Depois de quase uma década do início do famigerado projeto das “Unidades de Polícia Pacificadora” (UPPs), na cidade do Rio de Janeiro, cresce cada dia mais a revolta das populações das favelas ocupadas. O discurso fascista de “pacificação” já há muito não é capaz de acobertar a rotina de torturas, assassinatos e terror policial. Segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), divulgados no final de abril, somente nas favelas militarizadas, no mês de março, foram registradas 112 “situações” em que tiros de fuzil foram disparados, seja pela polícia ou pelo tráfico varejista. Somente a PM disparou 3.693 tiros — uma média de um tiro a cada 12 minutos.

O mototaxista Agnaldo José do Nascimento foi mais uma vítima da política assassina de criminalização da pobreza no Rio
Das 38 favelas ocupadas, 30 tiveram registros de supostos conflitos armados entre policiais e traficantes. Duas dessas favelas ficam ao lado da Cidade da Polícia — Manguinhos e Jacarezinho. Somente nessas duas favelas, aconteceram ao menos 31 situações com disparos de armas de fogo de diferentes calibres no mês de março. Uma média de uma situação por dia. No entanto, após esses acontecimentos que os monopólios alardeiam como “confrontos entre policiais e traficantes”, os fatos comprovam fartamente que se tratam, na verdade, da ação brutal da polícia para tentar conter e reprimir a revolta dos moradores perante o assassinato de jovens, crianças etc., protestos contra as inúmeras violações cometidas todos os dias pelos agentes da repressão a mando dos gerentes de turno contra o povo. E esses ataques contra a justa fúria popular resultam, muitas vezes, em mais feridos e mortos entre a população.
Foi o que aconteceu na madrugada do dia 24 de abril. Segundo informações do Coletivo Papo Reto, policiais da UPP do Complexo do Alemão patrulhavam um beco na localidade Fazendinha quando avistaram uma aglomeração de moradores e dispararam imediatamente, baleando uma moradora de 19 anos e o mototaxista e operário da construção civil Agnaldo José do Nascimento, conhecido por moradores como Sherek, de 36 anos, atingido na nuca e nas costas. O trabalhador não resistiu aos ferimentos e morreu no local.
— Nós viemos de Pernambuco para ter uma vida melhor no Rio de Janeiro, mas meu irmão acabou se tornando vítima desta guerra. Meu irmão era um homem da paz e trabalhador. Ele era pedreiro, trabalhava de carteira assinada na obra do BRT, mas, para conseguir pagar a pensão do filho, ele fazia um bico de mototaxista nos fins de semana. Só trabalhador que morre nesta terra. Se eu tivesse dinheiro sairia deste lugar. Porque ontem foi o meu irmão e hoje pode ser eu ou mesmo um filho meu. Estamos completamente sem saída — desabafa a dona de casa Maria Aparecida do Nascimento, de 45 anos, irmã de Agnaldo.
— Foi muita sorte minha. O Agnaldo foi atingido na nuca e nas costas e morreu na hora. Eu tive apenas alguns ferimentos nas pernas. É muito triste toda essa história. E o governo ainda tem coragem de dizer que vivemos numa comunidade pacificada — diz uma testemunha ocular do assassinato do mototaxista, que também ficou ferida.
No mesmo dia, na favela do Jacarezinho, o pastor Vagner Honório Lopes, de 47 anos, foi baleado na cabeça na Rua Darcy Vargas, próximo à localidade conhecida como Beco do Corrimão. Segundo moradores, no momento em que o pastor foi baleado, acontecia um intenso confronto entre policiais da UPP e traficantes no alto da favela. Veículos do monopólio dos meios de comunicação divulgaram informações de que Vagner teria sido rendido e assassinado em um assalto, mas moradores contaram a nossa equipe uma história bem diferente.
— Ele [Vagner] já estava dentro da favela, passou por nós e nos cumprimentou. Nós ainda avisamos a ele que a polícia estava logo a frente, no Pontilhão, e ele seguiu pelo canto da rua. Logo em seguida escutamos dois disparos de fuzil e moradores vieram contar que ele havia sido baleado. É sempre assim! Se eles [policiais] virem você no beco e acharem pela cabeça deles que você é bandido, eles vão atirar. Já perdi a conta de quantos moradores já morreram assim aqui na Beira-Rio. Isso é porque a gente é pobre, porque na Zona Sul isso nunca vai acontecer. Imagine se acerta o filho de um bacana! — protesta uma moradora que preferiu não ter sua identidade divulgada.