabilidade presidencial, conforme o PT prometia ao longo da campanha eleitoral.
O PT — que vivia à margem de palácios, mostrando-se muito mais ligado a escândalos na área da coleta de lixo — veio com a determinação firme de impedir CPIs, inclusive contra ele próprio, trazendo crimes horrendos e inexplicáveis na bagagem (veja-se o caso do prefeito de Santo André, Celso Daniel. Já foram mortas seis testemunhas).
Prova de domínio
No dia 1° de outubro de 1996, o Congresso dos EUA havia enviado carta ao então presidente Cardoso, com cópias para o ministro da Justiça, Nelson Jobim, o presidente da Funai, Júlio Geiger, e também para o CIR (Conselho Indígena de Roraima), expressando “preocupação com relação ao destino das terras indígenas Macuxi, Wapixana, Ingariko e Taurepang”. A carta veio assinada por 17 congressistas.
Cardoso ouviu e silenciou de forma conveniente, pois já tinha programado sua gestão para doar nossas riquezas, desnacionalizando a economia em cerca de 78%. Não poderia, portanto, ser tão explícito e desmontar o estado de Roraima como seus patrões ordenavam.
Na sua colonização, os EUA adotaram aberta política governamental de extermínio em massa dos índios. Um dos maiores assassinos desses nativos, general Custer, foi massacrado pelos Sioux, em 1867, na batalha de Little Big Horn.
Pois bem, tudo depende de conveniências. Não tendo mais nativos a “proteger” no seu território, já que matou quase todos, a falida nação norte-americana, governada por ladrões que vivem a invadir e roubar países ricos em recursos naturais, quer “cuidar” dos nossos índios. Especialmente dos que habitam regiões ricas em minérios raros e locais onde existe volume imensurável de jazidas de petróleo.
Na carta do Congresso norte-americano, os 17 signatários manifestavam preocupação com a programação das eleições do dia 3 de outubro, em 1996, “a qual irá decidir se deve criar um poder municipal dentro da área indígena.” E adiantam que “o Artigo 231, da Constituição Brasileira, delineia a inalienabilidade dos territórios indígenas.”
Os congressistas ianques falavam, ainda, a respeito do “temor” que sentem “com relação à possibilidade de tal redução territorial estabelecer um precedente para uma também possível redução de 177 outras áreas indígenas no Brasil, cobrindo 16,5 milhões de hectares de floresta tropical.” Quanto amor pelos índios!
Essa questão demarcatória, em especial da Raposa/Serra do Sol, inviabilizando por inteiro o estado, porque ocupa mais da metade do território roraimense, começou no governo Collor de Mello (1990-92), com a articulação da entrega total do país, brecada em parte pelo seu sucessor, Itamar Franco (1992-95), foi dominada, na questão ambiental, por dois entreguistas juramentados: José Lutzemberger (Meio Ambiente) e José Goldenberg (Ciência e Tecnologia). Contava, ainda, com o reforço de cidadão serviçal da ditadura militar (1964-85), titular do Ministério da Justiça (vejam só), uma pessoa que ao assinar o AI-5 declarou ter escrúpulos de conveniência: Jarbas Passarinho.