Um dos pilares em que descansa o poder das classes opressoras é a imprensa. O exército é o braço armado que protege o Estado (guarda pretoriana), e para este fim utiliza a violência armada contra os inimigos deste Estado. Os meios de comunicação são os braços manipuladores de consciências, e usam para isto a mentira, a montagem e a distorção da realidade. A imprensa e o jornalismo, usados como parte do poder, são conduzidos à prostituição intelectual. Esta relação entre poder e meios de comunicação tem crescido com o avanço e o desenvolvimento da tecnologia. Até antes da revolução industrial na Inglaterra (final do século XVIII) a imprensa não era mais que um fator (veículo) de cultura eclesiástica e seu alcance estava reduzido a uma elite de grandes proprietários de terras, padres e burocratas. Isso já não acontece, com o avanço e desenvolvimento da tecnologia capitalista. Com a revolução industrial e o surgimento da burguesia como classe hegemônica, o controle da imprensa e do jornalismo constitui instrumento estratégico de caráter ideológico e de propaganda para controlar o poder político do Estado e da sociedade.
Na época em que vivemos, da mais impressionante revolução tecnológica nos meios de comunicação, a imprensa tem agigantado sua dimensão de instrumento de poder. A imprensa, escrita, falada ou televisionada, é, antes de qualquer coisa, uma grande empresa política controlada pelo Estado. Seu rol político, em alguns casos, é mais importante que os próprios partidos burgueses. Assim, a televisão, os periódicos, a rádio, internet, etc., constituem um instrumento de primeira ordem para sustentar o sistema de opressão. Nenhum grupo de poder, nos países ricos ou pobres, pode prescindir do concurso favorável do jornalismo e dos meios de comunicação. No USA ou em qualquer outro país rico, os grandes consórcios da imprensa estão vinculados aos grupos econômicos e aos partidos do poder. É fácil distinguir a relação direta entre os grupos de poder e o controle das grandes empresas de comunicação. Um caso chamativo é a Itália, onde um magnata da imprensa (o fascista Berlusconi), chegou ao poder sustentado por seu gigantesco aparato publicitário. O mesmo fenômeno (poder político e imprensa) se dá, ainda que caricaturescamente nos países pobres, onde qualquer sátrapa ou personagem de última categoria se converte em “presidente” graças à imagem construída pelos meios de comunicação. Está claro que as classes políticas dirigentes, desde o Estado até outra instância oficial, utilizam seu poder econômico corruptor para mercenarizar a imprensa e o jornalismo. Através dos milionários contratos de publicidade, diminuição de impostos, subvenção do papel, ou de aportes diretos de grandes somas de dinheiro, os jornais, revistas, ou canais de televisão caem no poder do Estado e daqueles que o dirigem. Em alguns países, o Estado sustenta secretamente uma milionária planilha de jornalistas colocados em todos os ramos de comunicação. Este fato, como se verá mais adiante, é ilustrado muito bem pela história recente do Peru.
As classes políticas dirigentes utilizam seu poder econômico
corruptor para mercenarizar a imprensa e o jornalismo
A imprensa, como suporte ideológico e de propaganda do Estado, absorve e exterioriza o comportamento político dos governantes de turno. Desta maneira, além da corrupção nas altas esferas do Estado, maior será a decadência e pobreza intelectual nos meios de comunicação. Um caso destacado sobre este fenômeno é o do Peru, em cujo seio o jornalismo apresenta um quadro desolador e lamentável. A imprensa peruana, pouco fecunda no terreno cultural e fundida em uma mediocridade espantosa, caiu a níveis desastrosos e se tornou numa caricatura ridícula de jornalismo. Durante o fujimorismo (1990-2000), poucos foram os meios que escaparam aos tentáculos do poder central. Assim, por exemplo, Vladimiro Monteinos, a quem se deve reconhecer o mérito de haver documentado (filmado e gravado) a mercenarização da imprensa peruana, converteu quase todos os meios de comunicação em vozes a serviço do Serviço de Inteligência Nacional (SIN). Os editoriais, as primeiras páginas, o planejamento jornalístico e até os esquemas para as entrevistas televisivas são elaborados nos laboratórios do SIN. Para mencionar um caso, o diário Expresso, um dos mais importantes jornais do país e voz da burguesia liberal, recebeu clandestinamente milhões de dólares do Serviço de Inteligência. A polícia secreta do Estado (SIN), controlava diretamente uma dezena de meios de comunicação, principalmente aqueles chamados diários “chicha” (El Chino, El Mañanero, La Chuchi, El Tio, El Chato e outros). No terreno da televisão, Montesinos controlava proprietários, jornalistas e até comediantes e atores.
