Informações da Petrobrás são roubadas em quatro oportunidades, mas governo não suspende contrato com a principal suspeita, a Halliburton, empresa do vice-presidente dos EUA que chegou a indicar diretor da Agência Nacional do Petróleo.
No dia 2 de fevereiro o Brasil acordou assustado. A notícia de que a Petrobrás havia sido roubada foi divulgada pela maioria dos jornais, rádios e televisões do país. A cobertura se estendeu durante aproximadamente dez dias. Num primeiro momento foi aventada a hipótese de espionagem industrial, sendo esta informação baseada nas declarações do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Valdinho Jacinto Caetano. Logo em seguida houve uma virada brusca no noticiário e o furto de informações passou a ser apresentado como roubo comum. Por fim, ventilaram a hipótese de uma manobra da direção da Petrobrás para legitimar a retirada de algumas áreas do próximo leilão. E o assunto foi enterrado pelo monopólio da imprensa.
Entretanto, antes de se chegar a um veredicto sobre a subtração de dois computadores e um disco de informações da Petrobrás, é preciso compreender o que está em jogo. Em primeiro lugar, os laptops roubados continham dados confidenciais da Petrobrás sobre o campo gigante de Júpiter, cujo potencial é de 90 bilhões de barris — número que colocaria o Brasil entre os quatro maiores produtores de petróleo do mundo (os três maiores são Arábia Saudita, Iraque e Irã).
Outra informação fundamental a ser levada em consideração é que as informações roubadas estavam num container em poder da multinacional estadunidense Halliburton, que já foi presidida pelo atual vice-presidente dos EUA, Dick Cheney (hoje seu maior acionista), e recebeu US$ 10 bilhões em contratos a título de "reconstrução" do Iraque desde a invasão, em 2003. Trata-se da maior corporação do mundo no ramo de prestação de serviços para companhias de petróleo e está presente em mais de 100 países.
O terceiro elemento que pode ajudar a esclarecer a natureza do roubo foi lembrado pelo engenheiro aposentado e atual diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, Fernando Siqueira: houve outros três roubos semelhantes em Macaé, região do Rio de Janeiro que atualmente recebe mais investimentos de empresas petrolíferas.
— Há um ano e meio dois engenheiros tiveram a casa arrombada e só levaram os laptops. Um terceiro teve o carro arrombado e só levaram o laptop. Todos trabalhavam com dados relativos ao mega-campo de Tupi.
Espionagem industrial
Siqueira não acredita na versão de roubo comum. Ele acha que seria muita coincidência se todos esses roubos fossem obra de ladrões de galinha, tendo em vista a fortuna que valem as informações subtraídas.
— E no mundo a indústria de petróleo não tem ética, escrúpulo nenhum. Tem assassinato, tem roubo, tem tudo. E nós não seremos exceção — O engenheiro indica ainda outra evidência da cobiça estrangeira sobre nosso petróleo: — A Halliburton tinha a chave do cadeado e no oitavo leilão ela chegou ao ponto de eliminar o intermediário. Simplesmente nomeou um diretor da Agência Nacional de Petróleo [sem que o governo brasileiro impedisse], que veio diretamente da diretoria da Halliburton em Angola, o Nelson Narciso. Uma vez na agência, ele criou uma limitação brutal para a Petrobrás, que só poderia comprar 8,5% das áreas próximas ao pré-sal (águas ultra profundas). Então se comprasse uma não podia comprar mais nenhuma.
Fernando Siqueira também não exclui a possibilidade de uma intervenção militar externa, até porque o fornecimento de energia para os EUA encontra-se cada vez mais ameaçado. O país consome 8 bilhões de barris de petróleo por ano no mercado interno e outros 7 bilhões para manter suas bases militares espalhadas pelo mundo, sendo que possuem uma reserva própria de apenas 29 bilhões de barris.
— Acredita-se que o barril do Oriente Médio custe 300 dólares para eles. 100 do barril e 200 com os custos de manter as bases militares. Então eles estão numa situação desesperadora — e o Brasil vira alvo — diz Siqueira.
Fornecimento ameaçado
As projeções da Agência Internacional de Energia (AIE) agravam ainda mais o cenário. Os estudos mostram que a procura mundial ultrapassou a oferta no 4º trimestre de 2007. Mesmo que o mundo continue a aumentar a produção de petróleo em milhões de barris por ano, isto não será suficiente para atender o crescimento da procura, levando os preços a aumentarem agudamente. A produção à escala mundial parece ter atingido o pico a aproximadamente 85 milhões de barris por dia (mbd), e o experiente perito em petróleo e geólogo T. Boone Pickens declarou recentemente ser este o nível do "pico petrolífero" e previu US$ 80 o barril no fim de 2007. Em abril deste ano o barril chegou a ser negociado a US$ 115.
As projeções da AIE mostram que a procura mundial de petróleo cresceu até um recorde de 87 mdb no 4º trimestre de 2007, ao passo que a produção permanece estagnada em torno de 85 mbd. Esta diferença parece pequena, mas ela significa que os compradores de petróleo devem licitar por uma oferta limitada, e espera-se que todas elas tragam para casa contratos para entregas de óleo.
Os EUA conhecem muito bem o efeito devastador da interrupção de fornecimento de petróleo barato. E nada indica que eles aceitariam uma restrição desta ordem. Na década de 1970, os países árabes impuseram um embargo total sobre os carregamentos de petróleo para os Estados Unidos. Devido ao embargo, o preço do barril de petróleo saudita subiu 700% em 4 anos. John Perkins, no livro Confissões de um Assassino Econômico (Ed. Cultrix), conta: "O embargo do petróleo terminou em 18 de março de 1974. A sua duração foi curta, as suas consequências foram enormes. Desde então, proteger o fornecimento de petróleo americano sempre fora uma prioridade; depois de 1973, passou a ser uma obsessão".
Enquanto aguarda o relatório final do inquérito aberto pela Po lícia Federal para investigar o furto de informações da Petrobrás, a gerência FMI-PT se exime de posição mais firme com relação à continuação dos leilões de petróleo e se mantém omisso diante do contrato de US$ 2 bilhões que a empresa tem com a Halliburton para perfilagem de poços. Esse contrato permite que a empresa estrangeira tenha acesso ao catálogo de rochas e se mantenha muito perto dos engenheiros e geólogos da Petrobrás que fazem a interpretação dos dados recolhidos durante a perfilagem. Sim, exatamente o tipo de informação que vem sendo sistematicamente roubada da Petrobrás.