Alexandre mostra o rastro de poluição na Baía de Guanabara
O velho Estado brasileiro vem fingindo que não aconteceram os assassinatos em junho de dois pescadores fluminenses que desde o ano de 2007 vinham denunciando os impactos socioambientais e problemas para a pesca artesanal gerados por grandes empreendimentos econômicos na Baía de Guanabara. Os crimes ocorreram no esteio da construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), um dos maiores projetos da história da Petrobras, que está sendo levado a cabo no âmbito da estratégia petista de perpetuação no poder e de retribuição a doadores de suas campanhas eleitoreiras chamada Plano de Aceleração do Crescimento, vulgo PAC.
Os pescadores assassinados foram Almir Nogueira de Amorim e João Luiz Telles Penetra, conhecido pelo apelido de Pituca. Os dois desapareceram numa sexta-feira, 22 de junho, quando saíram para pescar na Baía de Guanabara e não voltaram mais. O corpo de Almir foi achado dois dias depois, no domingo, amarrado ao seu barco, que estava submerso nas proximidades da praia de São Lourenço, no município de Magé. Já o corpo de Pituca foi encontrado só na segunda-feira, perto de uma praia de São Gonçalo. Ele estava com pés e mãos amarrados e em posição fetal.
Tanto Almir quanto Pituca eram lideranças ativas da Associação de Homens e Mulheres do Mar, a Ahomar, entidade representativa que tem 1870 associados de sete municípios que circundam a Baía de Guanabara e que tem uma história de muita combatividade em defesa dos trabalhadores da pesca artesanal do Rio de Janeiro.
Entre as ações mais retumbantes organizadas pela Ahomar está a ocupação por 38 dias, em 2009, das obras de construção dos gasodutos submarinos e terrestres de transferência de gás natural e gás liquefeito a cargo de um consórcio de empreiteiras contratadas pela Petrobras. Obra essa que, segundo os pescadores, compromete a pesca artesanal na Praia de Mauá, em Magé.
Violências sem fim contra os pescadores organizados
O corpo de João Luiz Telles Penetra, o Pituca, apareceu em São Gonçalo
Pela ameaça que representam ao bom andamento dos projetos do velho Estado entregues aos cuidados de superempreiteiras, os dirigentes da Ahomar têm sido alvo de ameaças, intimidações e violências, sobretudo depois que a associação voltou a confrontar os poderosos da Petrobras e das empreiteiras contratadas para as obras do Comperj, no fim de 2010 e início de 2011, contra a intenção de se transformar o Rio Guaxindiba, que deságua na Baia de Guanabara, localizado na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, em uma hidrovia destinada ao transporte de equipamentos para o complexo petroquímico, em mais uma manobra que causaria grande impacto na pesca artesanal local.
Desde 2009 o presidente da Ahomar, Anderson de Souza, vive com sua família sob escolta policial em tempo integral, e mesmo assim sofreu tentativas de assassinato.
Além das mortes de Almir e Pituca, outros dois dirigentes da Ahomar já haviam sido assassinados: Paulo Santos Souza, ex-tesoureiro da associação, foi espancando e assassinado com cinco tiros na cabeça em maio de 2009. Em 2010, um dos fundadores da entidade, Márcio Amaro, foi morto em casa, na frente da sua família. Ambos os crimes até hoje não foram solucionados, da mesma forma que se anuncia que as mortes de Almir e Pituca não o serão.
Além de tudo isso, e como uma luva colocada na mão forte dos poderosos ligados ao Comperj, o Destacamento de Policiamento Ostensivo (DPO) da Praia de Mauá, exatamente onde está localizada a sede da Ahomar, foi desativado em fevereiro desse ano, o que na teoria — e, em se tratando de polícia, talvez apenas na teoria — tornaria os pescadores ainda mais vulneráveis à violência e às perseguições de que têm sido alvos.
Dezenas de organizações subscreveram um manifesto de repúdio pelos assassinatos dos pescadores da Ahomar, no qual constam oito claras reivindicações, entre elas que os mandantes e assassinos de Almir e Pituca sejam identificados e responsabilizados.
