Poucos têm noção, sequer aproximada, da perda econômica e social sofrida pelo Brasil em decorrência do serviço da dívida pública. Em 1988 foi introduzido ilegalmente na Constituição Federal dispositivo que excetua o serviço da dívida das restrições estabelecidas no § 3º do artigo 166 às emendas ao Orçamento. Detalhes e provas podem ser vistos no trabalho Anatomia de uma Fraude à Constituição, em páginas da internet, como: http://paginas/terra.com.br/educacao/adrianobenayon.
Conforme dados oficiais, de 1988 a 2007, a União despendeu no serviço das dívidas interna e externa R$ 4,5 trilhões, em valor atualizado a preços de 2007, a título de juros, encargos e amortizações, não contadas as referentes a rolagem de dívidas.
A dívida externa total (não apenas a pública) vem do financiamento dos déficits de transações correntes com o exterior, os quais, por sua vez, derivam da estrutura industrial e econômica dependente. Esta já condenara o Brasil a um pesadíssimo serviço da divida ao longo do Império e da República Velha (até 1930). A partir de 1954 criaram-se novamente condições para a deterioração estrutural, ao serem a indústria e a economia do País crescentemente controladas por empresas transnacionais por meio dos investimentos diretos estrangeiros.
Além de perpetuar o subdesenvolvimento e de realimentar a dependência financeira e a tecnológica, essa estrutura acarreta vultosas transferências de recursos para o exterior. A remessa oficial de lucros, somente a ponta do iceberg, vem batendo recordes sucessivos e atingiu US$ 8,6 bilhões num só trimestre, o 1º de 2008.
Apesar de os investimentos públicos
em infra-estrutura minguarem,
a dívida externa registrada
mais que dobrou de 1977 a 1982,
de US$ 32 bilhões para US$ 70 bilhões.
De 1982 a 1987, na ‘década perdida’,
a mesma dívida cresceu 53%,
atingindo US$ 107,5 bilhões.
O grosso das transferências procede da fixação dos preços de exportações e importações (transfer-pricing) e das despesas por serviços pagos às matrizes das transnacionais. As subsidiárias transferem: juros; pagamentos por serviços, em geral superfaturados, quando não fictícios, a diversos títulos, como assistência técnica, uso de marcas, tecnologia, comissões de comercialização e de agentes, fretes, seguros etc.
Os déficits externos foram agravados, nos anos 70, por dois choques nos preços do petróleo, em 1973/74 e 1979, comandados pelo cartel anglo-americano das finanças e do petróleo.
Quando dos falsos milagres econômicos (1955-1960 e 1968-1977), parte significativa da dívida pública proveio do financiamento de programas de infra-estrutura, mas sob desnecessária dependência financeira e tecnológica, gerando gastos excessivos em pacotes fechados.
De 1977/1978 ao desenlace em 1982, e mesmo depois deste, o endividamento externo foi, em proporção crescente, destinado a rolar dívidas anteriores, hipertrofiadas pela capitalização de juros, margens (spreads) e encargos, cada vez mais exorbitantes, ademais de taxas de reestruturação, tarifas comissões bancárias e de agentes etc. Desse esgotamento proveio a elevação exponencial da dívida interna, na qual a capitalização de juros responde por cerca de 90% do montante atual.
A decisão do Federal Reserve dos EUA, elevando os juros nos EUA para acima de 20% aa., em agosto de 1979, intensificou a agonia com o desequilíbrio externo, tendo as “autoridades” brasileiras, a grande dano do País, demorado demais a admitir a impossibilidade de adimplência. Só o fizeram em 1982, após o México e a Argentina a terem declarado.
(de 1978, a dívida) ascendeu
em 2002 a US$ 195,6 bilhões,
crescendo US$ 152,1 bilhões.
Nesses 24 anos o Brasil pagou juros
e amortizações no total de US$ 156,4 bilhões
a mais que a cifra de desembolsos dos créditos.
Apesar de os investimentos públicos em infra-estrutura minguarem, a dívida externa registrada mais que dobrou de 1977 a 1982, de US$ 32 bilhões para US$ 70 bilhões. De 1982 a 1987, na “década perdida”, a mesma dívida cresceu 53%, atingindo US$ 107,5 bilhões. De 1987 a 1991, caiu para US$ 93 bilhões, devido ao quantum brutal das amortizações após a promulgação da Constituição de 1988.
Esses fatos são suficientes para questionar o grosso da dívida pública, de resto acrescida em 1983 por dívidas privadas assumidas pela União por imposição dos bancos estrangeiros. A dívida interna ascendeu a R$ 1,4 trilhão em 2007, e a externa (em parte privada) subiu para US$ 237,5 bilhões. A pública externa, estimada em US$ 100 bilhões, equivale hoje a R$ 170 bilhões.
