Peru: cem dias de continuísmo e entreguismo

Peru: cem dias de continuísmo e entreguismo

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Passaram-se mais de cem dias do governo de Ollanta Humala no Peru e se apresentam algumas perguntas: qual é a sensação deixada pelo início de um governo que irrompeu na cena política com o rótulo de “esquerda”? Como Humala se acomodou no cenário político internacional? Como o novo governo se relacionou diante da particular situação penitenciária do Peru?

Tentaremos ensaiar respostas que se aproximem desses temas. Na argumentação, obviamente centraremos mais nas atitudes, gestos e sinais dos rumos para onde se dirige esse governo.

Já está muito distante aquela oportunidade em que o “mercado” tropeçou e a Bolsa de Valores de Lima caiu 12%, pouco tempo depois que se soube que Humala seria o presidente do Peru.

Agora, as transnacionais mineradoras não são mencionadas em nenhum momento por ele, tampouco se aplicou alguma medida que obrigue as mineradoras a mudar um pingo em seu procedimento. Estes são potentes indicadores que mostram a cara do governo de Humala. Ou seja, se trata de um governo de continuidade, pois mantém o mesmo padrão de exploração capitalista que veio se desenvolvendo no Peru, em especial desde a década de 90.

Isso é extremamente expressivo, pois, como dizem os advogados, o silêncio é manifestação de vontade e quem cala e continua permissivo com as atividades extrativistas que antes criticava e fustigava sem dúvida é complacente com o estado de coisas existente. Ou seja, agora que Humala é presidente, não há o menor gesto de indignação contra a espoliação extrativista transnacional no Peru! Nem uma só palavra! Como diria um poeta peruano: “Como você mudou, careca!”1.

Pelo contrário, Humala reprimiu o protesto dos camponeses afetados pela mineração, como se pode evidenciar nos casos de Andahuaylas2, onde ficaram feridas quarenta pessoas numa violenta intervenção da polícia com armas de fogo, e também em Cajamarca3. Ambas intervenções policiais eram destinadas a calar o protesto contra a exploração mineira que degrada o meio ambiente, mina as atividades agrícolas e, em grande medida, beneficia de maneira especial o capital transnacional.

Além do mais, membros de seu grupamento político, agora empoleirados no poder, demonstram ter as mesmas manhas corruptas da típica politicagem criolla, pois imediatamente se dedicaram a fazer lobby a favor de alguns capitalistas locais, como o escândalo de Omar Chehade e a empresa Wong, quando tentou-se beneficiar esta grande firma peruana dedicada ao comércio e à agroindústria, através do tráfico de influências, em claro detrimento dos interesses dos trabalhadores da empresa açucareira Andahuasi.4

Outro escândalo no qual se viu envolvido o atual governo foi a morte de três crianças, que faleceram ao ingerir alimentos doados pelo Programa Nacional de Apoio Alimentar (PRONAA), organismo estatal descentralizado dependente do Estado peruano5. Uma flagrante negligência cujo contexto político é a pouca prioridade com que este Estado atende as pessoas mais pobres do país.

Quanto à política exterior, Humala não mudou um milímetro na de seus antecessores, ou seja, toma distância do bloco da ALBA (Aliança Bolivariana para Nossos Povos da América Latina), e desta maneira evita qualquer aproximação com Hugo Chávez da Venezuela, Evo Morales da Bolívia, Daniel Ortega da Nicarágua e Rafael Correa do Equador. Por outro lado, busca fortalecer a presença peruana na insipiente Unasul (União de Nações Sul Americanas), que conta com a liderança do Estado brasileiro. Quanto à política territorial, manteve os diplomatas que manejam o conflito com o Chile, que tramitam na corte de Haya, não importando o passado político destes.

No que se refere ao controvertido tema penitenciário, Humala não fez nenhum pronunciamento oficial. No entanto, utilizou um de seus ministros para que ventile a ideia de uma possível anistia generalizada para presos especiais, cujos processos de uma ou de outra forma estiveram associados a problemas políticos da cena nacional peruana6. Entre eles estariam envolvidos Alberto Fujimori, preso por genocídio e corrupção; Antauro Humala (irmão de Humala), preso por pegar em armas em janeiro de 2005; Abimael Guzmán, líder do Partido Comunista do Peru, conhecido como Sendero Luminoso; Victor Polay, líder do Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA), e os militantes ou correligionários de cada um destes líderes.

Essa ideia ocasionou a resposta de múltiplas organizações de direitos humanos e só teve aceitação do Movimento dos Direitos Fundamentais (Movadef), liderado pelo advogado de Abimael Guzmán, Alfredo Crespo. Fala-se que a ideia de anistia se tratava de um balão de ensaio para buscar a libertação de Antauro Humala, irmão de Ollanta Humala.

Para finalizar, podemos chamar de “esquerda” um governo que reprime o campesinato para defender os interesses das transnacionais mineradoras? Definitivamente não. O que o governo peruano mostrou neste tempo, é, sem dúvida, que nada mudará. Por que? Porque o perfil pró-imperialista e empresarial de Humala, que começou a evidenciar-se com nitidez desde o segundo turno das eleições presidenciais deste ano, ou seja, a atitude de não tocar em nada dos interesses mencionados, se confirmou totalmente.

 

NOTAS

1 “Como você mudou, Careca” é o título de uma muito conhecida décima do poeta peruano Nicomedes Santa Cruz, um texto carregado de ironia ante as falsas súbitas mudanças de algumas pessoas, veja o seguinte link: www.poesi.as/nsc0017.htm

2 Ver www.radiouno.pe/noticias/24318/confirmado-andahuaylas-corrieron-balas-hay-heridos-gravedad

3 Ver www.abc.es/20111125/internacional/abci-ollanta-humala-sufre-primeras-201111252222.html

4 Ver: http://peru.com/actualidad/nuevo-documento-comprobaria-denuncia-contra-chehade-noticia-27450

5 Ver http://noticias.terra.com.pe/nacional/garcia-naranjo-modelo-pronaa-es-centralista-y-corrupto,311ec20ef5bd2310VgnVCM4000009bf154d0RCRD.html

6 Ver www.rpp.com.pe/2011-10-31-ministro-vega-desata-polemica-al-proponer-una-amnistia-general-en-peru-noticia_417842.html

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