Pequena história dos trios musicais no Brasil

Pequena história dos trios musicais no Brasil

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 Do começo do século passado, ao começo do século presente

O primeiro trio musical assim denominado, e não “terceto”, a gravar discos no Brasil chamou-se:Trio Aurora, que era formado por violão, flauta e cavaquinho. A música escolhida foi o tango Arroz com Casca, de Mário Alvarez; a gravadora Phoenix, que antes disso havia lançado cerca de 30 discos por sua série mais conhecida (a de nº 70.000), mas somente em quatro desses 30 constava o ritmo internacionalizado pelo franco-argentino Carlos Gardel (1890-1935) a partir de 1916, com Mi Noche Triste, de Castriota/Contursi.

Os discos da Phoenix localizam-se entre os anos de 1913 e 1918.

Eram prensados em Porto Alegre para a Casa Edison, de Gustavo Figner, em São Paulo. Pesados, eles tinham 10 polegadas de diâmetro e um selo vermelho impresso na cor dourada. Apenas um dos lados recebia gravação, como ocorreu com o tango citado.

O segundo trio a gravar discos no Brasil foi o Royal, que era formado por violino, violão e cavaquinho. As músicas escolhidas foram Sereia e Meu Pensamento , valsas de autor desconhecido, para a Odeon, entre 1915 e 1921. Esse foi o primeiro e único disco (de 78 rpm) do Trio Royal, que inexplicavelmente desapareceu após a gravação.

Com a denominação de tercetos, os pioneiros no mercado fonográfico brasileiro foram os de Francisco Lima, Lupércio Vieira, Martins, Paulino e Ulisses, ali pelos finais da segunda metade da primeira década do século passado, para a Casa A Elétrica e a multinacional Odeon.

Os discos de A Elétrica também eram fabricados em Porto Alegre.

Um detalhe: nos primórdios, quase todos os trios eram instrumentais, com repertório erudito mais das vezes. Só a partir dos anos 30, com o surgimento de As Três Marquesas e do Trio de Ouro integrado por Francisco Sena, Herivelto Martins e Dalva de Oliveira, a situação se inverte: o erudito dá vez ao popular, com versos e música de fácil assimilação.

O Trio de Ouro, que começou em 1937 e se estendeu até 1945 (período da primeira de suas cinco formações) chegou a gravar com o Rei da voz Chico Alves e com o cantor gaúcho Nélson Gonçalves, apelidado de “metralha” pela rapidez como pronunciava as palavras, especialmente quando estava nervoso.

As Três Marias “que também teve cinco formações, a partir de 1942” e As Três Garotas, que começou a gravar com o sanfoneiro Antenógenes Silva, em 1944, se incumbiriam de prosseguir na tarefa de popularizar esse tipo de grupo musical no País. Antenógenes Silva afinou sanfonas de Luiz Gonzaga, o rei do baião, e acompanhou o legendário Carlos Gardel, em Paris. Mas essa é outra história.

A farta colheita

Da discografia brasileira constam algumas formações curiosas, como Os Três Sustenidos, só de violões; o Trio de Trombones, só de trombones, óbvio; e o insólito Trio de Saxofones Luiz Americano, nos anos 30.

Entre os trios de música popular, destaque para Os Três Sertanejos, Três Amigos, Três Companheiros, Três Araras, Três Bemóis, Três Tons, Trio Líder e Trio Tamoio (de curtíssima duração, em São Paulo); Trio Violão Brasileiro, Trio Paulista, Trio Bandeira Paulista, Trio Chorinho Sulfuroso, Trio Menura, Trio Serrano, Trio Campeiro, Trio Alma da Terra, Trio Tropical, Trio Mensageiros do Sertão, Trio Carioca, Trio Caipira, Trio Boêmio, Trio da Mata, Trio Batutas do Rincão, Trio da Saudade, Trio Mineiro, Trio Serenata, Trio Sucesso, Trio Aliança, Trio Araponga, Trio Canoeiro, Trio da Simpatia, Trio Estrela de Ouro, Trio Alvorada, Trio Boreal, Trio Gaúcho, Trio Negro, Trio Rubi, Trio Repentista, Trio Orixá, Trio Banzú, Trio Sul e Norte, Inema Trio, Trio Talismã, Trio Tambatajá, Trio Tupi e Trio Turuna, cujos repertórios foram gravados em vários formatos, a partir dos velhos discos de 78 rotações por minuto (rpm).

