Fascismo do governo Morales contra professores refugiados peruanos
Em 1º de agosto de 2011, o governo de Evo Morales na Bolívia, que se autoproclama como o “governo dos movimentos sociais”, começou a escrever uma das páginas mais vergonhosas ao mostrar seu verdadeiro rosto reacionário e repressor.
Demonstrando que vive um transe de delirium tremens pela embriaguez do poder, arremeteu de forma abusiva e prepotente contra gente humilde e completamente vulnerável no território boliviano, repetindo com certa excitação a velha historieta repressiva e fascista do inimigo comunista dentro do país.
Show macartista1
O que ocorreu em 1º de agosto? Sacha Llorenti, o atual ministro de Governo da Bolívia, encenou histrionicamente um ritual que, por ser repetido à exaustão, vai se tornando costume: “mostrar um papelucho na televisão” para simbolizar que só fala de coisas das quais parece estar muito bem informado e que, além disso, conta com as provas (o papelucho). Ninguém pode dizer o que esses papéis contém, posto que jamais são enfocados em detalhe. Talvez seja apenas o livreto elaborado previamente pelo assessor do governo Evo Morales (antes era assessor público, agora o é nas trevas) e ex-membro do extinto Movimiento Revolucionario Túpac Amaru (MRTA), do Peru, Walter Chávez2.
Por que Walter Chávez? Quem mais dentro do governo de Morales, senão Chávez, está tão familiarizado com essas montagens policiais, uma ruidosa parafernália para apresentar mais de 30 policiais ataviados com uniformes de desenho futurista (estilo star wars) e armados até os dentes como se fossem a uma batalha intergalática para mostrar como terroristas perigosos a quatro humildes pessoas: José Cantoral, os irmãos Minaya e Blanca Riveros; um refugiado e os outros três solicitantes de refúgio, todos peruanos, nos quais as buscas abusivas e ilegais não encontraram nem uma caixa de fósforos?
Golpear o elo mais débil
As pessoas que foram objeto dessa intervenção são: um ativista de direitos humanos, sociólogo e com atividades lícitas conhecidas por numerosas pessoas da sociedade boliviana na cidade de La Paz, radicado ali há cerca de duas décadas, e outras três pessoas que padeciam da falta de emprego na Bolívia, duas das quais o sociólogo contratou para que dessem aula de nivelamento em matemática, física e química aos alunos da Universidade Pública de El Alto, dado que tinham formação na área de engenharia.
Essas pessoas, tachadas como “perigosos terroristas”, são parte de um dos coletivos mais vulneráveis e discriminados dentro da Bolívia. Sabe-se que os abusos e atropelos à população peruana são moeda corrente, mais uma prova daquilo que se repete milhares de vezes: “pensar é altamente perigoso”.
Os fatos são conhecidos pelos que seguiram o caso. As únicas provas são o “operativo de inteligência”, panfletos que algumas versões “jornalísticas” dizem que foram encontrados dentro do Instituto Isaac Newton, enquanto outros dizem que foram encontrados em poder dos detidos enquanto eram distribuídos.
Ante um clima social e político permanentemente tenso como o boliviano, em grande medida devido ao permanente tom de confronto assumido pelo governo contra todo tipo de expressão opositora, era preciso castigar alguém! E que tal castigar um dos “elos mais débeis” da esquerda na Bolívia, um pequeno centro de aulas de nivelamento onde trabalham cidadãos peruanos com o status de refugiados, com ideias de esquerda não afins ao MAS e com um passado altamente estigmatizado pelos diversos gerenciamentos de turno da Bolívia, os meios de comunicação e até por alguns membros de ONGs, sejam de “desenvolvimento” ou de “direitos humanos”, que sorrateiramente faziam discretas campanhas para desprestigiar essas pessoas? Esse castigo serve ainda de balão de ensaio para que o governo entenda, na construção de cenários, como outros coletivos críticos muito mais numerosos e menos vulneráveis poderiam reagir.
Por isso o governo tinha que golpear alguém de esquerda, segundo o “Plano Orinoca”, cuja existência foi denunciada por Felipe Quispe “El Mallku”3.
Delatores e artífices del macartismo
“O cachorro nunca morde a mão de quem lhe dá de comer”, reza um ditado popular que se tornou a pauta que ordena a vida de alguns mercenários da política na Bolívia, que não contentes em arrojar na detenção, tortura e abuso de todas as garantias jurídicas dos cidadãos peruanos mencionados, bufavam clamando por mais cabeças de comunistas4, triste papel macartista que cabe agora a uma organização política autoproclamada maoísta, que na realidade nunca foi mais que um clã familiar.
