Entrevista concedida por Fernando Siqueira* a AND revela que os ataques à Petrobrás são desfechados com maior violência atualmente, enquanto que a pirataria se instalou de vez nas reservas estratégicas do Brasil.
Nossa luta agora está se dirigindo para tentar reverter a existência da 6ª Licitação, toda voltada para a exportação, porque a Petrobrás, no ano passado, descobriu, perfurou e desenvolveu áreas que acrescentaram uma reserva de 6,6 bilhões de barris. Ou seja, tínhamos 11,2 bilhões e descobriu-se mais de 50% disso em uma única reserva. E aquelas áreas estavam todas destinadas para licitação pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). É uma licitação cuja oferta de preços sai por um valor muito baixo. Áreas que a Petrobrás mapeou e investiu intensamente em exploração e, de repente, teve que devolver algumas dessas áreas, licitadas para favorecer empresas estrangeiras.
Essas empresas têm direito, pela absurda lei do Petróleo, nº 9.478, artigo 26, que diz ser proprietário aquele que produz. No artigo 60 da mesma lei também lhes é concedido o direito a exportar. Nós não temos petróleo para exportar. Nossas reservas ainda duram 20 a 25 anos, depois voltaremos a ser importadores. Não temos petróleo como a Arábia Saudita, no Oriente Médio. Nossas reservas são limitadas e exportar significa abreviar a dependência de petróleo no futuro.
Essas descobertas da Petrobrás de áreas que seriam licitadas (estamos a 10% de atingir a auto-suficiência) vão superar a auto-suficiência. Teremos petróleo a mais que o exigido pelo consumo interno hoje. Então, não tem sentido, além da produção da Petrobrás, vendermos áreas para empresas estrangeiras, tanto mais que o Brasil estará auto-suficiente. Essas empresas vão exportar nosso Petróleo, advindo dessas áreas, sem qualquer impedimento.
Portanto, para o país, estrategicamente, isso é um desastre. Eu diria que essa 6ª licitação, pelo fato de ser toda dirigida para a exportação, é um crime de lesa-pátria, porque o petróleo é um bem altamente estratégico, com tendência a ter seu preço elevado no mercado internacional. Daqui há uns 10 anos vamos ter a curva de produção passando por um pico, e aí começa a declinar, sendo que a luta pelo petróleo internacionalmente vai endurecer.
Todos os grandes conflitos, após a Segunda Guerra Mundial, tiveram como causa o monopólio do petróleo: tivemos a guerra do Vietnã, que era para dominar o Mar da China e consequentemente o Mar Cáspio; a guerra Irã-Iraque, porque o USA incentivou o Iraque a enfraquecer o Irã; a Guerra do Golfo, onde o USA incentivou o Iraque a invadir o Kuwait e depois foi lá e destruiu o Iraque; teve agora a do Afeganistão, porque o governo não queria deixar que o USA passasse oleodutos pelo país fazendo ligação com o Mar Cáspio; e também a Guerra do Iraque, cuja razão efetiva do USA era destruir um governo para tomar o controle do petróleo no Oriente Médio. Uma das razões para essa invasão do Iraque ser tão rápida é que a Arábia Saudita estava numa situação de confronto com o USA, inconformada com a influência dos americanos no seu país.
Sendo o maior dependente do petróleo árabe, o USA não tem reserva nem para cinco anos, e é o maior consumidor de petróleo do mundo. O USA consome 33% do petróleo produzido no mundo, tendo apenas 4% da população mundial. Quer dizer, ele é altamente dependente e sem petróleo o país pára. O USA está por trás de todas essas guerras que acontecem no mundo.
De forma que, se o Brasil tem reserva para 20, 25 anos, abrir mão dele agora através dessa exportação não vai gerar lucro nenhum para a nação. Vão entregar um bem de alto poder estratégico e o país vai receber apenas 25% referentes a impostos; o resto vai embora.