Dos mais novos, e com repertório basicamente formado por músicas de autores da região Nordeste — destaque especial para o Trio Sabiá, Trio Havengar, Trio Cearese, Trio Rapadura, Trio Xapadão, Trio Zumbaia, Trio Aruana, Trio Nortista, Trio Pé de Serra, Trio Siridó, Trio Pajeú, Trio Araripe, Trio Gandaiêra, Trio Forrozão, Trio Balanço Bom, Trio Bodocó, Trio Jerimum, Trio Carcará, Trio Forró d’uma Figa, Trio Forrofiando, Trio Girassol, Trio Xamego, Trio Calango do Norte, Trio Romântico, Trio Super Nordestinos, Trio Jacobina, Trio Lampião, Trio Lua, Trio Atual, Trio Mungunzá, Trio Taperoá, Trio Maracatu, Trio Cristalino, Trio Pé Quente, Trio Quebra Coco, Trio Curió, Trio Siriá, Trio Nordestino, Carcará Trio, Musi 3, Os 3 do Nordeste — antes Trio Luar do Sertão-, Trio Juazeiro e Trio Virgulino.

Muitos marcaram época, como o 3 D, Pedrinho Mattar Trio, Tamba Trio, Zimbo Trio, Jambo Trio, Trigêmeos Vocalistas (depois, Trio Carezzato), Trio Nagô, Trio Irakitan, Trio Mocotó, Trio Prelúdio, Trio Melodia, Trio Surdina, Trio Sam Bossa, Trio Seleno, Trio Esperança, Trio Marabá e Trio Marayá (antes chamado de Trio Potiguar, Paraguaçu e Marajá) de grandes jornadas ao lado do paraibano Geraldo Vandré, a partir da segunda metade dos anos 60.

O Trio Nordestino, “que passou a existir a partir de 1957” é, dentre todos, o trio veterano em atividade musical, no País. O título, no começo, uma patente sem registro oficial, foi disputado pelos trios Baiano (Lindú, Cobrinha e Coroné) e Paulista (Xavier, Heleno e Toninho). Quem o criou foi Luiz Gonzaga e a sua mulher, Helena.

A gravação do primeiro disco do Trio Nordestino somente ocorreria em 1964, na Copacabana: foi um de 78 rpm, que trazia, de um lado, o coco Chupando Gelo , de Edésio Deda; e, do outro, o rojão Retrato da Bahia (de Lindolfo Barbosa).

O Trio Nordestino original era formado por Zito Borborema, paraibano; Miudinho, cearense; e Dominguinhos, pernambucano. Zito e Miudinho morreram. Miudinho era zabumbeiro do rei do baião, chegando a integrar o grupo Luiz Gonzaga e seus Cabras da Peste, que sucedeu o trio Patrulha de Choque Luiz Gonzaga, integrado pela cantora Marinês, por seu marido, o sanfoneiro Abdias, e pelo zabumbeiro Chiquinho.

Da segunda formação do Trio Nordestino participaram Lindolfo Barbosa, o Lindú; Edvaldo dos Santos, o Coroné; e Cobrinha. Os três já morreram. Lindú em 1982, Cobrinha em 1994, e Coroné em 2005. Com essa formação, e sob as bênçãos de Gonzaga, o trio passaria a se fazer importante no cenário da música popular brasileira.