“Não vamos nos intimidar”
Depoimento a Patrick Granja
No final de agosto, a reportagem de AND conversou com o pescador artesanal e presidente da Ahomar, Alexandre Anderson. Atuante na Baía de Guanabara desde 1998, Alexandre contou um pouco da história dos homens e mulheres do mar da Baía de Guanabara.
“A luta dos pescadores da Baía de Guanabara se iniciou a partir do vazamento de óleo de 2000. Mas a luta específica do grupo Homens do Mar se deu a partir de 2003, por conta da presença de outros empreendimentos perigosos para o nosso ecossistema em uma área já muito poluída da Baía. Em janeiro de 2007, nós criamos a Ahomar. Nosso objetivo era denunciar a ocupação irregular do espelho d’água da Baía por atividades offshore. Rodovias, terminais, refinarias. Só que isso começou a incomodar muita gente, muitos grupos criminosos que se beneficiam dessas obras. Para uma obra dessa, você precisa de logística, água, alojamentos, transporte. Isso quem faz são empresas terceirizadas contratadas pela Petrobras, que não faz nenhum tipo de controle.
No dia 22 de maio de 2009, durante manifestações nossas, depois de um cerco de pescadores a uma obra da Petrobras, nosso sócio, fundador e companheiro Paulo César foi assassinado. Nesse ano, nós conseguimos uma vistoria no canteiro da obra do gasoduto da GLP da Petrobras na Baía depois de muita pressão junto com outros grupos ambientalistas. Nessa vistoria, foram confirmadas todas as nossas denúncias de irregularidades. Por isso, a obra foi interditada. No mesmo dia, nosso tesoureiro teve a sua casa cercada por homens armados, foi torturado e executado na frente de sua esposa e seus dois filhos menores.
Em 2010, ao lembrar os 10 anos do grande vazamento de óleo, nosso companheiro Márcio Amaro fez um protocolo junto com um companheiro do Sindipetro denunciando esses grupos armados nos canteiros de obras da Petrobras. Esse protocolo tinha nomes, datas, muitas informações. No dia seguinte, três homens foram a sua casa ainda de dia e o executaram na frente da sua mãe e sua esposa.
Eu já sofri seis atentados. Uma vez, eu reparei que tinham dois homens circulando a minha casa. Eu liguei para a polícia, que chegou ao local e foi recebida a tiros por esses dois elementos. Os dois foram presos, mas até hoje nós não sabemos quem eram esses homens, porque o delegado os liberou no dia seguinte sem dar nenhuma explicação.
A gente começou em janeiro uma campanha de proteção do Rio Guaxindiba, na APA de Guapimirim, da invasão da Petrobras utilizando um rio dentro de uma área de proteção federal. Eles querem fazer um canal que vai matar grande parte dos peixes e caranguejos. A APA de Guapimirim é o que ainda permite a renovação das águas, a reprodução dos pescados e a sobrevivência dos pescadores que vivem da Baía de Guanabara.
Certamente por conta dessa luta, no dia 23 de junho desse ano, dois companheiros nossos, o Almir e o Pituca, saíram para pescar e não voltaram mais. Eles foram achados em lugares diferentes, ambos amarrados e com sinais de tortura. Um deles foi amarrado a um barco, que em seguida foi perfurado a balas e afundou com ele dentro. Na semana seguinte, outro fundador da Ahomar teve a casa invadida por homens armados. Ele só escapou porque estava na casa de um primo dele em frente e percebeu que estavam arrombando a porta da sua casa. Nós temos isso como um aviso bem claro: nem o mar é mais um abrigo seguro para nós, homens e mulheres do mar. Hoje o mar está dominado por grupos armados que fazem patrulhamento dos dutos, terminais e refinarias da Petrobras.
O Estado não cria maneiras para nos proteger. Eu, por exemplo, estou na lista das trinta pessoas mais ameaçadas do país, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra. Os pescadores só continuam lutando porque sabem que não vão sobreviver sem a Baía de Guanabara. Mas não vamos nos intimidar. Dia 1º de agosto desse ano, nós iniciamos uma nova onda de protestos junto com várias outras entidades para denunciar esses assassinatos e perseguições. Em uma audiência pública, nós declaramos que vamos continuar a nossa luta, apesar das dificuldades e das tentativas de nos intimidar.”