Montesinos, em 1998, fala da relação entre a publicidade paga pelo Estado e o controle dos canais de televisão. “Há um ovo de prata (dinheiro) na publicidade (…) nós temos que fazer convênios com o 2, com o 4 e com o 5, amarrá-los desde agora (…) e a única forma de amarrá-los é com a publicidade.” (Montesinos, 14 de agosto de 1998). Com efeito, Montesinos, desde o SIN, conseguiu, mediante milhões de dólares provenientes do narcotráfico e da corrupção, controlar (amarrar) todos os canais privados da televisão peruana. O mesmo Genaro Delgado Parker, conhecido como um dos padrinhos da televisão peruana e premiado algumas vezes prohombre (prócer) da liberdade de expressão no país, foi um assíduo visitante das instalações do Serviço de Inteligência Nacional. Delgado Parker, proprietário do canal 5 e do canal 13 aparece em dois “vladvídeos” (gravados em 1999), e publicados depois da queda do governo anterior (Fujimori). Nos vídeos vê-se o empresário de televisão e Montesinos planejando os programas e fazendo cálculos “estratégicos” para conseguir a reeleição de Fujimori. Montesinos se jactou também da forma como alinhou a imprensa peruana. Inclusive, como ele mesmo disse, lhes obrigou a assinar um documento (de compromisso), e todo dia, às 12 horas, se reunia com os diretores de jornais e canais de televisão para ver a edição correspondente. “(…) e 12:30 planejamos o que sairá no noticiário da noite.” (Montesinos, 26 de novembro de 1999).
O poder político e controle da imprensa, que no Peru funcionou como uma entidade diabólica, serviu, entre outras coisas, para legalizar as fraudes eleitorais e, sobretudo, para encobrir os crimes das forças armadas e militares. Desde 1980, a propaganda oficial (espalhada pela imprensa) encobriu a ação criminosa dos militares e, em alguns casos (as matanças nos presídios em 1986 e 1992) preparou o terreno psicológico para que o exército assassinasse centenas de acusados de pertencer à guerrilha maoísta. A história lembra que abomináveis genocídios cometidos pelos militares nas zonas rurais foram apresentados como “alguns excessos”, ou “mortes por mãos de desconhecidos”. A memória dos peruanos não esquecerá com facilidade o papel da imprensa na militarização das universidades e dos povoados pobres. A imprensa aplaudiu a entrada das tropas de elite nas salas universitárias para caçar “senderistas” e felicitou o exército quando este tomou de assalto os bairros e vilas pobres, considerados “zonas vermelhas” sob o “controle do Sendero”. Esta mesma imprensa lançou vivas de vitória quando o governo impulsionou a formação das criminosas rondas camponesas e grupos de defesa civil (400 mil membros) para lutar contra o “terrorismo”. As rondas, junto com o exército, têm sido causadoras de milhares de assassinatos no campo. Esta imprensa, que agora se vende a soldo de Toledo, foi a que popularizou a palavra “terrorista”, que o governo e as forças armadas utilizaram para sequestrar, torturar e desaparecer com milhares de cidadãos acusados de subversivos. Sob o pretexto de lutar contra o terrorismo, violaram as leis e se fez “tabula rasa” da Constituição do Estado. Sob o conceito anti-subversivo de luta antiterrorista, o país foi submetido a uma ditadura mafiosa e criminosa. E é esta mesma imprensa que agora, de forma renovada, apóia a campanha para “senderizar” a sociedade peruana, com o propósito de preparar uma brutal repressão contra a população pobre do Peru.
Essa imprensa, que se alugou ao regime anterior, não tem mudado de conduta. Agora faz o mesmo com o governo atual. E uma de suas funções é jogar uma cortina de fumaça para encobrir a gestão corrupta da atual administração do Estado. Em todo caso, dólares são dólares, não importa de onde venham. Por exemplo, Delgado Parker, da mesma forma que serviu ao governo anterior, agora o faz com Ale jandro Toledo. Esta relação mafiosa tem servido, no imediato, para salvar-se de uma sansão penal e ir para a prisão. Com efeito, na queda da ditadura fujimorista, Parker foi acusado de tráfico de influência junto com Montesinos. Parker se serviu do poder mafioso do ex-assessor para fazer-se proprietário “legal” do canal 5. Em troca do favor, este ofereceu a Montesinos despedir da Global Televisão (canal 13) o jornalista César Hildebrant, assim, como apoiar a campanha eleitoral do então presidente Fujimori. Mas, curiosamente, os juízes anticorrupção (instituídos por Toledo) determinaram que o delito do empresário de televisão está prescrito e que a avançada idade do acusado (65 anos) era um elemento para deixar sem castigo o sócio de Montesinos.
O breve quadro que resenhamos para mostrar a relação entre a imprensa corrupta e sua ligação com o poder do Estado é, sem nenhuma pretensão, um traço rápido do que é atualmente a imprensa em geral nos paises capitalistas. Com diferentes características, próprias de cada realidade, os meios de comunicação são mafiosos e sua própria prática nega a suposta liberdade de expressão de que tanto se fala nos países ocidentais.