Enquanto o monopólio dos meios de comunicação se esmera para empurrar goela do povo abaixo a ideia de que os verdadeiros escândalos do Brasil são um e outro político de Brasília eventualmente flagrados na corrupção, não repercutiram da mesma forma as denúncias contra a Polícia Militar do DF, que partiram de crianças e adolescentes que vivem nas ruas das cercanias do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, local por excelência de elaboração e gestão das políticas de achacamento e violência contra as classes populares.
As denúncias feitas por crianças e adolescentes sem-teto da área central de Brasília ganharam corpo justamente por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Congresso Nacional, o que é uma contradição apenas aparente, porque o cacarejo permanente da defesa dos pobres e das crianças “carentes” é o estratagema predileto dos políticos para fazer fumaça à real função dos seus mandatos eleitoreiros, que é a de servir com fidelidade canina justamente a quem mais oprime as massas.
Um exemplo da natureza inconsequente de CPIs como esta é que elas estão fadadas a reforçar a ideia da “banda podre” da polícia, em vez de expor as características inatas de uma instituição (a Polícia Militar) criada, mantida e reforçada pelo Estado eminentemente para oprimir a população.
Agora mesmo, comentando as denúncias das crianças e adolescentes “de rua” de Brasília contra a PM, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, disse que “as polícias têm capacidade de extirpar os maus profissionais, valorizando, assim, os que agem corretamente”. Pois sim…
Não obstante, as denúncias existem, foram documentadas e são exemplos de que a violência da polícia contra o povo pobre é a regra, e não uma exceção que pode ser corrigida por meio de CPI.
Obrigados a se jogar de ponte
Em um vídeo produzido pela vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a deputada Érika Kokay, crianças e adolescentes aparecem acusando policiais de impor-lhes humilhações, submetê-los a espancamentos e roubar-lhes pequenas quantias de dinheiro. Há ainda relatos de abusos sexuais.
Segundo os jovens, policiais militares chegaram a forçar alguns deles a se atirarem de uma ponte – a Ponte do Bragueto, localizada em uma área nobre da capital do Brasil – de cerca de 4 metros de altura sobre o Lago Paranoá. Eles foram obrigados a pular, muitas vezes, com pés ou mãos atados.
Uma jovem de 16 anos contou à Agência Brasil como foi sequestrada por PMs a apenas dois quilômetros do Congresso Nacional:
“Os policiais revistaram os meninos e não encontraram nada. Então, eles disseram que iam me levar para uma policial feminina me revistar. Eu pedi para os meninos não deixarem eles me levarem, mas eles não podiam fazer nada.”
E depois estuprada em um matagal:
“Eles também tiraram a roupa e abusaram de mim. Depois me levaram de volta para o Setor Comercial Sul. Os meninos ainda estavam lá perto, me esperando, porque sabiam o que ia acontecer. E eu só chorava. Eles já tinham me segurado antes, mas não tinham abusado de mim. Só tomaram meu dinheiro. Só que desta [última] vez eu não tinha dinheiro e aí eles abusaram de mim.”
Um estudo recente financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP) do próprio governo do Distrito Federal também registrou denúncias de violência policial contra moradores de rua em Brasília. Entre 127 crianças e adolescentes ouvidos pelos pesquisadores, 47% contaram ter sofrido algum tipo de violência.
Uma prova irrefutável da absoluta incapacidade do “poder público” de ir contra sua própria natureza antipovo é o fato de que denúncias do mesmo tipo foram alvo de “investigação” por parte do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) há quatro anos, em 2008, sem qualquer resultado efetivo.