O IPEA levantou dados de 1947 a 2002 sobre a dívida externa registrada, cujo montante em 1978 era US$ 43,5 bilhões. Ela ascendeu em 2002 a US$ 195,6 bilhões, crescendo, portanto, em US$ 152,1 bilhões. Nesses 24 anos o Brasil pagou juros e amortizações no total de US$ 156,4 bilhões a mais que a cifra de desembolsos dos créditos. Concluir-se-ia que a perda sofrida foi US$ 308,5 bilhões só nesse período. Mas foi muitíssimo maior.
Em 1º lugar, há que atualizar essa quantia para dólares de 2007: cerca de US$ 2,2 trilhões. Em 2º lugar, a esmagadora maioria dos créditos refere-se a gastos em rolagem, i.e., despesas financeiras decorrentes da capitalização de juros, encargos, taxas e comissões. Em 3º lugar, há os ganhos cessantes: os que deixaram de resultar do investimento dos recursos perdidos com o serviço indevido da dívida, o que leva a cifras muito mais astronômicas que as supra-indicadas.
Em artigos subsequentes vou quantificá-las, bem como demonstrar a correlação entre, de um lado, o crescimento dos investimentos diretos estrangeiros e, de outro, a elevação dos montantes da dívida e de seu serviço.
A economia do País está estagnada, a não ser para: 1) bancos e aplicadores no mercado financeiro local, em grande parte estrangeiros; além disso, os maiores volumes e valores de ações de empresas em operação no País são transacionados em bolsas do exterior; 2) grandes empresas, como as da siderurgia e do agronegócio, exportadoras de mercadorias intensivas de recursos naturais.
A infra-estrutura, mal planejada e mal realizada, vira sucata, e agravam-se as mazelas sociais e ambientais. Sem material, e prejudicadas em seu treinamento, as Forças Armadas perdem condições de defender o próprio território, que está sendo segregado do País em seu extremo norte.
Em suma: 1) o modelo e a política econômica levam o País à primarização e ao subdesenvolvimento; 2) para isso tem contribuído grandemente a prioridade absoluta de servir a dívida pública, em condições absurdas, no interesse dos "credores".
A característica essencial do modelo é a estrutura econômica sob controle de empresas transnacionais (ETNs) e as empresas de capital nacional, ao fim destruídas, ou absorvidas pelas ETNs, sob dependência tecnológica e financeira. Nesse quadro, as crises externas são inevitáveis, e expansões econômicas não têm como se sustentar.
Tal é a vitalidade do Brasil, mesmo manietado por enorme sucção de seus recursos, que, para assegurar-lhe o subdesenvolvimento, o sistema mundial de poder faz aplicar aqui, decênios a fio, as taxas de juros mais altas do Mundo. Elas chegaram aos píncaros do absurdo em 1998, quando a SELIC alcançou a inacreditável marca de 50% aa.
Tenho mostrado que: 1) não se sustenta o pretexto de que altas taxas de juros deteriam a inflação: elas mais a causam do que a afastam; 2) sua elevação inibe os investimentos produtivos e, assim, acaba por deprimir a economia. Ademais, os repetidores das falsas justificações não explicam porque as taxas nos títulos públicos têm sido 4 vezes mais altas no Brasil do que em países cuja dívida pública líquida é maior que a brasileira.
*Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de Globalização versus Desenvolvimento. Editora Escrituras. Correio eletrônico: [email protected]
1. SIAFI, STN (Secretaria do Tesouro Nacional, despesas da União por grupo.
2. O público encontra-se desinformado, por exemplo, de que a City de Londres tem influência muito maior do que a OPEP no preço do petróleo, sem falar em que países de peso na OPEP agem em consonância com a finança anglo-americana, junto à qual aplicam seus haveres.
3. De fato, os valores dos empréstimos excederam em muito o valor real das aquisições no exterior de equipamentos, insumos e serviços. Além disso, a escolha desses bens e serviços não era, em geral, a adequada. O Banco Mundial, o BID e as agências e bancos oficiais dos países exportadores favoreciam os fornecimentos de cartéis formados por transnacionais, que determinavam as especificações das licitações internacionais.
4. De fato, prosseguiram “renegociando” dívidas que venciam e não havia como pagar. Isso elevou em muito o serviço da dívida, onerada por taxas de risco (speads) e co-missões cada vez mais altas, além de obrigarem a Petrobrás, a Vale do Rio Doce e outras estatais (ainda o eram) a tomar empréstimos no exterior de que não necessitavam, a fim de fechar o balanço de pagamentos do País.