O segundo trio mais antigo e ainda em atividade é o Trio Juazeiro, criado em 1967. O terceiro, Os Três do Nordeste, que foi fundado em 1969 por Parafuso, Zé Cacau e Zé Pacheco. O quarto, o Trio Virgulino “com 25 anos de estrada”, como lembram seus integrantes Enok Virgulino Dantas (sanfona/voz), Adelmo Joaquim do Nascimento (triângulo/voz) e Roberto Pinheiro (zabumba/voz). Enok e Adelmo nasceram em Parnamirim, cidade encravada no Sertão Central de Pernambuco; e Roberto, de Exu, município fincado bem na encosta da Serra do Araripe, lugar onde nasceu, em 1912, o rei Luiz Gonzaga.

Trios até hoje

O Trio Virgulino com u , e não com o , como seria a grafia correta, por se tratar, enfim, de homenagem ao “rei dos cangaceiros” Virgolino Ferreira da Silva, lançou o primeiro disco em 1986 (pelo selo Sabiá, da extinta gravadora Copacabana; SALP-61012). Esse LP, Beijo Moreno (faixa-título assinada por João Libório), se transformaria em CD 20 anos depois, com duas músicas a mais: Dança da Nova Era e Vítima .

Nos anos seguintes, o trio gravaria mais cinco discos, todos no formato de CD. Um deles, intitulado apenas de Trio Virgulino , é o registro de uma apresentação ao vivo, sem clima de “ao vivo”; experimental, porém necessário para se saber como andava o grupo no começo dos anos 90.

Depois foram lançados Coração Feliz, Forró & Paixão, O Beijo que Você me Deu (todos esgotados, incluindo os anteriores) e o mais recente Forró do Futuro . Todos gravados e distribuídos de forma independente, à exceção de I(Deck Disck/Abril Music).

Além dos discos individuais, o Virgulino tem participado, como convidado, de discos dos trios Nordestino, Xamego e das bandas Bicho de Pé, Falamansa, Alcalinos e do último CD do forrozeiro cearense Costa Sena, Fábrica de Universos.

Como os demais, o novo CD do Trio Virgulino é fácil de ouvir, dançar e gostar. Nas suas 14 faixas, que se alternam entre xotes e forrós, os nordestinos de fora do seu habitat encontrarão razão para justificar o carinho e respeito pelo trio, como o fazem a paraibana Elba Ramalho e o pernambucano Dominguinhos, que marcam presença em duas faixas: Xote da Saudade, de Geraldo Lins e Carlinhos Borges; e Lenha na Fogueira, de Roberto Pinheiro, J. Cruz e Carlos Rufo. Dominguinhos é assumidamente o padrinho do grupo desde a sua formação.

Dentre os trios da música popular brasileira em atividade, o que mais viaja ao exterior é o Trio Virgulino: Espanha, França, Portugal, Inglaterra e Estados Unidos, nos últimos anos.

Detalhe: foi no final da primeira metade dos anos 90 que a imprensa paulistana cunhou equivocadamente a expressão “forró universitário”, para definir o ritmo que o Virgulino tocava e cantava nos bares e pequenas casas de espetáculos localizados na região da Cidade Universitária. Equivocadamente, porque na ocasião o que se apresentava ao público, na maioria constituído por universitários, era nada mais nada menos do que o tradicional forró pé de serra : “aquele que é feito sem uso ou efeito de instrumentos eletrônicos”, que ainda se pode ouvir em boa parte do Nordeste, de onde Enok, Adelmo e Roberto são oriundos, como um pouco acima já foi dito.

O Trio Virgulino está preparando um grande espetáculo para percorrer o País e um DVD, que será lançado ainda este ano como parte das comemorações de suas bodas de prata.

— Vamos marcar a data, pois 25 anos só se faz uma vez , promete Enok.


Assis Ângelo é jornalista, sociólogo e estudioso da cultura popular brasileira, além de autor de diversos livros sobre música e folclore. Assis faz Tão Brasil, na AllTV (às quartas-feiras, 21 horas — reunindo poetas, jornalistas, escritores, instrumentistas de reconhecido valor cultural).
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