Eles pegam o petróleo e entregam por um preço ridículo, altamente desvalorizado, e a empresa transnacional se assenhora da área que a Petrobrás descobriu. Pela lei do petróleo, ela se torna proprietária desse petróleo, exporta e deixa 25% aqui de imposto. Então estamos voltando à Idade da Pedra no setor petrolífero. Além do que, exportar esse petróleo significa deixar nossa geração futura, num momento em que o preço estará aumentando no mercado internacional e a disputa vai ser cada vez maior.
Estrategicamente é um erro brutal do governo continuar com a 6ª licitação. Nós nos surpreendemos porque quando a ministra Dilma Rousseff, do Ministério das Minas e Energia, durante a fase de transição do governo, nos convidou (como também a Federação dos Petroleiros) para ir a Brasília. Nós levamos oito pontos, que dizem respeito às mais urgentes medidas na área do petróleo.
O ponto nº 1 dizia que não houvesse mais licitação de petróleo. Explicadas as razões, a ministra respondeu que poderíamos contar com ela, que até iria suspender a 5ª licitação, já em curso, que se encontrava no final de sua efetivação. Respondemos que não valia a pena gastar energia com a 5ª, porque já se encontrava numa fase irreversível, mas que se adotasse providências para que não houvesse a 6ª e a 7ª.
Agora ela defende a 6ª licitação, e com argumentos absolutamente falsos, alegando a necessidade de manter a relação reserva-produção em 18 anos. Significa que o Brasil teria que incorporar novas reservas de tal maneira que tivéssemos essa mesma produção de hoje durante 18 anos (isso é chamado RP: reserva-produção em anos). Mas de que adianta essa relação de 18 anos se as reservas forem americanas e a produção também? Estaríamos batendo palmas para os caras levarem nosso petróleo com RP-18, uma idiotice completa, que nos dá a impressão de que ela, como é oriunda do setor elétrico, está mais preocupada em tratar do setor elétrico e deixar o petróleo em troca.
Ambos são extremamente importantes para o Brasil. Só que o setor elétrico é menos crucial, porque não se exporta energia elétrica, não se tem um navio abarrotado de energia elétrica, exportando-a. Mas petróleo você exporta.
Para se ter um raciocínio simplista, matematicamente falando, hoje nós consumimos 2 milhões de barris por dia. São 730 milhões por ano. Se exportarmos, como é meta da ministra junto com a Petrobrás, 1 milhão de barris por dia até 2007, teremos mais 365 milhões por ano, ou seja, 1 bilhão e 100 milhões de barris por ano. Nossa reserva está em torno de 18 bilhões de barris e não tem grandes horizontes para crescer mais que isso. Estaríamos, em 10 anos, consumindo 11 desses 18 bilhões. Quer dizer, nos próximos 10 anos estaremos consumindo 70% do nosso petróleo, exaurindo nossas reservas, apressando ainda mais a nossa dependência energética no setor.
Então, é uma falta de visão estratégica da ministra e de seu secretário, o que nos dá uma idéia que é muita para ser apenas burrice. É bem estranha essa mudança de posição da ministra, já que todos sabem que o petróleo é hoje a fonte principal de desestabilização dos países.
Se o Brasil quer se manter como nação soberana, não pode se dar ao luxo de exportar um bem de tamanha importância como é o petróleo. Inclusive, temos feito campanhas junto à presidência da Petrobrás e à própria ministra, no sentido de que o Brasil invista em energia alternativa. O Brasil é dono do maior potencial do mundo, considerando a energia solar, eólica e biomassa. É o que está mais dotado, equipado, no mundo para usar esses recursos, mas não investe nada. Como nos dar ao luxo de desperdiçar uma energia como o petróleo sem investir no seu substituto?
O próprio secretário de Minas e Energia, Maurício Tolmasquim, que defende a 6ª licitação, já levantou que temos um potencial de 142 gigawatts de energia eólica economicamente explorável, ou seja, são dez usinas de Itaipu, só de energia dos ventos, e nela não estamos investindo praticamente nada.