No panfleto dessa gentalha, percebe-se que clamam de forma evidente por pessoas que são refugiadas peruanas na Bolívia, tachados de covardes “fugidos”, como se o exílio fosse uma opção e não uma imposição das circunstâncias. Além disso, a senilidade ideológica desses mercenários da política os faz esquecer que viveram como reis num exílio dourado em Upssala, na Suécia, onde ainda deixaram confortavelmente sua prole.
Esses indivíduos jamais se queixarão de emprego, quando por um prato de lentilhas o Comitê Central do que chamam de “partido” deu permissão aos seus mais conspícuos membros para que se posicionem nos mais altos cargos dentro do governo por sua afinidade clientelista com o partido de Evo Morales. Em alguns casos, também aceitaram empregos de médio escalão para membros do Comitê Central, e apesar disso têm o cinismo de impingir ridiculamente aos refugiados supostos vínculos com ministérios do atual governo5.
Chamam os peruanos de “grupículo de delinquentes”, quando altos membros de seu Comitê Central, em diversos momentos de sua história, foram envolvidos direta ou indiretamente em histórias lúmpens de venda de maconha ou entrada ilegal de álcool nas prisões6. Resulta patético que lúmpens desse calibre, de provada quilometragem oportunista, aspirem ter um comportamento próximo ao de Madre Teresa de Calcutá.
Finalmente, dessa tribuna democrática, advirto aos lutadores do povo, gente de esquerda, ativistas ecologistas, lutadores indígenas da Bolívia, que se preparem frente às arremetidas desse governo, pois é evidente que tentarão fazer rolar mais cabeças. Trata-se de gente que alardeia o “jacobinismo”, mas que na realidade não passam de vulgares repressores semelhantes aos dos governos de Barrientos Ortuño nos anos de 1960, Banzer nos de 1970 e García Meza nos de 1980. Compram e tecem redes clientelistas para dar marcha a um macartismo que agora já é evidente.
De fato, devo denunciar que há alguns meses apareceram na cidade do Rio de Janeiro umas pessoas que se apresentaram como membros do movimento bolivariano, procurando-me supostamente para colher minhas impressões críticas do “processo de mudança”, pedido que jamais levei a sério e que me permitiu recordar da vinculação que Jorge Echazu Alvarado fez de mim com os companheiros do Centro de Estudos Populares da Bolívia (CEP), coisa que em seu momento foi desmentida pelo CEP. Reafirmo aqui e agora: Não tenho nenhuma relação com o CEP, e o fato de que possam existir coincidências ideológicas com os companheiros não implica uma vinculação orgânica. Isso só está presente nas maquinações de vulgares repressores, pois cremos que a organização do clã Echazu deixou de ser uma quadrilha de simples delatores para ser um grupo de capangas e repressores, cães de guarda do governo de Evo Morales.
Notas:
1– Macartismo é uma prática política mediante a qual se acusa de maneira oportunista de comunismo, terrorismo ou subversão sem que existam provas a respeito. Tem sua origem na década de 1950 no USA, quando o senador Joseph McCarthy foi artífice de uma série de denúncias, processo irregulares e listas negras contra pessoas supostamente comunistas.
2 – A vigência dos vínculos de Walter Chávez com o governo de Morales foi captada em vários momentos. Ver http://eju.tv/2009/07/reaparece-walter-chavez-el-polemico-asesor-de-evo-morales e http://eju.tv/2010/02/qu-hacan-juntos-walter-chvez-y-juan-ramn-quintana-en-riberalta
3 – Ver www.erbol.com.bo/noticia.php?identificador=2147483947844
4 – Ver http://maoistasbolivianos.blogspot.com/2011/07/los-evangelistas.html, foi publicado nos primeiros dias de agosto deste ano, mas de forma oportunista tem confusamente como datas maio e julho.
5 – Luis Alberto Echazú: Ministro de Mineração desde 2007 até 2010 e atualmente Gerente Geral da Gerência Nacional de Recursos Evaporíticos, encarregada do negócio do lítio na Bolívia (www.evaporiticosbolivia.org). Guillermo Dalence: Ministro desde outubro de 2006 até 2007. Jorge Echazú Alvarado: representante do governo boliviano no diretório da Cia Elétrica Sucre SA (www.cessasucre.com). Rolando Echazú: mansageiro do Ministério do Trabalho, Emprego e Previdência Social (www.mintrabajo.gob.bo/PersonalDependiente.asp)
6 – Ver http://juris.poderjudicial.gob.bo/jurisprudencia/penal/penal-I/gj19990111043.htm e www.caracol.com.co/nota.aspx?id=401502