Poesia popular impressa em folhetos, vendidos pendurados em barbantes, cordas. A literatura de cordel ensinou o nordeste a ler. Escrita rimada, é declamada em praças por seus autores, a maioria poetas populares, em alguns casos semianalfabetos. Os cordéis são muitas vezes transmitidos em forma de cantigas, que nada mais são do que histórias e causos do povo para o povo.
– A literatura de cordel é uma manifestação tão antiga quanto as primeiras linhas traçadas pelo homem. Teve forte participação no período medieval, entre os trovadores, mas, o nome é bem brasileiro. Por exemplo, em Portugal era ‘folhas soltas’. Isso porque fiscais, semelhantes aos ‘rapas’ daqui, não queriam deixar os poetas vender suas obras, mas alguém falou: ‘deixa venderem essas folhas soltas’. Daí surgiu o nome dessa arte popular em todo o mundo – conta o cordelista cearense Gonçalo Ferreira da Silva.
– Essa literatura chegou no Brasil no século XVII, ‘engatinhando’ e sem nome. Ganhou o verbete cordel justamente pelo fato dos poetas venderem os folhetos pendurados em cordas ou cordéis. E se os poetas europeus não tinham dinheiro para editar suas produções, o que dizer dos brasileiros?! O José Camelo, por exemplo, autor do ‘Pavão Misterioso’, produziu um monte deles manuscritos – acrescenta.
Logo começaram a surgir os poetas no meio do povo, e o cordel foi ganhando um jeito brasileiro, e seu valor social.
– O povo nordestino foi alfabetizado através dos folhetos de cordel. Ele foi considerado como o veículo de maior importância entre os camponeses. Basta dizer que uma notícia só tinha credibilidade se fosse veiculada em cordel. Quando essa mesma notícia aparecia em jornal, normalmente os camponeses diziam: ‘rapaz isso é conversa de jornal. Eu só acredito se aparecer em folheto de cordel’ (risos) – comenta.
– Os cordéis eram lidos, por exemplo, por um vaqueiro que sabia ler, para outros cinquenta vaqueiros analfabetos de uma fazenda. Naquele tempo, a literatura era a portuguesa, e ele foi um dos segmentos que ajudou a transformá-la em brasileira – continua seu Gonçalo.
Segundo seu Gonçalo, os primeiros cordelistas que surgiram do meio do povo eram semianalfabetos.
– Os poetas de cordel eram artistas anônimos em um país repleto de semianalfabetos ou analfabetos. Portanto, quando realmente do povo, eram semianalfabeto. Muitos cordelistas surgiram sem que se soubessem como e nem porque – afirma.
Poesia encarnada
– Somos homens comuns, camponeses, trabalhadores. Eu mesmo sou um exemplo disso. Na minha família não há poeta. A poesia, os repentes, a cantoria, e tudo mais, surgiram na minha vida de forma espontânea. Os assuntos também vão surgindo naturalmente. No cordel existe a crítica política e social, o humor, que é tratado aqui e ali mexendo com as tendências populares, as crendices e vários outros segmentos que são nada mais do que poesias feitas no meio do povo para ele mesmo – fala.
Seu Gonçalo mudou-se do Ceará para o Rio de Janeiro, onde reside, aos 14 anos de idade, oriundo de uma família nordestina pobre.
– Como era menor de idade e tinha problemas físicos, tive que ir trabalhar em casa de família para sobreviver. Mas já era um pequeno poeta, tanto que cantava na minha terra com poetas adultos, e isso fluiu em mim. Comecei a escrever artigos para revistas em 1962. Um ano depois , lancei meu primeiro livro, ‘Um resto de razão’, uma coletânea de contos regionais do nordeste – relata.
– Mas só iniciei minhas atividades de cordelista em 1978. De lá para cá produzi mais de duzentos folhetos de cordel, manifestados em temáticas diversas, principalmente ciência e filosofia – acrescenta.
Seu Gonçalo fez também uma série extensa sobre o cangaço, e outras de humor, lendas brasileiras e crendices populares.
– Tenho também uma de documentos de autores brasileiros, como: Câmara Cascudo, Tobias Barreto, e outros grandes nomes da literatura e das artes brasileiras. E uma série de romances, fora uns folhetos circunstanciais, que são aqueles que surgem por ocasião de um acontecimento de grande apelo popular – explica.
– Dentro das temática que desenvolvo, a minha preferência recai sobre a ciência, e hoje em dia é um tema muito vendido, embora a crendice popular, os causos, sejam bastante queridas, principalmente no meio rural. Mas, no meu caso, é pessoal mesmo, porque se não fosse cordelista, seria um cientista (risos) – brinca o bem humorado seu Gonçalo.
E o cordel conquistou seu espaço e chegou na academia. Fundada há 22 anos, a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, no Rio de Janeiro, tem a finalidade de produzir e difundir a poesia de cordel no Brasil e no mundo.
– Reformamos os pontos que haviam enfraquecido e cuidamos da internacionalização do cordel brasileiro. No exterior contamos com o apoio de bibliotecas universitárias, principalmente na França, e aqui no Brasil temos um intercâmbio muito sadio com centros culturais – expõe seu Gonçalo, que é fundador e presidente da casa.
– Temos um vigoroso programa editorial, editamos antologias, muitos cordéis, promovemos encontro com poetas populares e rodas de cantoria, e muitos outros eventos. Por ocasião das comemorações dos vinte anos da casa, editamos uma grande obra chamada ‘Cem cordéis Históricos’, uma antologia poetas falecidos, de 1890 até 1950. Todos os títulos estão totalmente ausentes do mercado consumidor – acrescenta.
A academia foi fundada dentro dos moldes das academias de letras, com quarenta acadêmicos, quarenta patronos e um quadro auxiliar de beneméritos. Possui uma vasta coleção de cordéis e pesquisas, a serem observados pelo público.
O telefone da Academia Brasileira de Literatura de Cordel é: (21) 2232-4801.