Peru: A luta ideológica travada pelas massas

Peru: A luta ideológica travada pelas massas

A greve que recentemente sacudiu o Peru (ver página 21) não pode ser atribuída a esse ou aquele grupo político dito de esquerda, nem a uma situação particular das políticas econômica e social aplicadas pelo atual gerente do estado peruano.

É certo que seu “governo”, assim como no Brasil, é continuísta das ordens ditadas pelo FMI e monopólios internacionais. Aliás, esse aspecto é um requisito básico para a chegada e manutenção deste ou daquele grupo político à gerência do Estado de qualquer semicolônia. Interessante também é notar que o processo de intensificação da rapina das riquezas do Peru por parte das potências e da superpotência imperialista — o USA — não teve início com os “governos civis”. Assim como quase todos os países latino-americanos, o Peru passou por longos anos de gerenciamento militar e, assessorado por “conselheiros” ianques, esvaiu as riquezas do país, assegurando internamente a concentração fundiária e o desenvolvimento da burguesia burocrática peruana.

O que se viu depois, com a pretensa redemocratização e os governos “civis”, foi o aprofundamento das péssimas condições econômicas e sociais em que o país já se via mergulhado. As massas trabalhadoras do campo e da cidade se acham cada vez mais empobrecidas, o desemprego cresceu assustadoramente, os sindicatos foram tomados por direções oportunistas, a fome assaltou o campo como consequência da semifeudalidade, a desnacionalização das empresas estratégicas se acelerou, a dívida externa se agigantou e os pagamentos de juros nunca deixaram de ser feitos. Os grupamentos políticos que se intitulavam marxistas, antes tão veementes na crítica e denúncia da ditadura militar, se afundaram no eleitoralismo e na defesa do chamado Estado democrático de direito.

As eleições, notoriamente fraudulentas e corruptas, passaram a incorporar esses partidos que se aglutinavam em frentes eleitoreiras como a “Esquerda Unida”, nos anos 80 e 90, e em 2000, a “União da Esquerda Revolucionária”. Toda esta esquerda ficou amarrada aos gerentes de turno, pois compôs os sucessivos “acordos nacionais” de Fujimori e, agora, de Toledo. Tais acordos são uma espécie de pacto pela governabilidade sem apoio popular.

Há que destacar ainda o Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), grupelho que deu início à luta armada em 1984 unicamente para traficar a influência do revisionismo que a condição de grupo armado lhe conferia. O MRTA ficou famoso por ter ocupado a embaixada do Japão, em 1996, mantendo reféns durante cerca de 120 dias. Seus dirigentes se dispuseram a negociar com todos os presidentes, começando por Alan Garcia, indo a Toledo, candidato abertamente apoiado por eles durante a campanha eleitoral.

Toledo não poderia fazer diferente de seus antecessores. Imprimindo o populista governo de todas las sangres“, não conseguiu camuflar a crise em que o país está afundado. Os acontecimentos de maio/junho revelam a intensa luta ideológica travada dentro dos setores populares peruanos, há cerca de 23 anos.

O início da guerra popular

Em 1980 é desencadeada a luta armada, encabeçada pelo Partido Comunista do Peru (PCP), chamado de Sendero Luminoso pela imprensa imperialista. Seu desenvolvimento é muito rápido e em alguns anos as bases de apoio da guerrilha e áreas liberadas já se espalhavam pelo país, principalmente nas regiões camponesas da Cordilheira dos Andes, onde se apresentam as mais atrasadas relações de produção aplicadas pelo latifúndio. A luta armada se estendeu às grandes cidades, onde o Partido Comunista promovia ações de propaganda que encontravam um profundo eco nas massas proletárias.