Temos também uma potencial produção de biodiesel, através de mamona e girassol no nosso imenso território, podendo gerar uma imensa quantidade de empregos. A Petrobrás desenvolveu a tecnologia de biodiesel da mamona para plantar no semi-árido nordestino. Ou seja, criaria empregos no Nordeste para atender desde o plantador, o colhedor indo até os engenheiros, e beneficiando o solo, porque a mamona é um regulador do solo. São recursos enormes a serem explorados, mas a maturação de um projeto desse tipo de energia leva uns 20 anos. Então, como abrir mão do petróleo antes de 20 anos sem ter começado até agora a desenvolver a energia que vai substituí-lo?
Chegou-se ao cúmulo da visão estratégica inoperante (ou outra coisa), por parte do secretário de Energia. Temos uma patente de biodiesel através da mamona, e os países asiáticos e europeus estão apavorados ante a possibilidade de se tornarem reféns comercialmente do USA, que domina o petróleo mundial. Eles querem desesperadamente energia alternativa. Nos oferecem recursos e tecnologia, o que nós quisermos, desde que haja garantia de fornecimento dos nossos excedentes. Aí, o que faz nosso secretário? Vai ao principal inimigo do mundo, o USA, e faz uma “parceria” para desenvolver o biodiesel através da mamona. Só que os americanos impõem que o biodiesel seja feito através de soja — aquela mesma: a transgênica. Aí começam a colocar soja transgênica no Brasil inteiro que, além do desastre ecológico representado pela monocultura, provoca o desastre pior, que é o do organismo geneticamente modificado, contaminando todas as plantações em volta.
Nos assusta a falta de visão estratégica do Ministério de Minas e Energia hoje. Quer dizer, um governo do PT — estamos tendo uma dificuldade enorme para abrir os olhos desse pessoal — indo para o lado absolutamente errado. Temos brigado, enviado cartas reclamando da euforia do secretário (que diz que a 6ª licitação é uma maravilha porque a Petrobrás devolveu várias áreas promissoras e termina dizendo que “vem o filé mignon por aí”). Ele vai vender nossa reserva de petróleo para empresa estrangeira com a maior alegria.
Como pode um cara responsável por um ministério de tamanha importância estratégica falar uma bobagem dessa? Nos preocupa demais que esteja faltando assessoria e conhecimento técnico num ministério de tamanha importância. O pessoal lá entende um pouco de eletricidade, mas zero de petróleo. Isso, para favorecer com o benefício da dúvida, para não dizer que fazem coisa pior. Porque é estranho que a ministra tenha determinada consciência, e, simultaneamente, seja convencida do contrário.
Essa,agora, é a nossa grande batalha: evitar a dilapidação do patrimônio energético brasileiro através da entrega do nosso petróleo, que vinha sendo da União, para as empresas estrangeiras.
O nosso empenho de hoje é tentar acabar com a 6ª licitação para o bem do Brasil, para o bem da soberania nacional e das gerações futuras, as que já estão chegando.
A grande armadilha em que Lula caiu foi a questão da reeleição. Teve um presidente americano que disse que a pior coisa que pode acontecer a um presidente é assumir pensando em ser reeleito. No dia seguinte, os assessores começam a pedir dele ações que contrariam seus princípios. E Lula está fazendo isso, pensando na governabilidade, que significa não contrariar o sistema financeiro, não controlar a imprensa para ser reeleito. Só que ele, em nome dessa governabilidade, está cedendo a tudo que o sistema financeiro pede em detrimento do povo que o elegeu. É preciso alertá-lo que o FMI não vota. Quem vota é o povo, e aí ele vai perdendo popularidade.
Existem duas contradições, se Lula não der certo a direita assume. Aí, pergunto: que direita? Se Lula já está aliado ao PMDB, ao PFL de Antônio Carlos Magalhães, ao PP do Maluf, ao PTB do Roberto Jefferson e está acenando para o Fernando Henrique… O outro ponto que eu mostrei é que lá na Argentina Fernando de la Rúa começou a fazer um governo como o de Lula. Foi deposto. Então, não tem grande perigo se Lula continuar e a gente aqui fizer como os argentinos. Vivemos uma situação muito semelhante a da Argentina, com o Fernando de la Rúa.
*O doutor Fernando Siqueira é engenheiro aposentado da Petrobrás, ex-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), na última legislação, agora é membro da direção de comunicação da própria Aepet.