Pouco a pouco, a cada vez que o telefone fica mudo, que cai o sinal de internet; a cada anúncio de lucros fabulosos dos bancos privados que arremataram bancos públicos; a cada aumento dos preços do pedágio, e a cada novo pedágio; a cada notícia sobre um “investidor” de antigas empresas públicas entrando em listas dos mais ricos, enquanto as condições gerais de vida da população se degradam a olhos vistos; a cada prova de inutilidade das agências reguladoras, evidencia-se com maior nitidez que o processo de massivas privatizações do patrimônio público do povo brasileiro, iniciado no gerenciamento Collor, impulsionado por FHC e agravado durante o gerenciamento petista, é, em todo o seu conjunto, um imenso, prolongado e até agora impune crime de lesa-pátria.
As privatizações são um processo histórico balizado pelas requisições dos grandes monopólios internacionais, que passaram a exigir dos administradores e gerentes dos Estados imperialistas e das semicolônias que alienassem o patrimônio público ao redor do planeta, que afinal foi e ainda tem sido levado a cabo sob o discurso padrão da busca por mais eficiência, por preços mais baixos e da necessidade de o Estado “fazer caixa” e diminuir o seu peso sobre a economia.
Em uma semicolônia como o Brasil, entretanto, todo o processo se dá com suas características acentuadas e agravadas, com as empresas públicas vendidas a preço de banana em negociatas azeitadas com dinheiro público, deterioração da qualidade dos serviços, oligopolização e altos preços. Além disso, as agências estatais ditas “reguladoras” funcionam como parte da engrenagem de achaques, descaso e precariedade, sempre atendendo às demandas dos monopólios.
Telefonia-fixa: capitanias hereditárias
Os grandes beneficiários de algumas das privatizações mais marcadas pelo signo do entreguismo, como as dos setores bancário e de telecomunicações, não saem das listas dos mais citados pelos usuários em procons e instrumentos independentes de reclamações sobre abusos e ineficiências, sendo que no âmbito das telecomunicações o território brasileiro foi fatiado em capitanias hereditárias entregues a empresas que mantém milhões de usuários da mais básica tecnologia de comunicação em permanente chantagem, com preços nas alturas, serviços precários e manutenções demoradas.
É o caso da Oi, antiga Telemar, companhia forjada com dinheiro do BNDES (como é a tônica das privatizações no Brasil) no obscuro saldão das “teles” promovido em 1998 por FHC, e catapultada por Luiz Inácio 10 anos depois, em 2008, quando ele bancou até uma mudança da lei para tornar possível a aquisição, pela Oi, da Brasil Telecom, em um dos maiores capítulos da monopolização das telecomunicações no Brasil.
É o caso do grupo Telefónica, controlado por capital europeu, que apenas cinco anos depois de ter arrematado a Telesp, a empresa pública de telefonia fixa que atendia o estado de São Paulo, já havia remetido aos seus acionistas a metade do valor desembolsado no leilão, que foi de R$ 5,7 bilhões.
No setor bancário, é o caso do Santander, grupo capitalista espanhol, como a Telefónica, e que comprou o Banespa no começo do ano 2000, por R$ 7,05 bilhões, na maior privatização do setor bancário brasileiro, valor menor do que a quantia que o banco extorquiu nos seus correntistas brasileiros só nos primeiros nove meses de 2013, que foi de R$ 7,159 bilhões.
É o caso também do Itaú, detentor de recordes sobre recordes de lucros líquidos bancários, o último deles no primeiro semestre de 2013, quando pagou quase R$ 7 bilhões aos seus acionistas, e que em 1997 comprou o Banerj por míseros R$ 311 milhões e sem assumir as dívidas da instituição arrematada, leiloada com um patético ágio de 0,35% pelo gerenciamento de Marcelo Alencar, que inaugurou a sanha de privatizações de bancos estaduais no Brasil.