Em tal situação, Belaúnde Terry, Alan Garcia, Fujimori e Toledo empreenderam um grande e sistemático processo de repressão que visava afogar a revolta das massas. Usaram métodos que incluíam:

1 formação das “rondas camponesas” — uma organização paramilitar encarregada de mapear e eliminar as lideranças camponesas suspeitas de ser guerrilheiras — que reunia os latifundiários e seus jagunços além de alguns camponeses obrigados a integrar tais órgãos;

2criação de zonas de emergência onde a luta armada havia recrudescido, o que, na prática, significava dar a um militar a permissão de eliminar dissidentes ou suspeitos;

3prisões em localidades e condições que tornam a morte dos presos políticos lenta e certa, como é o caso de Challapalca (ver AND nº2, p. 23), além dos conhecidos massacres perpetrados pelo então presidente Alan Garcia, em 8 de junho 1986, nos presídios de El Frontón, Lurigancho e Santa Bárbara, matando centenas de prisioneiros que, mesmo desarmados, lutaram até o fim;

4 emprego, nos julgamentos de presos políticos, dos chamados “juízes sem rosto” que condenaram, entre 1992 e 95, duas mil pessoas.

Todas estas ações foram praticadas em estreita colaboração com a CIA, que inclusive apoiava os ex-presidente fugitivo Fujimori e o responsável pelo Serviço Nacional de Informações (SIN), Vladimiro Montesinos, em sua atividade de traficantes de drogas e armas. Fujimori ainda anistiou todos os militares que estavam sendo acusados de violações dos direitos humanos e, agora, se encontra “exilado” no Japão. Mesmo se tratando de um notório criminoso de guerra, o Japão o acolheu, lhe concedeu um novo nome e a cidadania japonesa.

Comissão de que verdade?

Agora, Toledo tenta aparecer como pacificador, instalando o que chama de “Comissão da Verdade e Reconciliação”. Este artifício já tinha sido utilizado antes por Fujimori no episódio forjado das “Cartas de Paz” saídas do aparato repressivo do Estado peruano e atribuídas ao Dr. Abimael Guzmán (o Presidente Gonzalo), secretário-geral do PCP, capturado em 1992. Nelas, ele apregoa o fim da luta armada e colaboração com o “governo democrático” de Fujimori. A intenção claramente era fazer crer que a luta armada se tornara impossível, uma vez que a cabeça do partido havia sido atingida. A patranha das cartas de paz foi acolhida como legítima por vários partidos comunistas pelo mundo, o que proporcionou uma grande luta ideológica no seio do movimento comunista internacional.

As palavras das cartas de paz contradizem incrivelmente as palavras proferidas pelo mesmo próprio Dr. Abimael, dias depois da prisão, em que conclamava a continuação da luta e a organização de um novo organismo dirigente para o PCP.

A partir deste discurso, em que a dupla Fujimori/Montesinos tentou expô-lo ao ridículo, prendendo-o em uma jaula com roupas listradas, o Dr. Abimael se encontra preso e incomunicável em uma cela subterrânea. Desde então, nem Fujimori e nem Toledo possibilitaram a qualquer pessoa ou organização séria o contato pessoal do Dr. Abimael.

Agora, a “Comissão da Verdade e Reconciliação” de Toledo apresenta uma declaração parecida, de Oscar Ramirez Durán (o camarada Feliciano), que substituiu a Abimael Guzmán na direção do PCP e também foi preso em 1999. Durán teria dado uma entrevista por escrito à revista Caretas, do Peru, advogando a entrega das armas. O detalhe é que a entrevista foi autorizada pelo comando da Marinha peruana, que o mantém preso. A luta armada continuou apesar desses truques. A Comissão colheu ainda o depoimento do dirigente do citado MR TA, Victor Polay Campos, que também se encontra preso e conhecido seu paradeiro (portanto), em que este toma claramente o partido da capitulação, só que, neste caso, tudo indica que a declaração seja verdadeira, já que esta sempre foi a tendência deste movimento.

A Comissão de Toledo tenta, com nomes novos em velhas coisas, inocentar os militares e latifundiários, alem dos juízes e políticos, que promoveram os massacres, maus tratos e torturas nos presídios e a prisão de milhares de inocentes. Além disso, tenta também esconder que a guerrilha retomou suas ações depois de um refluxo que a levou a um recuo tático durante algum tempo.

A movimentação grevista revela, acima de tudo, que a luta de classes no Peru tem possibilitado o crescimento da ideologia proletária a ponto de as massas rejeitarem as direções oportunistas e partirem para formas de luta mais consequente e sem ilusões.

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